O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia inscreve hoje, entre as suas publicações, esta, que vem revelar um pesquisador do passado e permitir o conhecimento da evolução de uma casa que se liga, por muitos títulos, à formação da inteligência amazônica. O pesquisador é o Senhor Genesino Braga; a casa, a Biblioteca Pública do Amazonas, que foi destruída pelo fogo, há anos passados, e se restaurou, pelo esfôrço do povo, govêrno, instituições culturais de todo o mundo e a dedicação serena, mas permanentemente ativa e morosa de seu diretor, justamente o Sr. Genesino Braga. Editando-a, o INPA segue um programa de divulgação do que lhe parece necessário, como resultante do estudo de campo, de laboratório ou. de gabinete, para a revelação tranqüila, exata, liberta dos entusiasmos literários, do que é a Amazônia como unidade geográfica, social, econômica e como campo imenso ao estudo da natureza em estado de ser e ao aperfeiçoamento da própria cultura humana nos aspectos particulares que distinguem a região e podem servir ao aprimoramento do bem-estar humano. O presente ensaio é justamente um dêsses trabalhos de pesquisa, feitos a rigor, sôbre códices e coleções de jornais, relatórios, memórias impressas ou não, e na base, também, do depoimento pessoal dos que puderam dar essa contribuição tão preciosa. Não sabemos de obra semelhante, escrita no Brasil. Trata-se, assim, de trabalho pioneiro, que vai proporcionar um subsídio precioso à elaboração do balanço que se fizer, um dia, do processo cultural brasileiro, balanço que deve considerar os aspectos regionais de sua formação e atualidade e a que a Amazônia estará presente por uma participação interessante e provávelmente ponderável. Seu autor, à conta do INPA, está iniciando uma pesquisa mais ampla, sôbre outros sectores de vida amazônica. Confiamos-lhe a tarefa na base do que aqui se divulga e serviu de credencial muito satisfatória. Trata-se de uma expressão simpática do meio intelectual amazonense, voltado para o estudo dos problemas da inteligência nos seus aspectos e particularidades locais e de que o presente volume é magnífica demonstração.
“A Biblioteca não dá nada por nada, não auxilia senão aos que se auxiliam. Ela não destrói os fundamentos da independência humana, não empobrece; estende a mão aos que desejam subir e serve de escada apenas àqueles que se esforçam por subir”. CARNEGIE
“O homem faz a santidade daquilo em que crê; e a beleza daquilo que ama”. RENAN
SUMÁRIO
I
À SOMBRA DO PÓRTICO
II
PINTURA VERTICAL DA PAISAGEM
III
A SEMEADURA
IV
O POMO SAZONADO
V
HOMEM-SOL NA ESTRADA DO PORVIR
VI
ASSIM SURGIU A BIBLOTECA PROVINCIAL
VII
SEGUIDORES DE CALÍMACO
VIII
COM AS MIGALHAS DA OPULÊNCIA
IX
FRUSTRAÇÃO E DECLÍNIO
X
INGRESSO NO SÉCULO XX
XI
EM TETO PRÓPRIO
XII
SERVUS SERVORUM SCIENTIAE
XIII
ORDEM NOVA
XIV
FUMO NOS CÉUS DE ALEXANDRIA
XV
A FÊNIX NO ALTAR DO SOL
XVI
A REALIDADE PRESENTE
BIBLIOGRAFIA
ABSTRACT
Aqui se fala de uma Biblioteca: suas origens, suas andanças, sua vivência, suas fases de fastígio ou de penúria. É narrativa singela de um roteiro não diverso, nem diferente, nem mais importante que o de quantas bibliotecas se formaram, e através dos tempos caminharam, sob a tutela do público poder, na dependência de verbas e decretos. Aqui se conta a história da Biblioteca Pública do Amazonas, — história esquiva e simples, marcada de declínios e de assomos, debilitada algumas vêzes nos marasmos da descrença e do abandono, iluminada, outras, pelos sóis da inteligência e da boa compreensão do dever cívico; história que se projeta de eras não mui remotas, mas, que delas nos vem clarificada por lampejos de reto idealismo, em acesos fulgores espirituais, como um feixe de luz que filtra do passado, dos episódios que foram vida e palpitação e jazem agora nas catacumbas da história, vez por outra recordados nos racontos imutáveis dos compêndios, vez por outra decantados na tessitura das lendas embaladoras. É história curta, história mansa e branda, desprovida de epopéias e de heróis aguerridos, sem sensações e sem brazões. De curso breve e sem maior semostração, bem alongadas, bem complexas e bem sentidas são, no entanto, as situações que lhe dão sinuosidade ao itinerário. Em seus oitenta e seis anos de existência, a Biblioteca Pública do Amazonas evolveu sempre de mãos dadas, de um lado com a difusão do ensino e as formas de expansão cultural do meio, na capital amazonense; de outro, com as flutuações políticas do Govêrno, na Província e no Estado. Os altibaixos de um acidentado roteiro, à mercê, ora de desiqui-líbrios financeiros, ora de incompreensões da finalidade precípua que rege uma biblioteca, na sua função de centro de estudos e pesquisas, — demonstram que, apesar de tudo, bem resistiu, a austera instituição, a tão duros embates para até nós chegar com um acervo de prestimosos serviços à cultura amazonense, por muitas gerações de estudiosos. Tratada algumas vêzes na fria condição de uma repartição do Estado, outras até como incômodo depósito de livros, a Biblioteca Pública do Amazonas conta, no entanto, em sua já longa caminhada, algumas etapas de acentuado desenvolvimento, fases florescentes, nas quais olhada com relativo carinho e mais um pouco de interêsse, obtivera situação adequada ao seu mister, não só em relação ao enriquecimento e à ordenação de seu acervo bibliográfico, como também quanto às instalações e à devida importância do serviço no quadro geral da administração pública. Bons e maus dirigentes estiveram a nortear as tarefas naturais de seu objetivo. Muitos dêles foram guindados ao pôsto de chefia por simples acomodação política, sem cultura, sem conhecimentos do serviço, sem ideal; outros, bem poucos êstes, ao mesmo conduzidos de qualquer forma, empenharam, entretanto, boa parcela de seu intelectualismo, de sua operosidade e de seu interêsse pela educação, em lutas árduas para fazer reerguer, reconstruir, reorganizar, para utilização dos estudiosos, o rico patrimônio bibliográfico que, vêzes várias e por fases demoradas, era ao abandono relegado e criminosamente entregue às traças e à sanha dos anobiídeos, quando não descaminhados, furtivamente, por colecionadores sem escrúpulo. Livros obtidos em campanhas populares, livros ofertados de presas coleções particulares, livros diretamente adquiridos nas melhores livrarias da capital do País, de Lisboa e de Paris, na cuidadosa seleção de conceituados bibliógrafos patrícios; excelentes obras de ciência, de arte, de literatura, de história, com apreciável maioria em luxuosas encadernações, algumas edição-princeps, alguns raros exemplares das famosas oficinas tipográficas de Plantin, dos Elzeviers, de Didot, — eis o acervo precioso que entesourava a Biblioteca do Amazonas. Ramos Ferreira, Aprígio Menezes, José Paranaguá, Carlos Pinho, Antônio Bittencourt, Ramalho Júnior, Constantino Nery, Bento Aranha, Benjamin Lima, José Chevalier, são nomes que merecem gratas referências, pelo muito que realizaram, em fases distintas, quer na fundação, quer em reorganizações diversas da Biblioteca, transformando-a em um corpo ativo de educação popular, eficiente e útil. Outros figuram como responsáveis pelos danos que a ela foram causados, pelo abandono em que olvidaram suas preciosas coleções, pelo descaso, pela indiferença, pelo desinterêsse com que se comportaram na direção de seus serviços, — por incapacidade, por negligência, por inocentes atos de nociva irresponsabilidade. Quatro etapas bem acentuadas marcam a octogenária existência da Biblioteca Pública do Amazonas: de 1870 a 1884; de 1884 a 1910; de 1910 a 1945; de 1945 aos nossos dias. Na primeira, nasceu, floresceu e desapareceu, em curto ciclo de atividades, a Sala de Leitura, que tanto dos sonhos, dos esforços e da dedicação de Ramos Ferreira consumira. Na segunda, iniciada sob os desígnios de um culto e operoso Presidente da Província, — José Lustosa da Cunha Paranaguá, — ascendeu à categoria de Biblioteca Pública, enriqueceu-se de notáveis coleções bibliográficas e prestou serviços utilíssimos à comunidade, para depois entrar em sucessivos períodos, ora de abandono e esquecimento, ora de reorganizações e franca atividade, com mudanças freqüentes de um para outro local, cada qual o menos apropriado, até que encontrou abrigo adequado, em prédio para ela especialmente mandado construir pelo governador Constantino Nery. A fase terceira é inicialmente conduzida pelo governador Antônio Bittenccurt, em 1910, quando, com Bento Aranha, a arranca do olvido em que se achava, no recanto esconso de um velho pardieiro, para instalá-la em edifício novo, com salões amplos e arejados, onde permaneceu até 1945, ano em que foi totalmente devorada pelo fogo. Vive atualmente a Biblioteca a sua quarta fase de existência, começada logo após o incêndio de 1945, com os trabalhos de reconstituição do acervo sinistrado e de recons-trução do seu edifício-próprio, encontrando-se presentemente em plena florescência de sua atividade, organizada sob os métodos modernos da biblioteconomia e até mantendo um curso de especialização de bibliotecários. Mas, ingressemos na senda íngreme dessa história, — história branda e pacifica — que, entretanto, muito nos fala, muito nos transmite e muito nos dá, em sensibilidade e inteligência, de épocas bem idas e bem vividas, que ficaram na poesia e no encanto das tradições regionais.
Quando um senhor William Chandless, de botas altas e em passos largos, naquela invernosa manhã de março de 1871, galgou o cabeço da Rampa da Imperatriz, desembarcando do vapor Belém, uma cidadezinha bem incipiente, de ruas hostis e sem rumo certo, olhou de esguelha, na sua bem cabocla desconfiança, para aquêle inglês de tez crestada, de ar reservado e quarentão, que trazia nos agudos olhos claros o translúcido fulgor do cientista enamorado das descobertas. A remota Manaus, que o ilustre emissário da Royal Geographical Society encontrara em suas vindas ao hinterland amazônico, ainda era a mesma que, cinco anos antes, se oferecera à jovial observação da senhora Agassiz: “uma pequena reunião de casas, a metade das quais parece prestes a cair em ruínas”. Ao meticuloso súdito da Rainha Vitória, que conduzia, a robustecer-lhe o espírito de viajor, uma ardorosa paixão pelas pesquisas científicas no mais íngreme da vastidão amazônica, a última coisa que poderia ocorrer era que, em sua breve estada em meio aparentemente tão pouco dotado, teria de assistir à inauguração de uma Biblioteca. E é desculpável que Mr. Chandless tal coisa não esperasse. A Manaus daquela época era, sim, a capital de uma Província do Império, — mas, de uma Província com apenas vinte anos de idade autônoma, ainda não totalmente saída de um sistema de protetorado que, durante dois séculos, não lhe houvera possibilitado positivos arrancos de expansão. A capital da jovem Província do Amazonas realmente não se ostentava com o aspecto mesmo de uma promissora metrópole, não obstante o vaticínio da ilustre espôsa de Agassiz; “Insignificante hoje, Manaus se tornará, sem dúvida, um grande centro de comércio e navegação”. Em vésperas de recensear seus quase trinta mil habitantes, com seus três bairros (São Vicente, Remédios e Espírito Santo), suas pontes de madeira saltando sôbre igarapés de margens agrestes, e aquelas ruas desniveladas, fendidas em seu leito de terra sôlta pelos desapressados carros de boi, a outrora Cidade da Barra não se prolongava mais que duzentos ou trezentos metros do litoral. Comprazia-se em espiar, debruçada sôbre os barrancos, as rampas e os trapiches, o preguiçoso desaguamento do Rio Negro, foz à vista, para o noivado de suas águas tapuias com o impetuoso Solimões, doze milhas abaixo. De pouca intensidade era a sua vida comercial. Não passavam de 57 as suas lojas de armarinho, além de 3 boticas, 3 padarias, 3 talhos de carne verde, 2 escritórios, 3 sapateiros, 3 alfaiatarias e 1 bilhar. Compravam-se chitas francesas e chapelinhos de veludo no “Centro Comercial Amazonense”, à Rua da Boa Vista, junto ao Cais de Tamandaré; e as luvas de pelica de Jouvain, as botinas e as tranças crespas das senhoras eram adquiridas na “Elite de Paris”. Na loja de Antônio Joaquim da Costa e Irmãos, à Rua Brasileira, havia cóques enfeitados e de tôdas as côres para as longas madeixas femininas, bem como paletós de alpaca inglêsa, ao preço de sete mil réis, para cavalheiros. Os perfumes franceses, com as marcas de Coudray e de Piver, o tão procurado “Fleurs d’Amour”, estavam à mostra na “Ville de Paris”; e o bom vinho Bordeaux, os queijos do Reno, a manteiga Lepelletier e o forte chá inglês eram obtidos no empório “Flor de Manaus”. Incipiente era a indústria. Resumia-se em duas ou três olarias, uma fábrica de sabão, duas serrarias e três engenhocas. Vivia-se mais em torno da chamada indústria extrativa, que compreendia a goma elástica, os óleos vegetais, a castanha, a salsa, a piaçava, a manteiga de tartaruga e outros. Cultivava-se o guaraná, o cacau, o café, o tabaco, a farinha de mandioca.
Ao pôrto de Manaus, não havia muito, vinham fundeando os barcos a vapor de duas emprêsas de navegação: a Companhia de Navegação e Comércio da Amazônia, do Barão de Mauá; e a Companhia Fluvial do Alto Amazonas, do benemérito cidadão português Alexandre Amorim. Em freqüentes chegadas do Pará, ou em idas e vindas ao Madeira, ao Solimões, ao Purús, no vasto ancoradouro da cidade estavam sempre a arriar ferros o Arimã, o Belém, o Arari, o Guajará, além de outros de menor calado, também a vapor, pertencentes a particulares. Os procedentes do Pará traziam as novidades e as suas chegadas eram saudadas com efusivo contentamento. Vinha com êles gente nova: oficiais, funcionários, homens de negócios; vinham os gêneros de abastecimento, os artigos de luxo, as ordens de serviço, as correspondências comerciais e particulares; e vinham, também, embora retardadas, as noticias da Côrte e do que se ia passando no País e no mundo, através dos jornais do Pará, do Recife, do Rio e da Europa. Era um acontecimento, na cidade, o apito de chegada de um navio procedente da capital do Gram-Pará. É ainda a senhora Agassiz quem nos conta o ocorrido em um baile, a que assistia, em Manaus, quando aportou um barco vindo de Belém: “Estavam as danças muito animadas quando, entrando no pôrto, o paquete vindo do Pará ficou todo iluminado e soltou girândolas e foguetes em sinal de regozijo. A alegria chegou ao auge; às quadrilhas interrompidas, sucederam-se ruidosas manifestações de júbilo A maioria dos assistentes passou a noite em claro e dirigiu-se para bordo do navio para receber os jornais”. Embora estacionária (“em Manaus, cujos habitantes se queixam de levar uma vida triste”, escrevia Elizabeth Agassiz), a cidade tinha, de vez em vez, sua ronda de elegância e mundanismo, que era vivida na Sociedade Harmonia Amazonense, em seus bailes mensais. Ali se reuniam as famílias que constituíam o escol social, presentes sempre os oficiais do 3° Bata-lhão d’Artilharia de Linha, do Batalhão de Engenheiros, da Flotilha de Guerra e da Escola de Aprendizes Marinheiros. Muitas valsas ali rodo-piaram, ainda coronel e capitão, respectivamente, Tibúrcio e Floriano Pei-xoto. Outras sociedades também existiam, congregando os elementos de mais relêvo na vida social da Província: a “Ateneu das Artes”, destinada à proteção e difusão das artes e também educativa e beneficente, a ela se devendo a criação da primeira escola noturna de Manaus; a Sociedade Nacional Beneficente do Amazonas, de beneficência e caridade; e a Sociedade Emancipadora Amazonense, que se batia pela abolição da escravatura e promovia e estimulava a alforria de escravos. Pelos idos de 1871, na pacata Manaus, ia-se ao Teatro Fênix, assistir à representação do vaudeville “Tribulação e Ventura”, após uma audição da banda de música dos Educandos Artífices; as principais ruas da cidade eram iluminadas por sessenta lampiões a querosene, que davam luz, cada um, “igual a cinco velas de espermacete”; as obras de construção da Matriz estavam, já, no madeiramento da cobertura; comprava-se carne verde a quinhentos réis, o quilo; a arrecadação da Fazenda Provincial subia a 848:188$4512; a população da Província era estimada em 57.610 habitantes; e se fundava, com vaticínios de grandeza e de notáveis realizações, a Associação Comercial do Amazonas. Governava a Província (junho de 70 a julho de 72) José de Miranda da Silva Reis, homem probo e austero, que solenizava as leis e os decretos oficiais com a nomeação de todos os seus títulos: “Bacharel em matemáticas, comendador da Imperial Ordem da Rosa, Oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro, Cavaleiro da Ordem de São Bento de Aviz, condecorado com as medalhas do mérito militar e da campanha do Paraguai, Coronel do Estado-Maior d’Artilharia do Exército, Presidente e Comandante das Armas da Província do Amazonas”. Aprígio Martins de Menezes, seu contemporâneo, considerava-o “caráter sério e administrador zeloso”. Um pouco mais evoluído, em cotejo com a condição social da Província, se oferecia o panorama intelectual da capital. Eram numerosos, já, os elementos proclamados como expressão cultural do meio, uns com ação no magistério secundário, outros no Legislativo e na Administração, alguns na imprensa. Ramos Ferreira, Aprígio Martins de Menezes, o jovem Torquato Tapajós, Henrique Barbosa de Amorim, Francisco de Paula Belo, Jerônimo de Oliveira, Pedro Luís Simpson, Antônio da Cunha Mendes, e alguns mais, formavam na vanguarda da intelectualidade da terra. Ramos Ferreira, na cátedra, no parlamento, no Govêrno, desdobrava-se em atividades pela adoção de novos métodos de ensino e por uma seivosa floração cultural na Província. Barbosa de Amorim campeava nas cátedras do Liceu, lecionando línguas e ainda traduzia Shakespeare e Vitor Hugo para os folhetins dos jornais, enquanto Simpson recolhia subsídios para a sua futura “Gramática da Língua Brasileira”. Mestre no vernáculo era Paula Belo. Cunha Mendes e Gregório de Moraes faziam imprensa, lutando contra es-casso material tipográfico para imprimir feição nova ao “Amazonas” e ao “Comércio do Amazonas”; e o médico deputado Aprígio de Menezes, nas horas vagas da clínica e dos debates parlamentares, organizava tertúlias literárias, ou compunha as poesias que mais tarde reuniria no seu livro “Névoas Matutinas”. O poeta amado da terra era Torquato Tapajós, então no sonho azul de seus dezoito anos. Por influência de escola literária e inclinação romântica, seguia Gonçalves Dias; e uma de suas poesias, “Como eu te amo”, publicada no “Amazonas” de 29 de abril de 1871, se inspira no poema, de igual titulo, do laureado poeta maranhense. A quadra última dêsses versos de Torquato dá-nos a evidência do seu engenho poético e o fogo de imaginação do jovem amoroso que então o era:
.................................................................... .“Mulher — te amo como se ama a tarde A cor doirada que se vê nos Céos; Como se ama a natureza inteira, Como se ama o verdadeiro Deos”.
A idéia, à vontade e à pertinácia do infatigável Ramos Ferreira se deve a criação da Biblioteca amazonense. Homem de fé inesgotável, ação enérgica e inabalável lealdade às suas convicções, o ilustre filho da gleba amazônica não repousava das lides árduas que lhe impunha a ordem nova implantada na seara da alfabetização e da educação dos menores seus conterrâneos. Tôdas as suas horas, a sua cultura, o seu trabalho, os seus parcos haveres, estavam a serviço do plano de desenvolvimento do ensino entre os seus irmãos da longínqua e esquecida Província do Império. Na direção da Instrução Pública, depois de haver exercido a presidência da Província e o mandato de deputado, empenhava-se com deliberada tenacidade para que um mais proveitoso sistema educativo fôsse adotado em sua terra natal. Em seus múltiplos empreendimentos a prol da nobre causa, reformou as precárias leis do ensino, então em vigência; criou novas cátedras no Liceu; abriu escolas por todo o interior; instituiu prêmios a alunos aplicados, fiscalizando a freqüência de mestres e escolares, pregando a sublimidade do ensino, — êle próprio regendo uma cadeira, gratuitamente, no Liceu. Deputado à Assembléia Provincial, elaborou vários projetos de lei, visando melhorar e ampliar as condições do ensino. É de sua autoria o primeiro projeto de criação da Escola Normal, — isto em 1871, dez anos antes de ser tornada realidade a instituição dêsse estabelecimento. Dos nobres propósitos de Ramos Ferreira por uma sociedade evolutiva, com base na educação do povo e no aprimoramento cultural de sua elite, brotou a idéia da criação da Biblioteca Pública. Manifestara-a, êle, em forma de sugestão, em 1868, através de ardoroso pronunciamento junto a seus pares, no Legislativo. Voltou à carga, mais tarde, em tom de apêlo, fazendo eco das solidariedades recebidas; e prosseguiu, com firmeza, em sua campanha, indo à execução de medidas eficazes para levar a têrmo o que já era, em si, resolução inabalável. Ramos Ferreira não era homem que desanimasse ao primeiro tropêço de uma idéia Caráter reto, espírito afeito às lutas, nobre na peleja, jamais cedia quando empunhava o estandarte de uma causa em benefício de sua terra e de seu povo. Na presidência do Legislativo, em 1870, dêsse alto pôsto comandava as refregas políticas com enérgica serenidade. Amigo pessoal de João Wilkens de Matos, Presidente da Província (novembro de 1868 a abril de 1870), a êste dava a colaboração do seu interêsse e do seu patriotismo, nos bons rumos do Govêrno. Era, todo êle, a pulsação de um líder político com as qualidades varonis do administrador de idéias novas, dotado de uma aguda compreensão do momento decisivo dos acontecimentos. Empolgado com a idéia de dotar a capital amazonense de uma Biblioteca, a ação persuasiva que exerceu sôbre o Presidente Wilkens de Matos foi tão convincente em seus argumentos, que o Chefe do Executivo, ao comparecer à abertura dos trabalhos legislativos, a 25 de março de 1870, já assim se pronunciava perante os deputados: — “O vosso digno Presidente manifestou-me a idéa de estabelecer em uma sala do Lyceu, um gabinete de leitura, para os alunos do mesmo estabelecimento, e quaesquer outras pessoas, que o quizerem frequentar; e para dar principio a essa creação solicitou da generosidade dos amigos das letras, donativos de obras impressas. Reconhecendo eu grande utilidade na realisação dessa idéa, propuz-me auxiliá-la dando-lhe as maiores proporções compatíveis com o estado da província; e, por meio de comissões compostas de cidadãos prestimosos desta capital, e de cada povoado, procuro obter fundos para a compra das obras mais uteis a esse estabelecimento, preferindo as que tratam do Amazonas. Espero brevemente receber os auxilios que os amigos do progresso moral e intellectual da província promettem prestar com a melhor boa vontade para tão interessante creação; mas sendo também indispensavel o vosso concurso, solicito do vosso patriotismo e amor às lettras, a consignação da exigua quantia de 300$000 réis para a compra de obras para a mesma biblioteca”. O calor do pronunciamento oficial, em favor da criação da Biblioteca, resultou num movimento generalizado para a sua efetivação. As comissões constituídas (Bento Aranha, Aprígio Martins de Menezes, Carlos Ferreira Fleury e outros, sob o comando de Ramos Ferreira), entraram em ação para angariar obras de particulares e donativos em dinheiro para aquisição de livros novos. Enquanto isso, entre os seus pares no Legislativo, Ramos Ferreira diligenciava a apresentação e, a seguir, a rápida tramitação do projeto instituidor da Biblioteca, que, já no ano seguinte, afastando-se temporàriamente do seu pôsto no Congresso, para dirigir a Instrução Pública, a inaugurava solenemente com o nome de Sala de Leitura.
Nos grandes centros culturais europeus, faziam moda, a essa época, os “Gabinetes de Leitura”, as “Salas de Leitura”, as “Galerias de Leitura”, — assim nomeadas as pequenas bibliotecas que dispunham do escasso espaço de uma sala, ou de um corredor, para abrigar estantes de livros e mesa de leitura. O figurino europeu não poderia deixar de exercer a sua influência, como em tantas outras iniciativas contemporâneas, na composição da nova Biblioteca. Vinham de lá os livros, em sua grande maioria; vinham os modelos de organização; vinha a cultura. A formação intelectual das nossas elites bebia no manancial dos grandes centros de irradiação cultural que eram Londres, Berlim, Paris, Roma e Viena, passando por Lisboa. Alguns dos nossos intelectuais, funcionários do Govêrno, homens de negócios, contavam estágio de freqüência em universidades estrangeiras, ou viagens demoradas pelas capitais do Velho Mundo, de modo que, por seus estudos, ou em resultado de observações durante a estada nos grandes meios, conheciam algo do que se processava na organização das bibliotecas. Sob tal influência, não poderia a criação de uma biblioteca, em Manaus, fugir aos moldes das européias: de pequenas proporções, como núcleo inicial de um grande acervo, em espaço exíguo, — Sala ou Gabinete de Leitura. Ramos Ferreira opinava por Gabinete, mas cedeu aos que propunham o caráter de Sala de Leitura, por se revestir de mais amplitude, não obstante as condições financeiras do erário provincial não permitirem, ao novo estabelecimento, acomodação outra que não em modesta sala de que dispunha no edifício em que funcionavam o Liceu e a Diretoria da Instrução Pública. Sala de Leitura foi, assim, o tipo escolhido; e a lei n.0 205, de 17 de maio de 1870, assentou oficialmente os alicerces: “Fica desde já creada, no edificio em que funciona o Lyceu, uma Sala de Leitura, que servirá de núcleo a Biblioteca Pública do Amazonas”. O projeto dessa lei foi levado ao plenário do Legislativo pelo deputado Aprigio Martins de Menezes, um dos grandes paladinos do que hoje se chamaria, na linguagem dos estados-maiores militares, “Operação Biblioteca”. Ramos Ferreira se achava na presidência da Assembléia, mas o dedo do gigante estava à mostra nos têrmos incisivos do projeto; e mais à evidência se ofereceu na rápida tramitação que lhe foi dada. Apresentado em plenário na sessão de 30 de abril de 1870, teve curso breve nas comissões. Na sessão de 14 do mês seguinte, o deputado Irênio Porfírio da Costa já o conduzia da comissão de redação, requerendo a discussão final na mesma reunião E, três dias após, a 17, o Presidente da Província, Clementino José Pereira Guimarães, convertia-o em lei:
“Clementino José Pereira Guimarães, deputado à assembléa “legislativa provincial, major commandante da 1.ª secção do batalhão d’artilharia do município da capital, 3.° vice- presidente da província do Amazonas, & “Faço saber a todos os seus habitantes que a assembléa legislativa provincial decretou e eu sancionei a lei seguinte: “Art. 1.° — Fica desde já creada, no edificio em que funcciona o Lyceu, uma sala de leitura, que servirá de nucleo a Bibliotheca Pública da província. “Art. 2.° — O presidente da província fica autorizado a confeccionar o respectivo regulamento. “Art. 3.° — Revogão-se as disposições em contrário. Mando portanto a todas as autoridades áquem o conhecimento e a execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como n’ella se contem. O secretaria da província a faça cumprir, publicar e ocorrer. “Dado no palacio da presidencia da província do Amazonas, em Manáos, aos 17 dias do mez de maio de 1870, 49. da independência e do Império.”
Clementino José Pereira Guimarães
Publicada a lei, sucederam-se as providências para a instalação da nova instituição. Em janeiro do ano seguinte, Ramos Ferreira, já na direção da Instrução Pública, dizia em relatório ao Presidente da Província: —“Compraram-se alguns objectos pertencentes à mobilia; chegaram parte dos livros que se haviam encommendado; está-se organisando o respectivo catalogo; e eu espero em breve submetter á approvação de V. Exa. o regi-mento interno. Como fui o iniciador da ides da sua execução, disculpe-me V. Exa. o dizer que é muito insignificante a verba concedida pela assembléa para uma instituição tão importante, e que póde ter excellentes resultados”. A Sala de Leitura só veio a entrar em funcionamento a 19 de março de 1871, data em que, marcada expressamente pelo Presidente da Província, foi inaugurada com a nomeação de Sala de Leitura da Biblioteca Pública do Amazonas. A solenidade ocorreu às 11 horas da manhã, honrada com a presença do coronel José de Miranda da Silva Reis, que, Presidente da Província desde meados do ano anterior, muito vinha se interessando pela instalação da Sala de Leitura. Ausente de sua cadeira no Legislativo, Ramos Ferreira se desdobrava em empreendimentos, na direção da Instrução Pública, onde com mais eficácia, se movimentava em favor da instituição, filha do seu idealismo. A Sala de Leitura ficara instalada em uma das salas do pavimento superior de velho sobrado à Travessa da Imperatriz, arrematado pelo Govêrno, no Juízo de Órfãos, para nêle funcionar o Liceu. O Regimento Interno, que lhe fôra atribuído, publicado no “Amazonas” de 25 de março de 1871, marcava o horário de funcionamento nos dias úteis, das 9 às 15 horas, e determinava, em seus artigos, que tôda a escrituração relativa aos impressos, manuscritos, mapas, plantas, desenhos e mais papéis fôssem relacionados alfabèticamente e por ordem de data, designando-se a sua proveniência. O ingresso e a permanência na Sala de Leitura eram francos e gratuitos, sob as seguintes condições: 1 — “Apresentar-se decente-mente vestido”. 2 — “Não fumar, não conversar nem perturbar por forma alguma o silencio e a tranquilidade na sala”. Papel, pena e tinta eram fornecidos gratuitamente aos leitores que quisessem tomar algum apontamento. O quadro do pessoal da Sala de Leitura da Biblioteca Pública, constante da tabela da Instrução Pública, constituía-se de um Bibliotecário, com a gratificação de quatrocentos mil réis, e de um Porteiro, com a de trezentos mil réis. O orçamento de 1871-72 consignava a verba de um conto de réis para “Compra, preparo e encadernação de livros e utencilios para a Biblioteca”. Por uma determinação do Presidente da Província, a Sala de Leitura ficou provisòriamente a cargo do Secretário da Diretoria da Instrução Pública, José Ferreira Fleury, sob a imediata direção do titular da Instrução Pública. Era estimado em cêrca de 1.200 volumes o aceno bibliográfico inicial, constituído êste: dos livros arrecadados pela comissão nomeada por Clementino Guimarães; da parte, já recebida, da encomenda que fôra feita aos livreiros da Côrte; e de algumas coleções já existentes nas estantes do Liceu. A contar da sua data inaugural, a Sala de Leitura passou a fruir uma fase de progresso em suas coleções, sempre bem freqüentadas, até que perdera os desvelos com que era assistida, — isso em virtude da salda, em outubro de 1872, de Ramos Ferreira da Diretoria da Instrução Pública, motivada por uma desinteligência com o Presidente da Província, Domingos Monteiro Peixoto, que sucedera a Silva Reis. Em 1874, a Sala de Leitura foi freqüentada por oitenta pessoas, que consultaram quarenta e seis volumes. Nesse mesmo ano, o orçamento provincial consignava a verba de dois contos de réis para a “Compra de livros e estantes para a biblioteca provincial”. O Presidente da Província entregou essa quantia ao engenheiro Joseph Gaune, que se achava na Europa, encarregando-o da “escolha e compra de bons livros para êsse estabelecimento” e obtendo, do Govêrno Imperial, isenção dos direitos para as obras encomendadas. Tal compra, porém, até março de 1876, não se havia verificado, segundo refere, em relatório dêsse ano, o Presidente da Província, Antônio dos Passos Miranda, que aduzia a seguinte informação sôbre a Biblioteca: — “Funciona na mesma sala da directoria da instrução pública. Apezar da pouca frequência dos visitadores, o catálogo dos livros existentes é ainda assaz incompleto e conviria mesmo provê-lo de algumas obras de utilidade geral”. Esta foi a última notícia encontrada em documentos oficiais sôbre a Sala de Leitura, afirmando, mais tarde, Bento Aranha, que “desaparecera do Lyceu, sem se saber como e quando”, fato que só foi constatado em 1882, ao se tratar da organização da nova Biblioteca Pública Provincial.
Não foram muito generosas, para o desenvolvimento e o progresso da Província, as águas que passaram durante os onze anos decorridos do da instalação da Sala de Leitura. Oito presidentes haviam empunhado as rédeas do Govêrno Provincial: Domingos Monteiro Peixoto, Antônio dos Passos Miranda, Domingos Jaci Monteiro, Agesilau Pereira da Silva, Enéas Galvão — Barão de Maracaju, José Clarindo de Queiroz, Sátiro de Oliveira Dias e Alarico José Furtado; e, em períodos distintos de vecância eventual, quatro vice-presidentes tinham estado no exercício da chefia do Executivo: Nuno Alves Pereira de Melo Cardoso, Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, Guilherme José Moreira e Romualdo de Sousa Paes de Andrade. Mas, com exceção dê Monteiro Peixoto, que governou durante quase três anos (julho de 72 a março de 75), e do Barão de Maracaju, que se manteve por dezes-sete meses no poder (março de 78 a agôsto de 79), nenhum dos demais presidentes chegou a contar sequer um ano de administração. Estranhos ao meio, sem nenhum vinculo de família com os locais, e sem grandes interésses que os ligassem ao desenvolvimento econômico da. região, bem poucos os que deram provas de patriotismo ou de capacidade administrativa, algo de importante realizando, para a Nação, em região de tantas riquezas inexploradas. Pouco evoluíra, nesses onze anos, a longínqua Província. Contudo, ao findar êsse período, já se enumeravam os resultados auferidos da lei do Império que, a 7 de dezembro de 1866, abrira, “aos navios mercantes de tôdas as nações, a navegação do rio Amazonas até à fronteira do Brasil”. Provinham, aquêles, da navegação direta com os portos europeus e dos Estados Unidos, por intermédio das companhias de navegação “Chargeus Reunis”, “Red Cross Line” e Royal Mail”, com seus paquetes “Sully”, “Teotônio”, “Vila-Bela”, “Cearense”, “Paraense”, “Jerome” e outros, em seis a oito viagens por ano; sem contar. os da navegação fluvial, já bem acrescidos em número, em virtude da constituição da “The Amazon River Steam Nategation Company”, e cêrca de vinte navios particulares, entre êstes os belos “gaiolas” “Imperatriz Tereza” e “D. Pedro”, recentemente construídos na Inglaterra para firmas comerciais da região amazônica. De outro ângulo, já se achava mais desenvolvido o comércio: casas exportadoras, como a Scott & Cia, Ruiz e Teixeira, Medosch, Gottschalk & Cia, Henry A. Gould, e outros, canalizavam os produtos regionais para os mercados estrangeiros. A essa época, a capital da Província amazonense já se mostrava mais dilatada, em seu perímetro urbano; e sua população estava aumentada, em razão da constante chegada de imigrantes nordestinos para os trabalhos nos seringais. Sôbre os dois primeiros igarapés ao través da Rua Municipal, já cruzavam pontes de madeira e os distritos policiais se estendiam até às rocinhas de Francisco Euzébio de Souta, no igarapé da Cachoeirinha; cêrca de 150 lampiões a querosene completavam a iluminação das ruas da cidade; havia sido inaugurado o Hospital da Misericórdia; o professor Lavor dava concertos de “ophiclead” no Teatro Beneficente; e a imponente estrutura da nova Igreja Matriz já se ostentava no panorama urbanístico da cidade. Mas, da Biblioteca, que, com o maior entusiasmo, fôra instalada em 1871, há êste informe na mensagem de outubro de 1880, do presidente Sátiro de Oliveira Dias: — “A biblioteca, que se diz haver sido fundada, existe apenas no nome”...
Não tardaria, porém, que novos zelos se levantassem para restituir a Manaus a útil instituição que dirigentes menos esclarecidos deixaram, fenecer. Retornaram, aquêles, no alento de um espírito ilustre, evoluído e de arrojadas iniciativas: o dr. José Lustosa da Cunha Paranaguá, que governou a Província do Amazonas no curto, mas progressivo período de março de 1882 a fevereiro de 1884. A administração José Paranaguá se alteia na história da Província pelos empreendimentos de cunho científico e educativo que levou a efeito, sem descuidar dos demais problemas que reclamavam estudo e solução nos setores do comércio, da indústria e da navegação. Moço culto, apaixo-nado pelas artes, pelas ciências e pelas letras, em decorrência de uma edu-cação bem cuidada que recebera de ilustres e honrados ancestrais (era filho do Visconde de Paranaguá e neto do integérrimo Montserrat, magistrado do Império). José Paranaguá trouxera para o exercido do govêrno da Província amazonense, de par com o viço pleno de seus 26 anos de idade, um tirocínio administrativo dos mais provectos realizado como auxiliar direto da administração da Província, do Rio de Janeiro. Colocando seus aprimorados dotes públicos à serviço da longínqua Província que lhe confiara o Imperador, pôde assim, em pouco menos de dois anos, levar a efeito uma gestão que se engrandeceu e engalanou com as mais notáveis realizações. Paranaguá encontrara uma Província de passos pouco seguros na estrada do porvir. Opulenta em suas reservas naturais, vasta em área ter-ritorial, sedutora em suas paisagens e no que se oferecia e se entregava à posse da inteligência e do denôdo dos cientistas e dos desbravadores, dos pioneiros audazes e dos administradores de vontade e reta consciência, — aguardava, em virginal letargo, ao doce embalo daquele “celeiro do mundo” da profecia de Humboldt, que mãos e almas fortes viessem despertá-la, para o fausto das messes dadivosas. Deslumbrou-se, o moço idealista, com aquêle apêlo que estava a receber de um mundo ubérrimo, pelo clamor de vozes que vinha das águas encachoeiradas, dos barrancos em erosão, das ramagens aos ventos, dos tantãs da indiada, dos gritos, silvos, urros, ber-ros, pios e cantos sonoros, que se orquestravam no pandemônio da fauna maravilhosa. Agigantava-se, na alma do jovem administrador, o sonho de brasilidade que conduzia de seus antepassados; e assumiu as rédeas do poder com os sãos propósitos de fazer caminhar para a vanguarda brasileira a afortunosa Província cujos destinos a confiança de um soberano justo depositara em suas mãos. Os marcos do progresso que fincou, Paranaguá, em seus dois anos de govêrno estão nas crônicas, no depoimento de seus contemporâneos, nos relatórios, nos documentos oficiais; muitos estão ainda de pé, ostensivos aos olhos das gerações atuais, ou na base dos grandes empreendimentos que evoluíram no interêsse público, até o presente. São inumeráveis as realizações de Paranaguá: deu completa reforma à instrução pública, primária e secundária; lançou a pedra fundamental do imponente Teatro Amazonas; criou o Montepio Provincial e Municipal; fundou o Museu Botânico Amazonense, convidando o sábio Barbosa Rodrigues para organizá-lo e dirigí-lo; firmou contratos para estabelecimento de novas linhas de navegação, inclusive com a Europa; organizou os serviços de abastecimento d’água e alimentar da capital; deu inicio, de forma organizada, aos serviços de estatística; incentivou o movimento de abolição da escravatura; estabeleceu serviços de exploração em vários rios; patrocinou expedições científicas ao interior; promoveu o incremento da pecuária, abrindo campos; restabeleceu o Instituto de Educandos Artífices, que encontrara fechado; aumentou as linhas de navegação para os altos rios, construiu igrejas, trapiches, cais, rampas, mercados; processou legitimações e demarcações do domínio particular; desenvolveu propaganda intensa, na Europa, dos produtos amazônicos; fundou, em Manaus, a Biblioteca Pública Provincial. Sua gestão foi um sol de primavera no itinerário histórico do Amazonas. O critério, a honestidade e o tino, com que se houve na distribuição dos dinheiros públicos e com que consultou sempre os reais interêsses da Província e de seu povo, sagraram-lhe o período administrativo na gratidão dos amazonenses de sua época. Deixara o Govêrno com uma reserva de quase mil contos de réis, em moeda corrente, nos cofres provinciais, tendo empregado, só no último ano de sua gestão, mais de quinhentos contos de réis em obras verdadeiramente úteis. Assistira ao comércio, desenvolvera as indústrias, fomentara a agricultura e a pecuária. Sob a sua proteção direta, floresceram as artes, elevou-se à dignidade e ao respeito a sociedade, sublimou-se o culto à família e à religião, fortaleceram-se as instituições; a juventude recebeu esplêndidas dádivas pelos setores da instrução, e as letras e o meio cultural. se alcandoraram no prestígio e na admiração do País. Adriano Pimentel, deputado geral às Côrtes do Império, deixou êste depoimento sôbre a gestão Paranaguá: — “O commércio, as artes, as indústrias, as lettras e as sciencias muito lhe devem nesta parte do Império. E os melhores materiaes que promoveo e deo andamento ahi ficam perpetuados na cantaria, no ferro, no bronze e no marmore, como em nossos corações agradecidos guardado o seu nome”. Aprígio Martins de Menezes, homem culto e probo, médico, poeta e educador, que havia quase vinte anos vinha seguindo o roteiro das administrações provinciais, assim depôs, expirado o ciclo administrativo de Paranaguá: “Quem tiver estudado as prodigiosas grandezas de que nos vemos acercados nesta opulenta região e lhe tiver pressentido, arroubado pelos explendores de uma natureza feracissima, o rasgado porvir de incalculáveis utilidades que se desdobrará às gerações que nos vão succeder, animo desapaixonado, razão inspirada nos princípios supremos da justiça, bemdirá fatalmente ao nome daquelle que, com mão segura e sem outro incentivo que não o nobre e sublime interesse da gloria, natural sequencia do heroismo e da honra, tiver encaminhado para as regiões douradas da civilisação e do progresso a sociedade nascente desta tão nova quanto prospera Província. Quando um primeiro magistrado de uma Província, como foi aquelle cuja administração ora nos inspira estes dizeres, olhos fitos na honra, caminho recto do dever, sabe guiar o povo que foi confiado a seu generoso e util governo aos destinos grandiosos do futuro, é certo que no regosijo intimo da consciencia do mesmo povo elle recebe todos os dias ruidosas saudações, bençãos perenes. Tal se destaca a nossos olhos, d’entre as administrações que se tem succedido nesta Província, a do jovem Administrador que se vai partir, o illustre Sr. Dr. José Lustosa da Cunha Paranaguá”. “Elle, mais que da politica, — escrevera o engenheiro João Carlos Antony — curou dos interesses materiaes desta Província, já ampliando e protegendo, na esphera de suas attribuições, o commércio e a navegação; levantou, do abatimento em que jazia, a classe do empregado publico, com especialidade a dos professores publicos, que é a mais nobre entre as outras todas. Mandou explorar nos e sertões ínvios, cooperou ardentemente para que a Província fosse representada dignamente na exposição antropológica brazileira, e desta cooperação nasceu o gosto pelo estudo daquella sciencia. São houve emfim ramo de serviço publico de que elle não curasse com zelo e intelligencia, e mais tarde, quando o historiador imparcial tiver de escrever a historia desta Província, não poderá deixar de collocar a administração do Sr. Dr. Paranaguá, repito, entre as mais fecundas em benefícios para esta região”. “A honra e o dever, a justiça e a intelligencia, que guiaram o illustrado Administrador da Província do Amazonas, são os títulos de moderna nobreza com que elle vai a caminho das glorias do nosso Paiz”, — dizia o juiz Regalado Batista. José Paranagttá deixara Manaus ao meio-dia de 14 de março de 1884, embarcando no paquete “Ceará”, rumo à Côrte. “O seu embarque, — noticiou o “Amazonas” — offereceu á nossa capital o espectaculo mais imponente, mais grandioso que a um mortal é dado occasionar”.
Enumerada entre as obras por excelência do presidente José Paranaguá, avulta sempre a fundação da Biblioteca Pública Provincial. Poucos meses decorridos da assunção ao poder, exteriorizara o jovem governante a sua estranheza quanto à inexistência de uma biblioteca na capital da Província, já dotada, esta, de um meio cultural bem subido, com Escola Normal, Seminário, uma extensa diocese, imprensa numerosa e de boa classe, um estabelecimento de instrução profissional, brilhante equipagem de oficiais da Marinha e do Exército, muitos clérigos ilustres, boas casas de comércio e já um intenso intercâmbio cultural com as capitais européias, graças ao incremento da navegação estrangeira para os portos da Amazônia. Informado, então, do descaminho dado à antiga Sala de Leitura, em razão do descaso a que fôra relegada, logo tomou a deliberação de suprir o que se lhe apresentava com a evidência de uma falta inexplicável. E deu imediata ação aos seus propósitos, determinando as providências que necessárias se fizessem para a criação de uma biblioteca, — não mais tipo Sala de Leitura, nem Gabinete, nem Galeria: mas, Biblioteca Pública, com o amplo sentido da serventia geral, de livre acesso, aberta a todos os estudiosos, aos pesquisadores das ciências e da história, de franquia ilimitada. E a disposição, o entusiasmo e o carinho, com que se conduziu em tão nobre empreendimento, encontraram apôio e cooperação análogos de quantos mobilizara nessa campanha. Paranaguá mandara vir diretamente da Europa, preferencialmente dos editores parisienses, obras valiosissimas, importantes coleções, selecionadas e indicadas pelo erudito Barão de Ramiz Galvão, que, então, no cargo de Bibliotecário, dirigia a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Encarregara-se de fiscalizar essas compras, na Cidade-Luz, o Visconde de Nioac, — Manuel Antônio da Rocha Freire — que ali residia, com a sua comenda da Legião de Honra e a sua paixão pela bibliofilla. Mais de mil volumes foram de Paris remetidos, via Havre, para Manaus, aonde chegaram pelo vapor “Paraense”, isentos de despesas e de direitos alfandegários. Sete contos de réis custaram êles ao erário provincial, quantia entregue, para essa compra, ao Barão de Rant Galvão. Recomendara, Paranaguá, a organização de uma seção constituída exclusivamente da bibliografia amazônica, solicitando do escritor Franklin Dória, na capital do Império, a indicação das obras de possível aquisição. No livreiro B. L. Garnier, foram elas adquiridas, em conjunto com outras sôbre o Brasil, num total de oitenta e dois volumes, pelo custo de dois contos cento e quatro mil e duzentos réis. Em bem documentadas pesquisas sôbre a criação da Biblioteca Pública Provincial — “Como nasceu a Biblioteca Pública do Amazonas” — trabalho publicado no jornal “Vanguarda”, do Rio de Janeiro, a 6 de julho de 1944, Geraldo Pinheiro, estudioso e culto investigador da história ama-zonense e muito versado na etnologia regional, nos dá um brilhante relato das atividades desenvolvidas para a composição e instalação da Biblioteca. Narra, êle, em trecho avançado da sua meticulosa e interessante exposição: “Em Manaus e no interior da Província, enquanto se demoravam as encomendas dos livros feitas na Europa e no Rio de Janeiro, processou-se animadora campanha para aquisição de donativos em dinheiro e ofertas de obras, numa bela prova de colaboração particular à iniciativa oficial de Paranaguá. Bento Aranha, que mais tarde viera a ser seu diretor, e Carlos Gavinho recolheram um conto e quinhentos e cinqüenta mil réis; uma outra comissão, composta de Emílio José Moreira, Taciano Maurilo Tôrres, Custódio Pires Garcia e Gregório José Moraes, arrecadou setecentos e cinquenta e quatro mil réis e o dr. Aprígio de Menezes, médico, político e historiador, promoveu uma subscrição a bordo dos vapores “Solimões” e “Tapajós”, quando de sua viagem ao Javari e ao Purús, que atingiu a quantia de setecentos e vinte mil réis. Tôdas essas importâncias foram recolhidas, como as demais, ao Tesouro Público Provincial, para as necessárias aplicações. E, assim, de ofertas em dinheiro, modestas como a de Raimundo Antônio Fernandes e vultosas como a de um conto de réis feita por José Antônio Nogueira Campos, enriquecia-se o seu patrimônio. Exemplares avulsos eram presenteados por particulares. D. Maria Nazaré Brígido dos Santos ofereceu treze volumes de literatura e o engenheiro Joaquim Leovegildo de Souza Coelho, por sua vez, doou duas cópias das cartas dos rios Juruá, Maué-Açu e Abacaxis, levantadas pelo geógrafo inglês William Chandles, que procedera a estudos geográficos no Amazonas. Das repartições públicas vieram valiosas ofertas. O Ministério da Marinha ofereceu vários mapas, dentre os quais se destacavam as preciosas cartas hidrográficas do Rio Juruá, em 10 folhas, e o Mapa do Amazonas. O Ministério dos Negócios da Fazenda ofertou uma coleção da legislação brasileira e outras publicações da Tipografia Nacional; e a nossa Assem-bléia Legislativa Provincial ofereceu a coleção completa dos seus anais, desde o ano de 1852 em que se inaugurara a Província e se constituíra o nosso poder legislativo. Todos os preparativos já se haviam feito para a instalação solene da Biblioteca Pública. A 3 de março de 1883 é nomeado o seu primeiro bibliotecário; o dr. Lourenço Pessoa, que se notabilizara na campanha abolicionista. Os livros da antiga biblioteca do Liceu, quase todos castigados e os da Diretoria da Instrução Pública, depois de convenientemente inven-tariados, passaram para o consistório do lado oriental da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição onde, sob a autorização diocesana de Macêdo Costa, finalmente se instalou a Biblioteca, no dia 25 de março de 1883. Situada numa pequena elevação, o presidente Paranaguá mandou construir uma pequena escada de pedra que facilitasse o acesso ao consistório da igreja. Escolhendo aquêle dia, quis o governador do Amazonas homenagear os membros da Assembléia Legislativa Provincial, pois que nêle se comemorava o aniversário da Constituição Política do Império. A solenidade decorreu com extraordinária pompa, tendo a ela comparecido, além do presidente Paranaguá e das demais autoridades públicas e militares, o preclaro bispo dom Antônio de Macêdo Costa, que nesse tempo perlustrava a Província em viagem de pastoral. Vale a pena registrar essa feliz coincidência: quando se instalou a Biblioteca Pública do Pará, no ano de 1871, nesse mesmo dia, dom Antônio Macêdo, ali presente, proferira notável oração.
Ao ato usaram da palavra o bibliotecário Lourenço Pessoa, o dr. Aprígio de Menezes, o padre Felix da Cruz Dácia, o capitão Gregório de Morais e outros oradores. Por essa ocasião, como era de praxe, ao tempo, em tôda solenidade, foram oferecidas duas cartas de liberdade a escravos negros, pela Sociedade Libertadora Cearense e por Carolino Antônio Dutra. Tôda Manaus comungava do entusiasmo e do júbilo. A noite dêsse dia abriram-se as portas do Teatro Beneficente em regozijo pela inauguração da Biblioteca, tendo lugar a representação do drama “Chigi ou o Quadro da Virgem”, da autoria do teatrólogo português Gomes Amorim, com a assistência de todo o mundo oficial. Estava fundada a Biblioteca Pública Provincial. Em suas estantes se encontravam para mais de três mil volumes e vários mapas geográficos estavam expostos. Dois dias depois, a 27 de março, foi franqueada ao público de Manaus. Em quatro dias apenas registrou-se uma freqüência de 122 pessoas. O encadernador João Manuel Fortunato, animado com o que se realizara, se ofereceu a trabalhar gratuitamente, durante o período de um ano em seu beneficio, fornecendo o material necessário às encadernações. José Paranaguá havia dado um Regulamento a 8 de março dêsse ano. Por êle, a Biblioteca ficava aberta das 17 às 21 horas, excetuando-se os dias santos e feriados, os de semana santa e os de carnaval, quando permanecia fechada. Os seus livros preciosos e aquêles outros enriquecidos de belas estampas ficavam numa mesa especial. As suas obras reservadas só seriam franqueadas com a máxima discreção e a cópia dos seus manuscritos dependia de autorização presidencial e só seria facultada às pessoas de notório saber. Os menores de quatorze anos estavam proibidos de freqüentá-la e os menores de 21 não tinham o livre alcance das obras que ofendessem a Moral e a Religião. Nos primeiros meses o movimento da Biblioteca tomava um estimável ritmo de progresso. Em agôsto de 1883 foi registrada uma freqüência de 244 pessoas, de ambos os sexos, número êsse bastante elevado em vista das condições intelectuais de Manaus que contava ao tempo com uma população calculada em 10.000 almas. Agora a maior preocupação era dotar a Biblioteca com um edifício apropriado Nesse sentido já se manifestara o presidente Paranaguá em relatório lido à Assembléia, no inicio dos trabalhos de 1883. Poucos dias depois, a 29 de março, o deputado Antônio José Barbosa apresentou aos seus pares um projeto de lei autorizando o presidente a dispender até a quantia de sessenta contos de réis para custear a construção dêsse edifício”. Como bem refere Geraldo Pinheiro, ao concluir a sua atraente narrativa histórica, a preocupação de instalar a Biblioteca Pública Provincial em um prédio próprio, conduziu o parlamentar mencionado à apresentação do projeto. A autorização do dispêndio, neste contida, fixava realmente a quantia de sessenta contos de réis, mas, convertida em lei, estabelecia esta somente quarenta contos de réis (lei n.° 608, de 4 de junho de 1883). Paranaguá não encontrara, juntamente com a antiga Sala de Leitura, dotação alguma que se referisse à Biblioteca. Então, na proposta orçamentária que apresentara ao Poder Legislativo, convertida depois na lei 582, de 27 de maio de 1882, para o exercício 1882-83, mandara incluir a verba de seis contos de réis consignada a “Pessoal da Bibliotheca Provincial, expediente e compra de utensilios”. O orçamento do exercício seguinte (1883-84), elevava de seis para sete contos de réis a referida verba e, na consignação “Obras Públicas”, incluía os quarenta contos de réis “Para a construção de um edifício para a Bibliotheca, inclusive a indenisação da planta aceita”. Com a saída de Paranaguá, da Presidência da Província, fôra-se, com êle, o anjo protetor da Biblioteca Provincial. No exercício seguinte, o orçamento não consignava mais a dotação para a construção do edifício, não obstante já terem sido elaboradas e aprovadas as respectivas plantas. Figurava apenas a verba de cinco contos e oitocentos mil réis, para pessoal e expediente.
O último quinquênio do regime monárquico foi, entretanto, de assinalável prosperidade para a Biblioteca Pública Provincial. Permanecendo no mesmo local onde se dera a inauguração (Consistório da Matriz), suas coleções aumentavam dia a dia, franqueadas regularmente ao público, registrando freqüência de leitores em número apreciável. Trabalhava-se com entusiasmo na classificação científica dos livros e na organização sistemática dos catálogos. Generosas doações continuavam a ser feitas, em obras impressas e em dinheiro. Um gesto do comendador Guilherme Moreira bem ilustra o interêsse que predominava, na época, pelo engrandecimento da Biblioteca. Assumindo provisòriamente a Presidência da Província (fevereiro de 1884), na qualidade de seu 1.° Vice-Presidente, aquêle ilustre homem público recebia e imediatamente mandava recolher, aos cofres do Tesouro Provincial, em benefício da Biblioteca Pública, os vencimentos de Presidente da Província, assim procedendo durante todo o tempo em que permaneceu à frente do Govêrno. Em princípios de 1884, o acervo bibliográfico estava somado em cêrca de 5.000 volumes e o registro da freqüência acusava, no mês de janeiro, 192 leitores, “que haviam consultado 45 obras científicas e 83 literárias”. Nesse mesmo ano, a lei n.° 640, de 16 de maio, autorizava o Presidente da Província a mandar concluir as obras do edifício do Liceu Provincial, para nêle funcionar, inclusive, a Biblioteca Provincial. O bibliotecário Lourenço Pessoa deixou o cargo em fevereiro de 1884, para ocupar a cátedra de Pedagogia da Escola Normal. Substituiu-o o bacharel Antônio Manuel de Sousa Oliveira, que também pouco se demo-rou na chefia dos serviços da Biblioteca. Tinha esta, no ano seguinte, novo bibliotecário: o professor Carlos Pereira de Pinho, a quem coube levar a têrmo a feitura do Catálogo. Os trabalhos de catalogação dos livros da Biblioteca ficaram concluídos em fins de 1886, sendo levados a imprimir, em janeiro de 1887, na Tipografia de Antônio Fernandes Bugalho. Em maio dêsse ano, estava a obra impressa, com uma tiragem de 100 exemplares De boa feição material, formato in-8.°, ostentava o título “Catalogo da Bibliotheca Pública do Amazonas”. Constava de 226 páginas e distribuía os conhecimentos humanos, constantes dos livros que a Biblioteca possuía, segundo o sistema de Jacques-Charles Brunet, assim expendido no seu “Manuel du libraire et de l’amateur de livres”: 1.ª Classe — TEOLOGIA (1. Tratados Gerais; II. Escritura Sagrada; III. Concílios; IV. Teólogos; V. Apêndice. Heterodoxia). 2.ª Classe — JURISPRUDÊNCIA (I. Introdução, tratados gerais, história; II. Direito natural e internacional; III. Direito político e administrativo; IV. Direito civil e criminal; V. Direito eclesiástico). 3.ª Classe — CIÊNCIAS E ARTES (1. Ciências filosóficas; II. Ciências físicas e químicas; III. Ciências naturais; IV. Ciências médicas; V. Ciências matemáticas; VI. Artes). 4.ª Classe — BELAS ARTES (1. Lingüística; II. Retórica; III. Poesia; IV. Teatro; V. Ficção em prosa; VI. Filologia e história literária; VII. Diálo-gos; VIII. Epistolografia; IX. Excertos). 5.ª Classe — HISTÓRIA E GEO-GRAFIA (Introdução e tratados gerais). Esse trabalho de classificação dos livros da Biblioteca, elaborado em bases científicas, com a adoção de um sistema muito em voga na época, revela esmerados conhecimentos de prática bibliotecária e diz bem do acentuado lastro de cultura dos homens que o realizaram. Reconhecidamente, a classificação de Brunet, constante do 6.° volume do Manual (“Table Methodique”), era a mais difundida na Europa e vinha sendo adotada por numerosas bibliotecas européias e americanas, considerada mesmo como o manual clássico do bibliófilo francês. O seu constante uso, na organização de catálogos de livros, pelos editores parisienses, resultou ficar conhecida como “Sistema dos livreiros de Paris”. A dominadora influência da cultura francesa se encarregou da sua difusão no mundo dos bibliófilos, que a aceitaram alvoroçados, não obstante as reservas de alguns e as criticas de Prieur, bibliotecário de Besançon, êste combatendo o sistema em falhas que apontava. Adotando o sistema de classificação Brunet, para a ordenação dos livros da Biblioteca Provincial do Amazonas, primaram os organizadores do catálogo em realizar um trabalho que realmente a colocou à altura das principais bibliotecas da Europa, senão em volumes de entradas, pelo menos do ponto de vista biblioteconômico. O Catálogo impresso, possuem-no ainda a atual Biblioteca Pública e alguns colecionadores de raridades bibliográficas; e do fichário com êle elaborado ainda conhecemos inúmeras fichas que restavam depositadas em um velho móvel de madeira que se perdera no incêndio de 1945. Eram essas fichas de cartolina branca, pautadas, medindo 0,15 x 0,10, caprichosamente manuscritas. Ao alto, à direita da ficha, se colocava o número de chamada, ficando as demais anotações a ocupar o centro do cartão. De valia inestimável podem-se considerar as obras que figuram no Catálogo. Ali encontramos os 50 volumes da monumental obra do padre Migne: “Encyclopédie theologique”, Paris, 1845-49, in-4; “Histoire naturelle”, de Buffon, Paris, 1849, em 36 volumes; as obras de Darwin, nas primeiras edições; a 1.ª edição, de 1576, da “História da província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil”, de Pedro Magalhães de Gandavo; o “Diccionário histórico e geographico da Provincia do Maranhão”, de César Augusto Marques. Maranhão, 1870; a edição de 1853 de “O Amazonas e as costas atlânticas”, de Maury; o “Compendio das eras da Provincia do Pará”, de Baena. Pará, 1838, bem como, do mesmo autor, de 1839, o “Ensaio chorographico sobre a Provincia do Pará”; o “Diccionário topográphico, histórico, descriptivo da comarca do Alto Amazonas”, de Araujo Amazonas. Recife, 1852; a obra “Tabatinga am Amazonenstrom”, do dr. Robert Lallemant, editada em Hamburgo, 1863; o in-fólio de Chandless: “Notas sobre o rio Purús”; os primeiros estudos amazônicos de Barbosa Rodrigues: “O idolo amazonico”, de 1875, e “Antiguidades amazonicas”, de 1879; os “Melhoramentos do Amazonas”, Manaus, 1875, de João Ribeiro da Silva Júnior; a “Viagem ao norte do Brasil, feita nos anos de 1813-1814”, de Ive d’Evreux, “publicado conforme o exemplar unico conservado na Bibliotheca Imperial de Paris, com introdução e notas de Ferdinand Denis”; as obras completas de Bossuet (43 volumes), edição de 1815-19; as de Fenelon (22 volumes), edição de 1820-24; as de Goethe, as de Lafontaine, as de Montesquieu, as de Racine, as de Schiller, os 39 volumes das de Chateaubriand (1836-39), os 25 volumes das de Rosseau (1823-27), os 17 volumes das de Madame de Stael (1820-27); os 97 das de Voltaire (1828-32), a coleção de 1845 das “Cartas Chilenas”, as obras de Wallace, de Herbert Smitts, de Mattews, de Martius, de Keller e outros, sôbre a Amazônia. Na classe de periódicos, o catálogo relacionou, entre muitos outros, a primeira revista brasileira, “Correio Braziliense”, de 1808, impressa em Londres por Hipólito José da Costa; o primeiro jornal do Pará, “O Paraense”, de 1821; e o primeiro jornal amazonense, o “Estrela do Amazonas”, de 1852. A coleção de cartas e mapas inclui o Mapa do Rio Amazonas, 1865, de Pimenta Bueno; o do Japurá, de Costa Azevedo, 1864; os de Chandless, sôbre o Juruá, o Purús, Maués e Abacaxis; os de Barbosa Rodrigues, sôbre o Capim, o Trombetas, o Urubu e o Jamundá.
Com tôdas as suas minúcias, o rigor técnico da distribuição dos assuntos, a sua excelente feição material, resultara, dêsse modo, o “Catálogo da Biblioteca Pública do Amazonas”, um trabalho que expressava, com eloqüência, com realidade e com justeza, a seriedade dos serviços e a integridade funcional da instituição, além de expressar o apaixonado interêsse que os catalogadores dedicaram aos misteres de classificação e ordenação das obras da Biblioteca. Sem o tirocínio biblioteconômico necessário para tão complexa tarefa, dispondo de alguns dos já poucos elementos instrutivos de sistemas de catalogação na época ainda não bem desenvolvidos e generalizados, executaram um trabalho de interpretação própria, assimilando regras, consultando modelos de catálogos das bibliotecas européias, com o auxilio da cultura geral que possuíam e os credenciara para aquêle serviço de natureza especializada, no campo da bibliografia. E chegaram ao fim, de modo triunfal, apresentando um trabalho que ainda hoje merece apreciação e é bem digno das atenções dos bibliotecários modernos. De parte o gênio criador, a robusta erudição clássica e os setecentos mil volumes que tinha diante de si para ordenar, não foram maiores, que a dos catalogadores amazonenses, a dedicação, a perseverança e o desvêlo de Calímaco de Cirene, — pai da Biblioteconomia — ao classificar e catalogar, para Ptolomeu Filadelfo, as tabuinhas e os papiros da Biblioteca de Alexandria. Os 120 livros, que constituíram os “Pinakes”, reveladores da obra de Calímaco, ressurgiram, através dos séculos, na singela perfeição daquela obra dos bibliotecários amazonenses, na penúltima década do Século XIX.
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Continuou a Biblioteca subordinada à Diretoria da Instrução Pública até 1887. Foi no govêrno do coronel de engenheiros Conrado Jacob de Niemeyer que ela veio a tomar posição hierárquica de relêvo, no corpo da administração provincial: na estrutura da lei n.° 780, de 25 de junho de 1887, aparece tabelada como Diretoria, constituído o seu quadro de pessoal de: 1 Diretor; 1 Amanuense e 1 Porteiro. Em virtude dessa lei, o bibliotecário Carlos Pereira Pinho ascendeu às funções de Diretor, desaparecendo o cargo de Bibliotecário. O cargo de Amanuense era exercido por Abel Guimarães, que no mesmo ano foi substituído por José Antônio de Castro Júnior. Carlos Pereira Pinho não demorou muito tempo nas suas novas funções de Diretor: a 9 de julho de 1888, foi delas exonerado, indo ocupar a cadeira de Matemática da Escola Normal. Nomeado em Portaria da mesma data, assumiu a direção da Biblioteca o bacharel Jorge Augusto de Brito Inglês. Permanecia a Biblioteca Provincial funcionando no Consistório da Matriz. Inaugurado, porém, em 1877, o edifício do Liceu (hoje Colégio Estadual do Amazonas), determinou o cônego Raimundo Amâncio de Miranda, 3.° Vice-Presidente da Província, ao assumir o exercício da Presidência, de 2 a 12 de julho de 1888, a transferência da Biblioteca para um dos compartimentos daquele próprio provincial, “visto não estar bem colocada no Consistório da igreja matriz de N. S. da Conceição”. A 11 de dezembro dêsse ano, novamente no poder, o cônego Amâncio nomeou uma comissão, constituída do bacharel João Brígido dos Santos Júnior, Júlio Pinto de Almeida e Gotgônio dos Santos, “para examinar o estado da Bibliotheca Provincial, ficando arbitrada a gratificação de 800$000 a cada um”. Essa comissão, ao dar contas, em relatório de março de 1889, da tarefa que lhe fôra atribuída, pós em relêvo a boa conservação dos livros e a eficiência dos serviços que a Biblioteca continuava a prestar aos estudiosos, em seu novo domicílio, nada sofrendo, em seus pertences, com a mudança para o edifício do Liceu. Veio a República, mudaram os homens do Govêrno, caíram as instituições monárquicas. O novo regime, porém, nos seus primeiros anos, não foi pródigo em cuidados que favorecessem a Biblioteca. Bem ao contrário, relegou-a à condição de um incômodo fardo de livros, atirado vêzes várias de um para outro lugar, sem funcionários, sem estantes, sem catálogos, sem conservação; ora entregue à guarda de algum servente desidioso, ora formando corpo morto em agrupamento de serviços inteiramente diversos e sem correlação. Seus livros eram desviados para as coleções particulares e os “empréstimos por uns dias” se efetuavam como transferência de domínio.
“Com a ascenção do regime republicano — escreveria 20 anos de-pois o historiador Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha — esta instituição, que tanto já se recomendava às intellectualidades do nosso selecto e crescente meio social, foi pouco a pouco se extinguindo, devido às mudanças de uma para outras casas e aos enormes desvios de livros de suas estantes, por incúria, desleixo e desídia dos seus diretores, sem se exceptuar um só, animados pela protecção céga de chefes de um desenfreado partidarismo, sem ideal, nem fé política republicana”. E mais adiante: “A Bibliotheca do Amazonas, se tivesse continuado a ser dirigida com dedicação, zelo, probidade e patriotismo, como fôra nos anos de 1883 a 1889, seria hoje senão a primeira das existentes no Brasil, indubitàvelmente estaria já classificada naquella mesma plana”. De fato, o curso das providências governamentais expedidas para a Biblioteca, assim o confirma. Dois meses após assumir o seu curto período de govêrno do novo Estado Federal do Amazonas, Eduardo Ribeiro decretou a extinção da Diretoria da Biblioteca. Fê-lo por intermédio do Art. 15, nas Disposições Permanentes, do decreto orçamentário n.° 80, de 28 de janeiro de 1891. O dispositivo mandou anexar a Biblioteca à Diretoria da Instrução Pública, sob a guarda de um Zelador. Nessa situação permaneceu o acervo livresco, durante mais de quatro anos, entre as quatro paredes de esquecida sala do Liceu.
Sòmente em 1895, já quase no expirar do florescente quatriênio de govêrno de Eduardo Ribeiro, lembrara-se êste de dar séria atenção à Biblioteca Pública; desta vez, felizmente, para arrancá-la do olvido e da inoperância a que relegara um ato da sua efêmera gestão anterior. Não deixa de suscitar certa estranheza tão retardada providência de parte do acurado e infatigável governante, cuja ação renovadora e construtora vinha envolvendo, desde o início, todos os ângulos da vida amazonense. Por seus notáveis empreendimentos, por suas leis sábias e através de diretrizes firmes e de efeitos surpreendentes, a obra administrativa do grande maranhense operara impetuoso salto evolutivo na vida do Amazonas. A grandeza de sua gestão ficara perpetuada nas imponentes edificações de que ainda hoje se orgulham os amazonenses: a suntuosidade do Teatro Amazonas, a imponência aristocrática do Palácio da Justiça, a sóbria elegância da ponte de ferro da Cachoeirinha. Seu govêrno dera à cidade de Manaus a amplitude urbanística que lhe possibilitou grandes recursos de expansão: abriu e arruou novos bairros, nivelou e calçou inúmeras ruas; plantou jardins e erigiu pontes e monumentos em praças novas; construiu reservatórios para o abastecimento d’água, iniciou a edificação do Palácio da Justiça. Por obra sua, os bondes elétricos viriam a rodar pelas ruas e a luz elétrica brilhou dentro das noites manauenses. Reorganizou e levantou o nível da instrução pública, incrementou a navegação para o interior e para a Europa, deu impulso novo às indústrias e reformou, êle mesmo, tôda a legislação estadual, nas bases do novo regime. Elevou de cinco para dez mil contos de réis a receita do Estado e tudo fêz para o prestígio maior das instituições culturais e científicas. “Encontrei urna grande aldeia e fiz dela uma cidade moderna”, — pudera êle ufanar-se, ao fim de sua gestão. A cidade moderna, que Eduardo Ribeiro fizera da capital amazonense, surpreendeu Torquato Tapajós. O moço poeta, que, desde 1873, se achava ausente da gleba nativa, vivia agora as doces emoções de um retôrno, embora breve, aos tabuleiros da sua infância. Voltava cheio de títulos, laureado engenheiro-geógrafo e bacharel em matemáticas, sócio do Instituto Civil de Engenharia de Londres e de muitas outras respeitáveis instituições científicas do Pais. Conduzia vultosa bagagem literária já publicada: dois livros de poesias e muitos outros de assuntos científicos e questões limítrofes. Havia percorrido a Europa, os Estados Unidos e adquirira fundas observações e conhecimentos de engenharia sanitária, que os empregou nas importantes comissões especificas confiadas ao seu desempenho, pelo Govêrno Central. Vindo a Manaus, no ano seguinte ao fim da gestão de Eduardo Ribeiro e no mesmo em que, ainda em idade vigorosa, viria a falecer na Capital da República, surpreendera-o a transformação da sua outrora acanhada Manaus Manifestava-se, então, em artigo n’“O Rio Negro”, edição de 5 de agôsto de 1897: — “É extraordinário o desenvolvimento material da cidade de Manaos. Bem pouco resta de quanto aqui deixamos. Desdobrando-se em todas as direcções, a cidade actual absorveu a velha cidade e nas suas grandes linhas vê-se agora que esta terá de enquadrar em seus limites uma das mais bellas capitaes da União”. Deveras, oferecia-se à evidência o progresso que a administração Eduardo Ribeiro deixara assinalado na capital amazonense. Um ritmo de vida mais intenso era auscultado em todos os ângulos de atividade, correndo as iniciativas particulares a par com as de sentido público. Tornara-se próspero o comércio retalhista, ampliado em suas instalações, apurado na seleção de seus artigos de venda: meias de fio da Escócia, camisas de Oxford e punhos e colarinhos inglêses, no “Mandarim”; cristais da Boêmia e Bacarat e biscuits de terra-cota, na Casa Pekim; chitas e outros tecidos inglêses, no Canto das Novidades; e a manteiga “Issigny”, de J. Lepelletier, e a dinamarquesa “Bismarck”, na Casa Quintas. A sapataria Industrial supria a praça com os ponteagudos tamancos portuguêses e a Casa Havanesa apresentava sortimento apreciável dos chapéus de palha “Christys” e dos sapatos “Bostock”, de fino acabamento inglês. As prateleiras das farmácias “Central” e “Borba”, e de outras mais, viviam repletas dos produtos da farmacopéia francesa: o “Quinium Labarraque”, febrífugo famoso; a “Kola-Monavon”, reconstituinte poderoso; o “Morrhuol”, de Chapoteaut, para as bronquites e as moléstias do peito; o “Xarope de Dusart”, de grande efeito no raquitismo; a “Phosphatine Faliéres”, as cápsulas de Santal Saldlé Lacroix, os pós laxativos de Vichy. Pontes Mais era o alfaiate dos cavalheiros elegantes, sempre em dia com as inovações dos figurinos de Londres. As livrarias “Palais Royal”, “Universal” e “Comercial” expunham à venda o “best-seller” da época: o livro “A Ilusão Americana”, de Paulo Prado; enquanto a confeitaria “Progresso” deliciava os paladares requintados com os, doces “Bôlo de Amor”, “Orelhas de Abade”, “Madalenas” e os mais tenros de sua fabricação. Caixeiros-viajantes, seringueiros, comediantes, homens de negócios, contratantes de obras e aventureiros superlotavam o Hotel Cassina, o Hotel de França, o Hotel Europa, o Hotel Internacional e mais casas de hospedagem. Estava aumentada a navegação para a Europa com os navios de mais três companhias: uma, portuguêsa, com o “Dona Maria”; outra, italiana, a “Ligure Brasiliana”, com o novíssimo “Rio Amazonas”, e a inglêsa Booth Line, com o “Augustine”, o “Hildebrand” e outros. No Teatro Amazonas, recém-inaugurado, as noites de gala se sucediam com os espetáculos da Companhia de Comédias Dias Braga, em ponto alto a atriz Adelaide Coutinho. Estava instalado, e em funcionamento, o serviço telefônico da capital e vinham de ser inauguradas as comunicações telegráficas pelo cabo sub-fluvial. Fundava-se o primeiro clube esportivo: o Sport Club Amazonense. O meio intelectual da cidade respirava pela imprensa: Euzébio de Sousa Caldas, Raimundo Nunes Salgado, Argemiro Germano e Paula Barros, no “Amazonas”; Alberto Moreira e Rocha dos Santos, no “Comércio do Amazonas”; Justiniano de Serpa, Raul de Azevedo e Deusdedith Farias n”’O Rio Negro”; Taumaturgo Vaz, Almeida Nobre e Temístocles Machado, na “Federação”; Leônidas de Sá, no “Imparcial” e ainda outros no “Jornal do Amazonas”. Os da “Federação” e os do “Jornal do Amazonas” viviam empenhados em duelos políticos, a serviço dos partidos. Mais informativos, mais interessados nas letras, nas artes, na vida social, eram os que pontificavam no “Comércio do Amazonas e n’“O Rio Negro”. Eduardo Ribeiro inaugurara a idade de ouro do Amazonas, tendo como grande auxiliar a valorização da borracha. Encontrara o então “ouro-negro” cotado em preço-quilo pouco superior a três mil réis e, da curul presidencial, pudera acompanhar a sua ascenção, na concorrência dos mercados estrangeiros, até quase chegar aos dez mil réis. Não só a borracha, outros produtos também tiveram as graças da valorização: a castanha, o anil, o cravo, a piaçava. A receita estadual, em surto ascencional, pusera nas mãos do grande visionário o crédito e os recursos que lhe possibilitaram tornar palpável o sonho de grandeza que agitava as suas horas de lucubração. Ao singrar a rota última de seu período administrativo, Eduardo Ribeiro já colhia os frutos doirados de muitas das árvores que plantara. Via o crescimento de sua cidade, já com cêrca de 45.000 habitantes, dotada de belas conquistas da civilização, em rumo para o que, dez anos mais tarde, visitando-a, Afonso Pena consideraria “uma revelação da República”. Só então parou o olhar diligente sôbre o desolador abandono em que se finava a Biblioteca Pública. No propósito de dar-lhe uma situação adequada às suas altas finalidades, pediu, e obteve, do Congresso, no corpo da lei 134, de 7 de outubro de 1895, autorização para reorganizá-la como julgasse conveniente. E não se fêz demorar nas providências: a 17 do mesmo mês, baixou o decreto n.° 86, com o qual criava a Diretoria da Biblioteca Pública do Amazonas, constituindo-a com o seguinte quadro de pessoal: 1 Diretor, 1 Secretário, 1 Porteiro e 1 Continuo. O regulamento, com o decreto baixado, rezava em seu art. 1.°: “A Biblioteca Pública do Amazonas, creada por disposição da Lei 582, de 27 de Maio de 1882, é destinada a cooperar para o progresso da instrução pública do Estado”. Outros dispositivos determinavam: o horário de funcionamento (das 11 às 14 e das 18 às 20 horas); a admissão à freqüência sòmente de pessoas maiores de 14 anos, decentemente vestidas; e o não empréstimo de livros. Eduardo Ribeiro nomeou diretor da Biblioteca o bacharel Pedro Epifânio Regalado Batista, a quem coube fazer outra mudança do acervo: do edifício do Liceu para uma casa de aluguel à Praça da Constituição (trecho hoje denominado Praça Roosevelt), esquina com a Rua Guilherme Móreira. É o próprio “Pensador” quem faz referências a essa nova instalação da Bibioteca, em sua mensagem de 19 de março de 1896, ao Congresso: — “Não possuindo o Estado um edifício apropriado para o serviço da Bibliotheca e não havendo mesmo nesta capital um próprio em condições de servir, lancei mão dos acanhados cômodos de um armazem situado à Praça da Constituição e para elle mandei transferir os restos da antiga Bibliotheca Pública que se achava em uma sala do Gymnasio Amazonense Refere-se, a seguir, às coleções bibliográficas existentes: “Cumpro o dever de declarar-vos que grande parte do material que pertenceu à antiga Bibliotheca não foi encontrada por se ter extraviado desde a primeira mudança feita. Dos livros restantes, uma grande parte acha-se completamente mutilada, havendo alem disso varias obras importantes incompletas de modo a tornarem-se imprestáveis”. Conclui, justificando a sua confiança na escolha que fizera para a direção do estabelecimento: “Estando à frente da Repartição como Diretor o illustrado jurisconsulto dr. Pedro Epiphanio Regalado Baptista, que, à uma longa prática, alia conhecimentos scientificos variados, confio que a Bibliotheca Pública do Estado dentro de pouco tempo estará inteiramente transformada, ficando em condições de prestar os importantes serviços a que está destinada”.
Não chegaram a êxito os sãos propósitos que presidiram, em Eduardo Ribeiro, à reconstituição da Biblioteca Pública. Iniciativa tomada já nos meses últimos de seu opulento govêrno, quando fortes chefes políticos, que o apoiavam, começavam a bandear-se para a oposição, arrastando, o grande dirigente, da ação administrativa para os duelos do partidarismo, até o extremo de uma tentativa de deposição, — bem restrita era a trégua que lhe davam as preocupações políticas, nesse apagar das luzes, para cuidar, com o desvêlo e o entusiasmo de antes, das suas realizações de natureza puramente administrativa. Combatido e glorificado, discutido e aclamado, deixou o govêrno ao seu substituto legal, tenente Fileto Pires Ferreira, também engenheiro-militar, eleito num pleito tumultuosíssimo, cuja apuração, pelo Congresso estadual, se revestiu de um golpe político que entrou de modo jocoso para a história amazonense. A confiança, que Eduardo Ribeiro manifestara na prosperidade da Biblioteca Pública, em razão da organização e da direção que lhe havia dado, resultara em completa frustração dos bons anelos daquele governante. Embora instalada em outro local, com numeroso quadro de serventuários e sob a direção de um nome ilustre, não deu sequer sinal de prosperidade, não andou em seus objetivos. Voltou ao estado de declínio em que fôra encontrada. Fileto Pires, em mensagem de março de 1897, dava, dela, esta desapontadora notícia ao Congresso dos Representantes: “Pelo Relatório do Diretor desta Repartição, para o qual chamo a vossa especial attenção, vereis o estado de desmoronamento, ou melhor, de aniquillamento em que se acha a Bibliotheca Pública. Desprovida de quasi todos os elementos necessários e encontrando os poucos existentes em verdadeira ruína, só trabalho novo, methodico e regular poderá levantar o estabelecimento a um grão de prosperidade capaz de preencher os seus elevados e patrióticos fins”. E mais adiante: “Sem obras de certo valor, truncadas as melhores que existem, sem revistas scientificas e literárias, nenhum interesse desperta e nenhuma frequencia pode ter a Bibliotheca. Relativamente ao movimento, são desanimadores os dados fornecidos pelo Director, pois dá-nos uma frequencia de 3 leitores diarios!” Nove meses decorridos da sua fala aos congressistas, Fileto Pires extinguia a Biblioteca. Extinguia-a “considerando que, com a permanencia dessa Repartição, continua o Estado sobrecarregado de despezas, sem que d’ahi resulte vantagem alguma para o Estado e seus habitantes”. O decreto, sob o n9 208, de 8 de dezembro de 1897, determinava que os pertences da Repartição ficassem a cargo da Diretoria de Estatística. Outra mudança ocorreu. Os livros, em caixas e mais caixas, — tesouro preciosíssimo que homens sem ideal, sem disposição de trabalho, sem consciência biblioteconômica, não sabiam de que maneira empregar na difusão da cultura popular — foram novamente trasladados, desta vez para uma sala do prédio em que estava instalada a Repartição de Estatística, na antiga Rua do Progresso, hoje Monsenhor Coutinho. O ato da instalação da nova Repartição de Estatística, Arquivo Público e Biblioteca ocorreu no dia 1.° de janeiro de 1898, com a presença do Chefe do Executivo, tendo sido lavrada uma ata da solenidade. A essa altura, dirigia a Repartição Manuel Francisco da Cunha Júnior, achando-se a Biblioteca a cargo do Bibliotecário Wilson Silveira Coelho. Justificando a providência tomada, o Governador assim se expressa na mensagem do ano seguinte: — “Desanimado de colher um resultado que cobrisse os gastos empregados, tirei á Bibliotheca o caracter de repartição pública, isolada, para constituir unicamente e por enquanto, uma secção na estatistica. Penso em construir um predio para installar definitivamente a Bibliotheca”. Pedro Freire, homem culto, amante dos livros e bibliógrafo de requintado gôsto, secretariava o govêrno Fileto Pires Ferreira. Em janeiro de 1898, dando contas das atividades das repartições que estavam subordinadas à sua Secretaria de Estado, assim se manifestava sôbre a Biblioteca: “Parece-me que é tempo de pensar-se seriamente na necessidade inadiavel de dotar-se esta Capital com uma Bibliotheca bem organisada, o que não foi possivel ser posto em prática, creio eu, por não ter o Congresso facultado até o presente recursos para êsse fim ao poder executivo, consignando na lei orçamentaria verba sufficiente para a acquisição de um prédio apropriado, para a compra de moveis como sejam: estantes, mezas, etc. e para assignaturas de revistas e de principaes jornaes nacionaes e estrangeiros, para a compra, em larga escala, dos livros que tem necessidade, ficando habilitada a firmar contractos com livreiros dos principaes centros de actividade intellectual para a remessa mensal das obras mais importantes que sejam dadas á publicidade. Quem tiver conhecimento exacto dos incalculaveis beneficios que um estabelecimento montado nessas condições, correspondendo perfeitamente ao fim a que é destinado, fornecerá ao público, não regateará os meios pecuniários de que o Governo carece para montar uma Bibliotheca digna d’este Estado, que fique, como monumento de inestimavel valor, para attestar aos vindouros o elevado grao de interesse que os poderes constituidos desta opulentíssima circumscripção do extremo norte consagravam ao levantamento do nível moral e intellectual da população. É racional e intuitivo que para uma Bibliotheca Pública, além de um grande numero de obras sobre os ramos de conhecimentos humanos, publicadas nas linguas mais em uso entre os povos civilisados, se requer mapas, atlas, globos geographicos, etc., uma diversidade enorme de objetos apropriados a cada estudo que o leitor pretenda fazer. O predio em que ella tenha de ser installada demanda construcção adequada aos seus fins, com accomodações regulares para salas de estudos. Não ha duvida alguma que o Amazonas está em condições de possuir uma Bibliotheca Pública á altura de seus creditos de Estado prospero
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O expirar do Século XIX, na capital amazonense, vinha se emoldurando de um pronunciado gôsto no campo da cultura, entre os ângulos diversos da administração e da sociedade. Modernizavam-se as condições da instrução pública, à frente o professor Francisco Antônio Monteiro, que regressara de uma viagem de estudos e observações em França e Portugal; procurava-se reequipar o maltratado Museu Botânico do Estado, com a aquisição das coleções Talberg e Payer e o movimento em favor da compra da coleção numismática de Bernardo Ramos; reacendiam-se as luzes de ribalta do recém-inaugurado Teatro Amazonas para as exibições do grande trágico Giovanni Emânuel, o mais famoso intérprete de Shakespeare; introduziam-se métodos modernos no ensino normal e no ginasial; doirava as reuniões da Academia de Belas Artes o “settimino” do professor Cesar Vesce Na imprensa, Th. Vaz, Fran Paxeco, Raul de Azevedo, Leônidas de Sã, Goetz de Carvalho e outros saudavam a visita de Coelho Neto. Dirigindo o Ginásio do Estado, um amazonense dos mais ilustres, pedagogo emérito, apaixonado das letras e das artes, — Antônio Monteiro de Sousa — fundava a Biblioteca do Ginásio. Iniciativa de Pedro Freire, organizara-a Monteiro de Sousa de acôrdo com as diretrizes biblioteconômicas mais em voga na época. Fôra êste ao Rio de Janeiro com a missão especial de adquirir obras de valor, de serventia para professores e alunos do curso secundário, no propósito de dotar essa Biblioteca de coleções úteis aos pesquisadores e ao serviço do ensino. Monteiro de Sousa trouxera da Capital Federal 710 volumes, podendo, assim, com as obras doadas e compradas em Manaus, inaugurar a Biblioteca do Ginásio com um aceno de mais de dois mil volumes. Obras raras ali eram encontradas, como o “Compêndio das Eras”, de Baena; o “Diccionário histórico estatístico da comarca do Alto Amazonas”, de Araujo Amazonas; os “Trabalhos Litterários”, do primeiro poeta amazonense: Tenreiro Aranha; o “Diccionário Geographico do Brasil”, de Moreira Pinto; a “História da América Portuguesa”, de Rocha Pitta; a “Cronica dos padres menores da provincia do Brasil”, de Frei Jaboatão. Continha grande número das obras escritas pelos naturalistas e exploradores estrangeiros sôbre o Amazonas, entre os quais as de Humboldt, as de Gravier, as de Bates, as de Mathews, as de Martius. Estava equipada de mais de setenta dicionários lingüfsticos e especializados, sem contar quatro ou cinco boas enciclopédias e coleções das mais autorizadas revistas científicas européias. Em luxuosas encadernações, os clássicos abundavam nas estantes, de par com os renascentistas, os românticos, os modernos. Tratados de Pedagogia, obras de História, compêndios de ensino na diversidade das matérias, Direito, Economia, Filosofia, Matemática, obras de arte de alto custo, todos os conhecimentos humanos se, faziam representar, selecionados com inteligência e erudição, na Biblioteca do Ginásio. “Se o valor de uma Biblioteca se aquilata pelo mérito e qualidade das obras que a compõem e não pelo seu número — informava, em relatório, Monteiro de Sousa — posso afirmar que a nossa tem algum valor”. Instalada em ampla sala do estabelecimento, com estantes, mesas, cadeiras e mais pertences adequados, era a Biblioteca do Ginásio bem freqüentada, não só por professores e alunos, mas também por particulares, que a procuravam em suas necessidades de estudos e pesquisas e até para a leitura recreativa. Em janeiro de 1900, com a extinção do Museu do Estado, ficaria ainda mais enriquecida pela anexação da biblioteca dessa instituição, valiosíssima em obras científicas. E enquanto êste movimento se coroava de efeitos excelentes no setor do. magistério secundário, permanecia a Biblioteca Pública “em reorganização”, conforme as evasivas dos relatórios oficiais, entre as quatro paredes mal caiadas de exígua sala à Rua do Progresso, inexpressiva e inerte seção da Diretoria de Estatística, Biblioteca e Arquivo Pública. Dos 8.600 volumes que contava antes da primeira mudança, só restavam 4.342, inclusive os de mau estado de conservação e as obras incompletas, assim discriminados:
Livros catalogados e em bom estado de conservação
2.951
Livros mandados encadernar
268
Livros em mau estado de conservação
233
Livros, de obras incompletas
37
Livros inutilizados
172
Livros comprados pelo Govêrno do Estado
681
Chefiava a seção Júlio Nogueira, que também militava na imprensa e, ainda .exercia o magistério, lecionando Filologia e Lingüistíca. O registro da freqüência à Biblioteca dava a média de 1 leitor por dia!...
As luzes de esperança que se abriram para a humanidade, naquela rósea primeira madrugada do Século XX, tiveram também os saudares cheios de anelos de uma população heterogênea que se agitava, em sonhos de fortuna, pelas ruas de uma cidade próspera e feliz. Manaus ingressava na centúria nova com um lastro auspicioso de recursos que lhe animavam as vivas aspirações a um grande centro civilizado e lhe robusteciam a confiança no futuro, com base na cobiça mundial pelas imensas riquezas naturais que a Amazônia entesourava. Era a namorada dos mercados europeus e norte-americanos, que lhe mandavam as sêdas, as jóias, os perfumes, os cosméticos, os licores, a cultura e os motivos de enlêvo espiritual, e lhe hauriam a seiva moça e ubertosa, que estuava no látex, nas resinas e nos frutos de suas árvores, na essência de suas plantas silvestres, nos veios ricos de suas terras dadivosas e nos mistérios de sua natureza exuberante em desafio às investigações da ciência. Modernizada, alindada, desejada e requestada por homens de tôdas as raças, endeusada com o tinir das esterlinas, dos francos, dos dólares, das liras e dos réis fortes, tendo a seus pés as seduções da Wall Street e da “City” londrina, — sentia-se, Manaus, com segura confiança nas suas possibilidades econômicas e com fortes razões para acreditar num porvir auspicioso. Deveras, o Século XX viera encontrar a capital da borracha em plena florescência, dotada de muitos recursos então modernos da civilização: ruas principais calçadas com paralelepípedos e com tijolos de asfalto; jardins e parques sombrios com belos chafarizes e coretos ornamentais; pontes monumentais, mercado de ferro trabalhado com o mais fino gôsto; imponentes palacetes residenciais; luz elétrica abundante, com os seus arcos voltaicos poderosos ao centro e nas esquinas das avenidas; bondes elétricos novos e elegantes correndo as artérias, rumorosos; telégrafo, telefone, esgotos e o início das obras de um cais flutuante que iria ser considerado obra-prima da Engenharia. Corria fartura de dinheiro, havia abundância, as safras eram milagrosas. Cêrca de oito milhões de quilos de borracha, ao preço de treze mil réis, haviam carregado, nesse ano, os barcos estrangeiros. Para uma receita orçada em quinze mil contos de réis, o Estado arrecadava quantia superior a vinte e cinco mil. Cento e dois vapores estrangeiros e novecentos e trinta e dois nacionais tinham ancorado no pôrto, durante o ano de 1899, conduzindo sessenta e sete mil passageiros para Manaus; e, no mesmo período, os vinte hotéis da cidade hospedaram perto de cinco mil forasteiros, dos quais dois mil e quatrocentos estrangeiros: 1.035 portuguêses, 289 espanhóis, 219 italianos, 140 franceses, 93 russos, 64 ingleses, 63 alemães, 54 austríacos e mais de outras nacionalidades. As casas comerciais anunciavam nos jornais venda de libras esterlinas ao câmbio de sete mil réis. A praça era fartamente suprida de mercadorias e as casas de negócio porfiavam em anunciar os mais finos sortimentos: Arenques de Norton, polvos e enguias, amêijoas, lagostas americanas, espargos franceses, leite pasteurizado na Holanda cerveja alemã, uvas italianas, a champanha e os delicados vinhos de França.
Aquêle traspassar de século, saudava-o, a deliriosa Manaus, com a opulência de seus dias. Deslumbrantes fogos de artifício, mandados vir da romântica Veneza, inundavam de chispas coloríficas a grande noite amazonense, da Praça dos Remédios, em ação de graças à Santissima Virgem. As sereias dos paquetes “Rio Pardo”, “Continente”, “Conde d’Eu”, surtos no pôrto, em orgias de luzes, ensurdeciam a cidade nos saudares estridentes. Abriam-se, em tôda a sua imponência, as luzes régias do Teatro Amazonas para o espetáculo de gala da Grande Companhia Italiana de Operas e Operetas, constituída de noventa e uma figuras, com a famosa prima-dona Teresina Cappelli. Dominando a Praça General Osório, o Circo Lusitano exibia os seus acrobatas, os seus palhaços, as suas deusas do picadeiro, para uma alegre multidão em festas. O Grupo Ciclista Amazonense inaugurava o seu velódromo; o Club União Marítima empossava o tenente Lecoq d’Oliveira em sua presidência, sob a vibrante saudação de um. moço ilustre: Péricles Moraes; um português idealista, amigo dos livros e da Cultura — Luís Rodrigues — fundava, com outros, o Gabinete Português de Leitura; as atrizes Aurélia Santos e Cândida Palácios faziam estremecer o Éden-Teatro; decorria, magnificente e luxuoso, aos estouros da champanha “Veuve Clicquot”, o réveillon do Club Internacional, onde as quadrilhas, as valsas e as polcas uniam os pares elegantes da cidade, no rigor do “carnet” e do “cotilion”. Manaus flutuava no deslumbramento de sua doirada ventura.
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Para a Biblioteca Pública, o Século XX trouxera também uma esperança nova. Viera, esta, no dia terceiro, pelo decreto 375-B, de 3 de janeiro de 1900, que a desanexava da Repartição de Estatística e a constituía, novamente, em Diretoria autônoma. Governava o Estado, desde abril de 1898, o coronel José Cardoso Ramalho Júnior, Vice-Governador, que assumira o exercício em razão de uma licença de viagem à Europa concedida ao Governador Fileto Pires e conseqüentemente, de um ato de renúncia forjado na ausência do titular eleito, que contra o mesmo protestara, dando-o como apócrifo, perante os altos poderes da Nação, tudo, porém, baldadamente. Conduzindo dêsse modo, até o fim, o quatriênio governativo, Ramalho Júnior teve cuidados com a Biblioteca. No melhor propósito de situá-la em posição de prestígio e dar-lhe os meios de eficiência para o desempenho de suas finalidades, dirigiu-se ao Congresso dos Representantes, a êste indicando as necessidades de uma reforma, ao mesmo tempo que expunha seu pensamento sôbre o valor de uma Biblioteca: — “A Bibliotheca Pública precisa de reforma começando esta por ser desligada a sua administração — da Estatística, com a qual nenhuma relação de dependencia logica possue. Não é appropriado o edificio em que funciona, o local não é dos melhores para lhe attrahir leitores. Além d’isso, precisa de uma regulamentação diversa, de abrir a horas differentes, especialmente á noite, em que muitos, a quem o trabalho priva da Leitura durante o dia, a podem frequentar. As bibliothecas públicas não são feitas para os ricos, unicos que podem dispôr de todo o seu tempo: ellas miram os sabios, os estudiosos, os pobres, todos aquelles que não possuem os recursos precisos para terem em casa os livros de que necessitam. Nas primeiras horas da noite, o operario que terminar a tarefa do dia, o empregado de commercio cujo estabelecimento se fechou, o funcionario público que se acha liberto da faina da repartição, o professor que não mais é reclamado pelas lides da aula, poderão frequentar a Bibhotheca, entregar o espirito a uma leitura que, não só os instrua, como os suavise das agruras do trabalho quotidiano. Uma das maiores causas do desenvolvimento da União Norte-Americana está no grande numero de bibliothecas que alli existem: não ha povoado, por menor que seja,. que não tenha a sua, onde, as classes laboriosas vão beber a instrucção na leitura que realisam. Isto explica como um individuo que começou a vida feito operario, ao cabo de alguns anos desempenha funcção superior: a leitura .a que se entregou fé-lo amar a arte e a sciencia e d’ahi a nova orientação que deu á sua existencia. Aproveitemos esta licção e façamos o possivel para que a Bibliotheca Pública derrame seus beneficios entre nós”. Veio, então a lei 254, de 9 de agôsto de 1899, concedendo ao governador Ramalho. autorização para reorganizar a Biblioteca. Essa. lei ditava as bases da reorganização: desligamento da Repartição de, Estatística; instalação em edifício construído especialmente para êsse, fim e “com tôdas as precisas condições para ser colocada (a Biblioteca) ;ao nível das melhores do Brasil”; quadro do pessoal constituído de: 1 Diretor; 1 Sub-Diretos, 5 Amanuenses, 1 Porteiro, 1 Continuo, 4 Serventes; aproveitamento dos livros que estivessem ainda em estado de ser manuseados e aquisição de novos “em quantidade e qualidades bastantes para ampliar as colleções”; estabelecimento de uma secção. de manuscritos e mapas sôbre a História e a Geografia do Amazonas;: organização de um catálogo, sistemático; publicação do “Anuário da Biblioteca” e de. memórias e monografias de estudos amazonenses; de autôres idôneos e . capazes, subordinadas, ao título “Publicação da Biblioteca; Pública do Amazonas”. Plano alto êsse, uma vez executado, por si só, faria dar pomos. doirados à administração Ramalho Júnior. Era, êste, um politico, evoluído e de ideais elevados. Amazonense de boa fíbra, austero e leal em suas atitudes, alimentava sonhos de grandeza no progresso de sua terra e de seu povo. Seu patriotismo viril manteve o Acre integrado no mapa do Brasil, em reação a tratados e convenções diplomáticos. Morrera pobre, já octogenário, mas sempre altivo, com a memória viva das boas peças pregadas ao Itamarati, na rumorosa questão do Acre, em favor dos patriotas brasileiros rebelados. Ramalho Júnior alimentava sonhos opulentos com a Biblioteca Pública de sua terra; queria-a completa, imponente, modelar, como as que vira e freqüentara em suas várias estadas nas capitais européias. A lei de reorganização, êle próprio a solicitara ao Congresso, com muito do seu empenho pessoal, reivindicação do seu amazonismo construtivo. De posse da autorização legislativa, logo no seu primeiro expediente do Século XX, a 3 de janeiro, baixou o decreto 375-B, executório das primeiras providências. Escolheu um moço culto e diligente para dirigir a Biblioteca: Raul de Azevedo; e, a 17 do mesmo mês, por outro decreto, abria o crédito extraordinário de seiscentos e quinze contos de réis “para acquisição do prédio onde tem de funcionar a Bibliotheca Pública do Estado, compra de moveis e utencílios para a mesma”. Dias depois, a 10 de fevereiro, um outro decreto era baixado: o de n° 398, aprovando o regulamento da Diretoria da Biblioteca Pública, e abrindo o crédito, no orçamento vigente, de cento e dezenove contos e quatrocentos e quarenta mil réis “para o seu aparelhamento”. Com tais recursos (direção própria, pessoal suficiente, regulamentação sábia, verbas opulentas para aparelhamento e aquisição de prédio próprio, apôio do chefe do Executivo), muito se faria pelo reerguxmento da Bibliotéca. Mas, nada fôra feito. Ao findar o govêrno Ramalho Júnior, em julho de 1900, seu Secretário de Estado, Francisco Públio Ribeiro Bittencourt,. dizia isto, em relatório, da Biblioteca: “...ainda não foi installada, porque destino ao seu funccionamento o pavimento terreo do edificio da Secretaria a meu cargo e que ainda está occupado pela Repartição postal”. Mais adiante: “A nossa Bibliotheca, não ha negar, está abatida”. E ainda mais: “Do que foi a Bibliotheca de Manáos, só resta hoje um simúlacro”. Em seu quatriênio de govêrno (1900-04), Silvério Nery manteve a organização da lei 254, dada pelo seu antecessor Ramalho Júnior. Mas, a Biblioteca, embora repartição isolada, continuava na séde da Repartição de Estatística, à Rua do Progresso, com todo o seu aparatoso quadro de pessoal e seus poucos e maltratados livros. Em julho de 1902, em mensagem ao Legislativo, o governador Nery dava esta desoladora notícia da Biblioteca: “Sinto dizer-vos que é lastimável o estado em que se encontra este outrora florescente estabelecimento. O vandalismo politico e o pouco caso de passadas administrações saltearam a Bibliotheca do Amazonas furtando-se umas obras, truncando-se outras, baralhando-se todas”. Ao governador Antônio Constantino Nery coube dar morada definitiva à Biblioteca, para ela construindo o suntuoso edifício em que hoje se encontra. Assumindo o Govêrno amazonense em julho de 1904, logo em outubro do mesmo ano extinguiu a Diretoria e mandou anexar a Biblioteca, como secção, à Diretoria de Estatística, Arquivo e Biblioteca, dando à repartição novo regulamento. Determinou, a seguir, a mudança da Biblioteca da Rua do Progresso para a Avenida Eduardo Ribeiro, prédio que hoje tem o número 453 e se encontra totalmente reformado. Essa nova transferência dos livros foi procedida por uma comissão nomeada pelo governador, a qual se desincumbiu da tarefa, apresentando um relatório em que se pronunciava sôbre o mau estado dos livros.
Dando conta dessas providências, narra o governador Constantino Nery, em sua mensagem de 10 de junho de 1905, ao Congresso dos Representantes: “Em razão da deficiência das obras, muitas das quais acham-se truncadas, e da falta de um edificio apropriado, eram nullos os serviços ultimamente prestados. A isso attendendo, auctorizei a annexação provisoria desta instituição à Repartição de Estatística, até que seja determinada a construção do edifício, que já foi iniciada no terreno de propriedade do Estado, situado entre as ruas Municipal, Barroso e Henrique Martins, obedecendo em seu plano as exigências do objectivo”. E mais adiante, no capitulo Obras Públicas: “A Bibliotheca Pública não tem uma installação conveniente, por falta de prédio que lhe seja adequado. De accordo com os poderes que me concedestes, já dei inicio á construcção de um edifício a ella destinado, em o terreno situado ao lado da Imprensa Official”. Na lei de meios para 1906, foi consignada a verba de duzentos contos de réis sob a rubrica “Construcção da Bibliotheca”, dotação essa novamente atribuída, com igual importância, no orçamento de 1907. Constantino ativava a construção do edifício com um entusiasmo notório. Em sua mensagem de 10 de julho de 1906, assim se referia: “Entre as obras em andamento e em vias de conclusão, conta-se a Bibliotheca, um dos nossos mais importantes edificios, oue, a par de sua belleza architectonica, reune as melhores condições de solidez, e, adeantada como está, aguardando a cobertura metallica, é provavel que seja concluida antes de terminar o corrente anno”. Não conseguira, entretanto, levar a têrmo as obras, nesse ano, conforme esperava, pois, tia mensagem de 10 de julho de 1907, assim se explicava: “A Bibliotheca é que maiores deffeitos mostra, devidos unicamente a se achar mal installada. Este estado de cousas porem tende a desapparecer quando se effectuar a sua transladação para o predio Que se está construindo á Rua Barroso, edificio apropriado, adrede dividido para o perfeito funcionamento”. Para enriquecer as depauperadas coleções da Biblioteca, adquirira o governador a biblioteca particular do dr. Fernando Castro, constituída de 2.606 volumes “de obras rarissimas , que ficaram aguardando, com as demais, no depósito à Avenida Eduardo Ribeiro, a instalação no novo edifício. Ao escritor Alberto Rangel, comprara também, o Estado, uma coleção de livros constituída de 768 volumes, que foram imediatamente entregues ao bibliotecário Manuel Dias Barroso. Mas, não tivera Constantino a satisfacão de instalar a Biblioteca no edificio que para ela mandara construir. Em novembro de 1907 deixou o Govêrno, licenciado por motivo de doença, e embarcou para a Europa, renunciando depois o mandato. Assumiu a chefia do executivo o coronel Afonso de Carvalho, que se achava na presidência do Congresso. Êste, que transmitira o poder, em julho do ano seguinte, ao novo governador eleito, Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, também não o fêz, limitando-se a proceder, no novo prédio, sòmente a instalação do Arquivo e da Estatística, e isto no andar térreo, “visto como — afirma êle em mensagem de 10 de julho de 1908 — não está de todo concluido o andar superior”. E acrescenta: “Infelizmente não me foi possivel fazer outro tanto com a Bibliotheca, não só á falta de espaço adequado no novo edifício, como porque a sua installação importaria em despezas que não me era dado fazer”. Continuou, assim, a Biblioteca, por mais dois anos, na Avenida Eduardo Ribeiro, aguardando a que seria a última de suas mudanças.
“Não se comprehende uma cidade de algum vulto e de desenvolvimento moral, intellectual e physico notavel, sem a sua fonte de consultas exposta á visitação publica. A Bibliotheca é, em toda a parte, o grande manancial franquíado aos espíritos ávidos de conhecimentos”, — êsse o conceito de biblioteca, apôsto em documento oficial, do reto e austero amazonense que ascendeu ao poder a 23 de julho de 1908: o coronel Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt. “Caracter perseverante e insubmisso, homem digno e bom, gosando de uma justa fama de rectidão, chefe de família exemplarissimo, indole modesta, simples e affavel, espirito prudente e avisado, conhecendo a fundo o meio em que vive e o mérito de cada um, — o novo chefe do Estado poderá fazer renascer a idade de ouro do Amazonas, saneando-lhe, primeiro que tudo, a atmosphera moral e, em seguida, reparando-lhe as forças perdidas, e equilibrando-lhe a vida econômica, injectando-lhe sangue ao organismo depauperado, restaurando-lhe o credito exhausto e restabelecendo o imperio da lei e da justiça em toda a plenitude dos direitos do cidadão e da segurança de vida e de propriedade” — eis o retrato moral do homem e, mais que isso, as esperanças que carreava para o poder, segundo um desafôgo do “Jornal do Comércio” de 23 de julho de 1908, órgão que tinha no comando de sua austera Unha de conduta a figura impoluta e a consciência reta de um dos mais cultos e mais criteriosos jornalistas que honraram a imprensa amazonense: Vicente Tôrres da Silva Reis. Era que o Estado do Amazonas definhava num clima angustioso. Debilitado em suas rendas, empenhado com obras suntuárias por concluir, atingido na sua autonomia, olvidada pelos poderes centrais, assim se debatia nos meandros de calamitosa crise financeira. Sufocavam-no os prejuízos decorrentes da recente desanexação do Acre, pela União. Campeava o contrabando dos produtos estaduais dos altos rios, como oriundos do território desanexado. A arrecadação, que chegara a atingir vinte e cinco mil contos de réis, caíra para onze mil. E, como a coroar tão amarga situação, os desoladores efeitos da intensa e enorme crise que, desde o ano anterior, vinha convulsionando as grandes praças européias e da América do Norte, resultando no fechamento de avultado número de fábricas e na paralização do trabalho ao lado dos estoques de borracha ali existentes. “Os efeitos dessa crise, — comentava na época o Inspetor do Tesouro, Círilo Leopoldo da Silva Neves — que actualmente se desenrola nas grandes praças do estrangeiro, produzindo um desequilibrio economico cujos desastrosos effeitos ainda não se podem prever, vieram repercutir intensamente no nossa mercado, desvalorisando o nosso principal producto, do qual o Estado aufere cerca de 90% de suas rendas”.
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Logo no seu primeiro ano de govêrno, a braços com tão calamitoso estado de coisas, — comprimindo despesas, corrigindo abusos, arrecadando sòmente para pagar juros de empréstimos, vencimentos, fornecimentos, subvenções e contas, tudo em atrazo, — o governador Antônio Bittencourt revelou os seus Cuidados com a Biblioteca. O edifício em construção, à Rua Barroso, estava com as obras de acabamento paralizadas, por falta de recursos. Mandou atender às mais prementes, dispondo dos parcos níqueis que lhe sobravam dos pagamentos de contas. Nomeou, a seguir, uma comissão para catalogar os livros da Biblioteca, sob a presidência de Manuel Francisco da Cunha Júnior; e, pela lei 573, de 15 de setembro de 1908, deu nova organização ao agrupamento de repartições a que se achava ela integrada. Por essa lei, ficaram Estatística, Biblioteca, Imprensa Oficial e Numismática subordinadas a uma Diretoria. Seu regulamento, baixado com o decreto 884, de 22 de outubro do mesmo ano, constituía Biblioteca e Numismática uma seção, a cargo de um Bibliotecário, um Porteiro e um Servente. Justificando essas primeiras providências, Antônio Bittencourt assim se referia, em mensagem ao Congresso: “A Biblioteca é, em toda parte, o grande manancial franqueado aos espíritos ávidos de conhecimentos. Aqui. por muito tempo, de portas abertas, que não davam entrada senão aos respectivos serventuarios, deixou de corresponder a tão altos fins. Nesse abandono desolador, obras importantes e raras desappareceram, sob a acção damninha dos insectos, e outras foram inutilisadas pela perversidade humana, que a desfalcou de alguns volumes. O aceno da Bibliotheca, que constava de mais de uma dezena de mil obras, ficou por essa fórma reduzido a 6.311. Sei o valor que alli está representado e tambem que se não comprehende uma cidade de algum vulto e de desenvolvimento moral, intellectual e physico notavel, sem a sua fonte de consultas exposta á visitação publica. Trabalho por esse desideratum e, apezar de todos os inconvenientes, que apontei, o que resta da antiga Bibliotheca, organisada como está sendo por uma comissão de homens competentes, póde, com vantagem para o público, ser franqueada á consulta e ao estudo. Embora não tenhamos estantes apropriadas, nem mesas convenientes para o mister da leitura, pretendo em breve reabril-a. E, logo que isso tenha de ser feito, em horas do dia e da noite, é claro que se faz preciso maior numero de empregados. Já dispomos de um edifício proprio para essa installação. É conveniente tambem que tenhamos estantes e mesas, que melhor sirvam ao mister”. Nomeando Bento Aranha para o cargo de Diretor do agrupamento, o governador Antônio Bittencourt confiou-lhe a tarefa de remover a Biblioteca do prédio à Avenida Eduardo Ribeiro e instalá-la no edifício que para ela fôra construído. Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, jornalista, historiador e homem de altivos brios e muita independência, assumiu o cargo a 26 de julho de 1910 e imediatamente providenciou a mudança, do espólio para a Rua Barroso. Era, como êle referira, “um precioso montão de lixo, digno de lástima”, acrescentando: “Encontrei quasi todas as suas velhíssimas estantes arrebentadas, quasi innuteis”. Transportados livros e estantes para o novo edifício, foram procedidos os trabalhos de seleção do material aproveitável, ordenando-se, relacionando-se e colocando-se, em seguida, os livros nas estantes, devidamente catalogados. Essa tarefa de Bento Aranha durou quarenta e um dias e contou com a dediCada colaboração do Bibliotecário Floro Osório Ferreira Pinto, que ali servia desde janeiro de 1900. Foram aproveitadas cêrca de três mil obras, segundo a informação de Floro Osório, ao fim do serviço: “Se acham catalogados nas estantes 1 a 14 actualmente em número de obras catalogadas 2.832 com 6.257 volumes, restando ainda as estantes 15 e 16 que tem em obras encadernadas 936 com 1.358 volumes; existem mais diversas obras em brochuras e outras encadernadas relativas á litteratura, direito, leis, decretos, regulamentos, relatórios, jornaes, revistas, mensagens, annaes, etc.”.
Finalmente, a 5 de setembro de 1910, foi solenemente reinaugurada a Biblioteca, em seu próprio edifício, ocupando o salão térreo que dá para a atual Avenida 7 de Setembro. Ao ato estiveram presentes as principais autoridades no Estado, notadamente o governador Antônio Bittencourt, o vice-governador Sá Peixoto, o presidente do Congresso Legislativo, Antônio Francisco Monteiro e o Inspetor da Região Militar, coronel Joaquim Pantaleão Teles de Queiroz, personalidades estas que, daí a um mês, teriam ação preponderante no episódio da deposição, por alguns dias, do governador Bittencourt e, conseqüentemente, no célebre bombardeio de Manaus. No dia seguinte, estava a Biblioteca de portas abertas, franqueada ao público. Prosseguindo na catalogação dos livros restantes, Bento Aranha ia providenciando, entretanto, outras medidas no sentido de tornar a Biblioteca um corpo ativo: participou a sua reinauguração ao Presidente da República, a todos os governos dos Estados, repartições de estatística, bibliotecas federais, estaduais e municipais, instituições culturais, emprêsas editoras, jornais, etc., solicitando remessa de publicações; estabeleceu serviço de permuta de livros, jornais e revistas de outros centros importantes, com o “Diário Oficial” e as duplicatas e publicações oficiais existentes em quantidade na Biblioteca; elaborou um projeto de regulamento e obteve, do Governador, a consignação das verbas de cem contos de réis, nos orçamentos de 1910 e 1911, destinadas a “Mobiliário para a Biblioteca”. “Ufano-me — escreveu êle em sua exposição ao Govêrno do Estado — de ter levantado do cisco desta Repartição, embora ainda em estado de organização, uma Bibliotheca com valiosíssimas e raras obras encyclopedicas e bons livros de autores classicos antigos e modernos, nacionaes e extrangeiros, sobre sciencias, artes e lettras”. Dois mêses depois, em novembro, o plano de reorganização das repartições integrantes do agrupamento, elaborado por Bento Aranha, foi convertido em lei, sob o n.° 647, de 22 dêsse mês. Dividia o grupo em duas diretorias, uma constituída da Imprensa Oficial e, outra, das repartições de Estatística, Arquivo, Biblioteca e Numismática. Bento Aranha prosseguiu o seu trabalho dedicado em completar a organização da Biblioteca, tendo enriquecido o patrimônio bibliográfico com a aquisição da valiosa biblioteca particular do dr. Paes Barreto, constituída de cêrca de dois mil volumes de “bons e bem encadernados livros”. Referindo-se a essa aquisição, escrevia, mais tarde, o beletrista Benjamin Uma: “Entre os livros, em boa hora e em condições relativamente vantajosissimas comprados ao dr. Paes Barreto, além d’uma série preciosa de obras juridicas, em que hombreiam familiarmente com os mais velhos glosadores, os jurisconsultos modernos de mais brilhante renome e mais revolucionária dialectica, figuram varios exemplares que, si não têm aquella “raridade absoluta” de que falam Cailleau e Duelos no seu “Dictionnaire bibliographique historique et critique des livres rares”, possuem de certo a “raridade relativa”, dos livros cuja maioria dosappareceu. Alguns delles são specimens preciosos de afamadas edicões elzevireanas e aldinas. Outros juntam ao merito de sua raridade o prestigio das mãos celebres que os manusearam, como se dá com um exemplar dos commentarios ao codigo justinianeo por Louys Le Caron, o qual pertenceu ao Barão Moerman, notavel polygrapho hollandez do seculo XVI. Outros, finalmente, já de si muito valiosos, têm sua importância accrescida por autographos, annotações, dedicatorias, isto é, inscripções vagas, quasi totalmente delidas pelo tempo, mas de cujo valor considerabilissimo para os bibliomanos se occupou ha bem pouco tempo, em artigo fartamente documentado, Louis Barthou: é o que acontece com um exemplar das “Pandectas Florentinas”, que em todos os seus quatro volumes exhibe a assignatura ainda bem legivel de Eduardo VI da Inglaterra”. Benjamin Lima se estendera nessas apreciações em seu relatório de maio de 1912, ao Governador do Estado, três mêses após ter assumido o cargo de diretor da Repartição, sucedendo a Bento Aranha. Prometia, a seguir, que, dentro de dois ou três mêses, estariam concluídos os dois catálogos, cujo plano organizara e cuja confecção estava pessoalmente dirigindo. E assim explicava o sistema de catalogação que adotara: “Um delles — o catálogo methodico ou racional — apresentará o inventário dos livros componentes da Bibliotheca, agrupados segundo um critério rasoavelmente scientifico, e servirá para elucidar qualquer pessoa a respeito das obras existentes sobre determinada matéria. A organização de um catálogo methodico não importa absolutamente na approximação material das obras affins. Consoante a lição dos melhores tratadistas, a arrumação dos livros deve subordinar-se ao criterio apparentemente grosseiro do tamanho e não ao adoptado para os catálogos scientíficos, já porque assim se aproveitam mais os espaços, e se consegue dar melhor aspecto ás estantes, já porque, no caso de se acharem os livros separados por materia, a aggregação e numeração dos recem-adquiridos se tornam extremamente difficeis, forçando ao emprêgo, sempre embaraçoso e anarchisante, de series. Assim foi que, apezar de haver observado a má impressão recebida por mais de um visitante esclarecido, ao vislumbrar um romance entre um tratado de jurisprudência e uma biblia, não hesitei em conservar os livros na disposiçao que lhes deu o meu antecessor, o que de resto me permittiu, em vez de repetir uma tarefa concluida, dar inicio a outros trabalhos necessários. Para o catalogo alphabetico de autores, em cuja composição, tambem já começada, não encontrarei felizmente embaraços da natureza dos creados para o methodico pela difficuldade, muito encarecida por todos os bibliophilos, de classificar certos livros, está adoptado o systema, pratico por excellencia, de cartões livres distribuidos, com as devidas indicações, pelas gavetas de um movel adequado, de conformação semelhante á dos “classeurs”. Em tão árdua quão benemérita tarefa, Benjamin Lima tivera um colaborador dedicado: José Chevalier Carneiro de Almeida, que, funcionário de outra repartição do Estado, fôra mandado servir na Biblioteca, em março dêsse ano, com o fim exclusivo de auxiliar os trabalhos de catalogação. Antônio Bittencourt levara ao fim o seu período de govêrno, deixando a Biblioteca em excelentes condições de organização e com um aceno de mais de 9.000 volumes catalogados. Com êle, se afastara, por sua vez, da chefia da Repartição, o dr. Benjamin Lima, que não chegara a levar a têrmo o seu propósito de estender os serviços da Biblioteca ao andar superior do edifício, onde pretendia também instalar a Diretoria e a Secretaria da Repartição. Em janeiro de 1913, Jônatas Pedrosa assumia o Govêrno do Amazonas e nomeava o dr. Heitor Beltrão para o cargo de Diretor da Repartição de Estatística, Biblioteca, Arquivo e Numismática. Preparava-se êste para executar o plano de Benjamin Lima, em relação ao pavimento superior do edifício, quando, em janeiro de 1914, foi o mesmo ocupado pelo Congresso Estadual, que ali se instalou provisòriamente, até que fôsse construído o prédio próprio destinado ao seu funcionamento. E ali ficou até os dias atuais... Ao governador Jônatas Pedrosa coube elaborar mais uma organização dos departamentos. Deu-se esta com a lei n.° 761, de 7 de outubro de 1914. Arquivo, Biblioteca e Imprensa Pública, Estatística e Numismática voltaram, por ela, a constituir uma Repartição, desta vez sob a denominação de Diretoria do Arquivo, Biblioteca e Imprensa Pública. Para dirigi-la fôra nomeado o bacharel José Duarte Sobrinho, ficando José Chevalier Carneiro de Almeida efetivado na chefia da Biblioteca Pública.
Nos dias atuais, é o Bibliotecário um especialista. Por formação profissional, está preparado para o exato desempenho de uma relevante missão, tal é a de bem servir a Inteligência, como guia objetivo nos caminhos da cultura, em tarefas das mais úteis para a sociedade. Para tanto, através de cursos regulares de nível universitário, recebe uma especialização completa, adquirindo conhecimentos de catalogação e classificação de livros, de bibliografia e obras de referência, de organização e administração de Bibliotecas, bem como se ilustra em História do Livro e das Bibliotecas: Freqüenta, ainda, cursos extracurriculares, nos quais estuda especializações várias, dentro da ciência biblioteconômica. Equipado, por êsse meio, de conhecimentos especiais, — organizador e administrador de Bibliotecas, catalogador e classificador de livros, orientador bibliográfico — é, hoje em dia, o Bibliotecário, um completo profissional. Isto, porém, não ocorria com o Bibliotecário do passado. Se não sempre, mas, pelo menos em têrmos gerais, era êste um valor intelectual, mas lhe faltava preparo profissional. Via de regra erudito, possuindo conhecimentos de linguas, cultura humanística e sendo, muitos dêles, autodidatas de estudos bibliográficos, históricos, filológicos e literários, e, outros, grandes prosadores e poetas, — dignificavam a profissão. Mas, quanto ao ângulo relacionado com a serventia pública, era precário. O Bibliotecário antigo, mesmo entre os mais eruditos, não dispunha de conhecimentos profissionais que lhe permitissem organizar e catalogar a sua Biblioteca, de modo a poder responder rápida e completamente às consultas que lhe eram dirigidas. A rigor, êle era um Bibliotecário de utilidade quase que para si próprio, evidenciando-se como uma peça, entre muitas da maquina social de seu tempo, máquina essa que não se mona, como hoje se dá com o desenvolvimento dos serviços ditos sociais, no sentido de servir à coletividade, em cujo seio a Biblioteca tem hoje função de relêvo. Êstes conceitos, emitidos em tais ou parecidas palavras, figuram na tese “O Perfeito Bibliotecário”, apresentada pelo professor de Biblioteconomia Xavier Placer, no Primeiro Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, realizado na cidade do Recife, em julho de 1954. Placer desenvolve o seu trabalho, estabelecendo um confronto entre o Bibliotecário antigo, o Bibliotecário moderno e o Bibliotecário perfeito, para, ao final, fixar as suas considerações sôbre o tipo ideal dêste último: “Deverá ser então um sábio? Não se exige tanto. Basta que seja uma inteligência ilustrada, bem informada, um erudito, importando apenas, neste particular, que tenha exata consciência do caráter extensivo de seus conhecimentos, em oposição aos que os possuem em profundidade. Para isto: para não se tomar um pedante. Evidentemente, é uma posição mental de humildade que se pede. Mas, esta humildade nada tem de humilhante. Primeiro, porque ela será consciente; segundo, porque a causa final a que serve é a mais nobre possível: o Saber. Não é isto mesmo que está sintetizado, com latina elegância, na frase escrita no livro aberto, que é o símbolo do Bibliotecário, chamando-o: “SERVUS SERVORUM SCIENTIAE?”
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Na Biblioteca Pública do Amazonas, José Chevalier Carneiro de Almeida foi o primeiro Bibliotecário que exerceu o cargo com exata, noção de sua importância no seio da comunidade. Nêle permaneceu tirante mais de vinte anos, operoso e eficiente, revelando-se o mais dedicado e o mais erudito dos bibliotecários que por ali passaram. Dera ao desempenho da função a austereza de um sacerdócio, mantendo sempre acesa uma envolvente paixão pela bibliofilia. Sua longa permanência na chefia da Biblioteca, — guardião severo de seus livros, zelosissimo na conservação dêstes, — fé-la atravessar os anos em perfeita correspondência com a sua finalidade educativa, muito embora sempre em luta com a exigüidade das dotações orçamentárias e a indiferença dos governos aos seus freqüentes apelos. José Chevalier representa uma autêntica transição do Bibliotecário antigo para o Bibliotecário moderno. Tinha o valor cultural daquele e a consciência profissional dêste, embora não perfeitamente dotado dos conhecimentos especializados que só mais tarde a instituição de cursos regulares passaria a difundir, no Brasil. Bibliotecário, guia e educador, transformou a Biblioteca a seu cargo em um organismo ativo, dando circulação aos livros, determinando obras de referência e permitindo real aproveitamento aos estudiosos. Fazia dos livros uma Biblioteca para o público e, dêste, leitores para a Biblioteca “Sempre foi meu cuidado — expunha ao Governador do Estado — não considerar a Biblioteca Pública um cárcere de livros, empenhando o melhor dos meus esforços a fim de que me não seja lançada a pecha, glosada por Voltaire ao se referir a Bibliotecários que consideram os livros entidade sagradas, veneráveis dentro das estantes: “Sacrés lis sont, car personne n’y touche”. Logo após assumir o cargo, em fins de 1914, o Bibliotecário José Chevalier tratou inicialmente dos catálogos. Tinha colaborado ativamente nos trabalhos realizados por Benjamin Lima, em 1912, e se achava assenhoreado do serviço, com um perfeito conhecimento do acervo bibliográfico que era entregue à sua direção. Entretanto, ao que se deduz, não lhe satisfazia o processo de catalogação adotado por Benjamin Lima, nem a disposição dada aos livros, nas estantes, por Bento Aranha. Procurou, entre os vários sistemas conhecidos e em uso nas boas bibliotecas européias, um que já tivesse dado provas de eficiência. Recorreu, então, ao sistema Brown (James Duff Brown), por êste introduzido na Clerkemwell Library, de Londres, sistema êsse que determinava a classificação bibliográfica por assuntos, com o uso de decimais, indubitàvelmente uma adaptação dos de Francis Bacon e W. T. Harris, que também serviram de base a Dewey, na sua classificação decimal. A medida que progredia nos trabalhos do catálogo, José Chevaller ia providenciando a sua publicação, em pequenas partes, quase diàriamente, no “Diário Oficial”, o que compreendia uma divulgação das obras existentes, já catalogadas. E isso, sem descurar das demais obrigações também de natureza biblioteconômica: ampliava a área destinada aos leitores; estimulava a freqüência de consulentes, por meio de publicações nos jornais e o prolongamento dos horários de franquia; auxiliava os leitores em suas pesquisas; e mantinha ativa correspondência com instituições científicas e literárias, emprêsas editoras, solicitando remessa de publicações. Seus relatórios ao Govêrno reclamavam sempre melhores atenções com a Biblioteca, pedindo recursos para aquisição de livros e de estantes, aumento do pessoal e outras necessidades mais. Logo no seu primeiro ano de administração (1914-1915) conseguiu uma freqüência diária em média de 33,9 leitores, média essa que, em 1918 era já de 46,3. A 14 de junho de 1916, pelo decreto n.° 1.160, foi dado novo regulamento à Biblioteca, servindo-se para isso, o Govêrno estadual, de um trabalho elaborado por José Chevalier. Dos esforços que êste ia desenvolvendo, diz bem um tópico da mensagem de 10 de julho de 1916, do governador Jônatas Pedrosa, em referência à Biblioteca: “Continua dirigida pelo illustrissimo senhor dr. José Chevalier a quem sobram competência e decidida vontade para melhorar esse estabelecimento”.
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Um bahiano ilustre, de aguda e humana compreensão do trato da administração pública, — o médico Pedro de Alcântara Bacelar — assumiu o Govêrno do Estado a 1.° de janeiro de 1917 e soube levar a têrmo uma gestão que se emoldurou de fundamentais realizações no campo das letras, das artes e das ciências, nela desabrochando, em florações magníficas, as atividades da Biblioteca Pública do Amazonas. Logo no seu primeiro ano de govêrno, duas luzes de viva rutilação cintilaram no céu da intelectualidade amazonense, já de si constelado por muitos fúlgidos espíritos: o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e a Sociedade Amazonense de Homens de Letras, mais tarde Academia Amazonense de Letras. A primeira, que solenizou sua fundação a 25 de março de 1917, em sessão magna levada a efeito no salão nobre da Intendência Municipal, vingara de um movimento que havia muito se robustecia nos propósitos dos aficionados da história regional, entre os quais Bernardo Ramos, Manuel Francisco Machado (Barão do Solimões), Henrique Rubim, Inácio Moerbeck, Antônio Bittencourt, João Batista Faria e Sousa, Achiles Beviláqua, Agnelo Bittencourt, Vivaldo Lima e José Chevalier. A Sociedade Amazonense de Homens de Letras veio alguns meses depois, fortalecida pelo intelectualismo criador de dois eminentes beletristas: Péricles Moraes e Benjainin Lima. A Sociedade teve a sua sessão inaugural a 17 de janeiro de 1918, realizada no salão nobre do pavimento superior da Biblioteca Pública. Seu principal escôpo, devidamente estatuído, era “o cultivo das letras pela ação coletiva ou individual de seus membros”. Integravam-na as eminências literárias da época: Péricles Moraes, Benjamin Lima, Adriano Jorge, Araujo Filho, Heliodoro Balbi, Araujo Lima, Paulo Eleutério, Alvaro Maia, Raul de Azevedo, Carlos Eugênio Chauvin, Otávio Sarmento, Odilon Lima, Jorge de Moraes, Genésio Cavalcante, Jonas da Silva, João Leda, Taumaturgo Vaz, Virgílio Barbosa, Benjamin de Sousa, Nunes Pereira, Raimundo Monteiro, Gaspar Guimarães, Mendonça Lima, Aurélio Pinheiro, Coriolano Durand, Dorval Pôrto, Alcides Bahia, Achiles Beviláqua, Generino Maciel e José Chevalier. Pouco mais de dois anos de brilhante atividade, a 29 de março de 1920, novamente reunida no pavimento superior da Biblioteca Pública (sala de sessões da Assembléia Legislativa), a Sociedade Amazonense de Homens de Letras tomou denominação outra, passando à nossa hoje Academia Amazonense de Letras. Homem de escól era o governador Pedro de Alcântara Bacelar. Dotado de bela formação democrática, educado e culto, probo e harmonioso no trato pessoal das coisas públicas e da sociedade a que presidia com as suas excelsas funções, satisfazia-lhe prestigiar, com o poder que tinha às mãos, as iniciativas culturais no Estado que dirigia. De seu govêrno recebera, ao nascer, o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, apôio ostensivo. Dera o calor oficial de seu estimulo aos fundadores, concitando-os a levarem a têrmo a nobre idéia; presidira à sessão de instalação; mandara editar a Revista, gratuitamente, nas oficinas da Imprensa Pública; e, pelos decretos 1.190 e 1.191, de 10 e 18 de abril de 1917, respectivamente, aprovara os seus estatutos e concedera, em usufruto, ao Instituto, para servirem-lhe de séde, os prédios de propriedade do Estado, sitos à Rua de São Vicente (hoje Rua Bernardo Ramos). Tão ufanosa era a consciência que tinha da importância dessas providências, que, na primeira mensagem enviada ao Congresso, a 10 de julho de 1917, assim se pronunciava: “Instituto Geográphico e Histórico do Amazonas. A 25 de Março do anno corrente, foi fundada em Manáos esta Associação Scientífica, sob os auspicios do Estado, tendo por fins o estudo, discussão, investigação, desenvolvimento e vulgarização da Geographia, da Historia e das sciencias a ellas annexas, nos seus differentes ramos, principios, relações, descobertas, progressos e applicações, reunindo, concatenando, publicando e archivando documentos e trabalhos concernentes ao Brasil e especialmente ao Estado do Amazonas”. E, mais adiante, em austero desafôgo do seu entusiasmo: “O Instituto se impõe pela probidade e conhecimentos de seu corpo administrativo, sendo de esperar que seus trabalhos redundem em altos proveitos que compensarão as despesas feitas para auxilial-o”. A Sociedade Amazonense de Homens de Letras, em seus primeiros dias, não foram menores as mercês deferidas pelo magnânimo Chefe do Estado. Ao ter conhecimento das diligências para a fundação do silogeu amazonense, Bacelar fêz soprar sôbre elas os ventos do apôio oficial, prestigiando o culminante movimento de cultura com as simpatias do seu govêrno. Presidiu-lhe à sessão inaugural, a 17 de janeiro de 1918; mandou editar, nas oficinas da Imprensa Pública, também gratuitamente, a “Revista do Norte”, o órgão de publicidade da Sociedade, que mais tarde passaria à denominação de “Revista da Academia Amazonense de Letras”; e, ainda por meios outros, fêz chegar o seu estímulo pessoal ao movimento dos imortais amazonenses. Em joeirado trabalho publicado na edição de setembro de 1955, da Revista da Academia, intitulado “Benjamin Lima e a Academia”, o laureado escritor Péricles Moraes nos dá uma interessante narrativa daqueles primeiros passos da Sociedade Amazonense de Homens de Letras, com êste trecho que bem expressa o valioso apôio que de Bacelar receberam os fundadores: “Semanas depois, a arrancada da inteligência congregava em sessão ordinária os trinta membros convocados, que a ela compareceram sem exceção de um só. Aclamaram presidente o jornalista Benjamin Lima, que com sua modéstia característica declinou da honraria, transferindo o cetro cobiçado às mãos de Adriano Jorge, cuja eloqüência era uma torrente Luminosa. Assinada pelos presentes a ata de fundação, alguns dias mais tarde, contrariando os máus augurios de maledicência, inaugurava-se solenemente a S. A. H. L., no pavimento superior do edifício da Biblioteca Pública, no salão da Assembléia Legislativa do Estado. Governava o Amazonas, na época, o ilustre bahiano Alcântara Bacelar, que se não descurou da instituição embrionária e, como um proficiente ginecologista, se desvelou por sua viabilidade”. Não só êsses, mas outros sectores da cultura foram alvo das simpatias e dos cuidados de Bacelar. A Universidade de Manaus, com Astrolábio Passos na reitoria, muito prosperou na sua administração. Fundada em 1907, já se completava, orgânicamente, da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, dirigida por Araujo Filho; da Faculdade de Medicina, sob a regência de Araujo Lima; da Faculdade de Engenharia, com Henrique José Moers na direção; e da Faculdade de Ciências e Letras, que tinha como diretor Vicente Teles de Sousa Júnior. A essa instituição de ensino superior assim se referia o Governador, em sua mensagem de 10 de julho de 1917: “O ensino superior do Amazonas é, como sabeis, srs. deputados, ministrado pela Universidade de Manáos, instituição que já por muitos titulas se tornou credora da mais pronunciada sympathia publica e do melhor apoio do Governo. Entre nós, a Universidade representa o mais alto gráo de cultura, não só por ser o nosso mais notavel estabelecimento de ensino, como por incluir no seu illustre corpo docente acatados nomes da Medicina, da Jurisprudência e da Engenharia no Amazonas. São admiraveis os progressos conquistados por esse Instituto, que mantém as melhores relações em todo o mundo culto, onde tem ido a sua revista, portadora dos trabalhos scientificos dos seus proffessores e do movimento dos seus cursos”. A mais longe ia, o ilustre governante amazonense, em seu incentivo aos sodalicios de cultura, tendo em vista “o desenvolvimento intellectual do meio”. Persuadia o Barão do Solimões a dar vivo impulso à Associação de Imprensa, restabelecendo as suas tertúlias literárias, e estimulava os “novos”, que se reuniam no Grêmio Lítero-Cívico Coelho Neto e no Grêmio Literário Artur Azevedo, nos quais enfeitavam as nascentes plumagens Júlio Caboclo, Leopoldo Péres, Francisco Galvão, Vieira de Alencar, Oscar Coelho e muitos outros. A gestão Bacelar decorrera numa época de dificuldades econômicas para o Estado, oriundas da grande guerra européia deflagrada em 1914. O último ano de govêrno fôra pobre em receita: 9.595:000$000. Diminuta era a exportação, em conseqüência da falta de transportes. Rareavam cada vez mais os navios estrangeiros (em 1918, sòmente dois barcos de bandeira estrangeira chegaram até o pôrto de Manaus). A borracha, cotada a menos de 4$000, havia sido superada pela das plantações do Oriente, pois, enquanto ali, em 1916, a produção se elevara a 140.000.000 de quilos, a de tôda a Amazônia, no mesmo período, não chegara aos quarenta milhões. Não obstante, a administração Bacelar ia marcando um período de ordem, de paz e de operosidade, sem ódios e sem perseguições. Houve reforma do ensino público e restabelecimento e criação de escolas e grupos escolares no interior e na capital; equiparou-se o Ginásio Amazonense ao Colégio Pedro II, do Rio; abriu-se a estrada de rodagem da Colônia Campos Sales; e foi adquirido, pela quantia de duzentos contos de réis, o imponente palacete que pertencera ao alemão Waldemar Scholtz, à Rua Municipal, para sede do Govêrno Estadual, sob a denominação de “Palácio Rio Negro". A essa época, a população de Manaus já andava pelos seus 75.000 habitantes (Recenseamento de 1920) e se ufanava de possuir uma elite esclarecida e de gostos requintados, que não só cultivava as letras e amava as artes, em todos os seus fascinantes ângulos, mas, também, penetrava as ciências e acompanhava as conquistas da civilização nas mais importantes capitais do mundo. Seus salões de elegante convívio social respiravam a atmosfera do alto mundanismo e as boas maneiras e o alto sentido de cavalheirismo eram ponto de honra das famílias que o freqüentavam. Apreciado em Manaus, desde 1904, quando fôra introduzido pelo empresário Hervert, o cinema já ia dominando nas preferências da população, através das telas do “Odéon” e do “Politeama”, que exibiam os filmes de grande êxito na época, como o “Gioconda”, libreto de Gabriel D’Annunzio, inter-pretado pela famosa atriz russa Helena Makowska, e o “Stefania”, estrelado pela italiana Gabriela Besanzoni. Por outro lado, proliferavam os clubes esportivos, que, com seus “matchs” renhidos de “foot-ball”, no “ground” da floresta, ou no “field” do Bosque Municipal, já formavam as suas coórtes de torcedores. Eram o Manaus Sporting, o Naval, o Rio Negro, o Nacional, a União Portuguesa, o Satélite, o Amazonas Sporting Club, o Luso, o América, o Monte Cristo, além de outros, filiados todos à Liga Amazonense de Esportes Atléticos. Quanto à imprensa, circulavam o decano “Diário do Amazonas”, o “Jornal do Comércio”, o “Tempo”, a “Imprensa”, a “Folha do Povo”, o “Imparcial” e a revista “Cá e Lá”. No Teatro Amazonas, os últimos dias de 1917 foram sacudidos pelas exibições da formosa e mundialmente famosa transformista italiana Fátima Miris, que arrebatava os aplausos da elegante e culta platéia que tôdas as noites superlotava a majestosa casa de espetáculos.
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Figura de grande expressividade na sua época, intelectual dos mais festejados, poeta, jornalista, educador e homem de sociedade, José Chevalier Carneiro de Almeida participava de tôdas as iniciativas que respiravam inteligência e cultura: fundador do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e da Sociedade de Homens de Letras, mourejava na imprensa e dirigia, ainda, o Instituto Universitário Amazonense, modelar estabelecimento de ensino que tinha as preferências da juventude estudiosa do Amazonas. Em suas atividades de Bibliotecário, pondo a serviço do cargo a sua cultura, a sua dedicação e a sua ciosa paixão pelos livros, recebi; animoso apôio do governador Alcântara Bacelar, que sempre olhava com um carinho todo especial para os progressos da Biblioteca Pública: “A Biblioteca Pública — dizia o Chefe do Executivo em sua mensagem de 10 de julho de 1917 — se encontra em situação elogiavel, mantendo activa correspondencia com os centros bibliotechnicos nacionaes e estrangeiros. Devido aos esforços do Sr. Dr. José Chevalier Carneiro D’Almeida, actual Bibliothecario, está quasi ultimada a publicação do Catalogo, por autores, feita a remodelação pelos assumptos, alphabeticamente, consoante o systema de James Brown, da Bibliotheca Publica de Clerkemwell, de Londres. Resente-se tambem a Bibliotheca da falta de estantes, sendo agradavel mencionar que é consideravel o augmento de frequencia no anno fluente. A sala de leitura foi ampliada, recebendo a Bibliotheca valiosas offertas”. Bacelar não ocultava o interêsse de seu govêrno por tudo que dissesse respeito ao desenvolvimento da Biblioteca. Nunca se furtava a retransmitir os apelos de Chevalier, quanto a verbas para aquisição de livros, para o crescimento das coleções. Em seu pronunciamento de 10 de julho de 1918, perante o Legislativo, referia: “Na Bibliotheca Pública, a frequência de visitantes augmentou extraordinariamente, elevando-se a 13.115 o número d’aquelles. A collecção de livros foi augmentada de 325 volumes, doados por diversas pessoas, instituições e redacções, tendo sido, por ordem d’este Governo, offertados 173 exemplares de obras em duplicata, muitas das quaes servirão de subsidio á elaboração da historia continental da America, geral do Brasil e especial do Amazonas. Solicita o Sr. Dr. Chevalier uma dotação orçamentaria de 5:000$000 para a acquisição de livros, cuja falta é assaz sensivel”. Um ano decorrido, Bacelar já se mostrava orgulhoso da Biblioteca amazonense, de modo que assim se expressava: “Da Biblioteca Pública tenho a dizer-vos que é um dos justos motivos de orgulho do nosso Estado, que se pode gabar de possuir, no genero, uma das melhores livrarias do Paiz, pois, á excepção da Bibliotheca Nacional e comparativamente ás do Pará, Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Espirito-Santo, Rio e São Paulo, nenhuma se avantaja á nossa, quer na instalação, quer na organização interna”. Esse bahiano ilustre, compreensivo e bom, amante do progresso, da ordem, da paz e do mais cordial entendimento entre os homens e os povos, deixou o Govêrno a 1.° de janeiro de 1921. Seus altos propósitos relativamente à Biblioteca Pública, revelou-os, êle, ainda governante, em sua derradeira mensagem ao Congresso: “A Bibliotheca Pública deveria, si as possibilidades economicas do Estado o permittissem, constituir departamento independente e autonomo da Imprensa Pública, com um Director especial, que seria de nomeação e confiança do Governador. Infelizmente assim não pôde ser, pelo menos emquanto perdurar a precariedade da situação actual, sendo, entretanto, este assumpto de todo o ponto de vista digno da esclarecida attenção dos que, como vós, se interessam pelo maior progresso do Amazonas.
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Em 1921, teve efeito outra reorganização da Repartição do Arquivo, Biblioteca e Imprensa Pública, com o decreto n.° 1.418, de 24 de outubro daquele ano, em nada alterando os serviços da Biblioteca, particularmente. Nesse mesmo ano, o governador Rêgo Monteiro dava, da Biblioteca, êste informe ao Legislativo: ...“esse departamento do serviço público tem tido uma frequência que prova a sua utilidade”. Nova reforma dos serviços afetos ao agrupamento das repartições veio a ocorrer em 1925. Deu-se esta com o decreto n.° 16, de 30 de janeiro dêsse ano, visando mais a parte referente à Imprensa Pública. Em março de 1925, o Bibliotecário José Chevalier estabeleceu o expediente noturno. O Salão de Leitura passou, então, a ser franqueado ao público em três horários: das 8 às 11, das 14 às 17 e das 19 às 21 horas. Logo nesse mês, houve um aumento, na freqüência mensal, de 200 leitores. Nos meses seguintes, o registro passou a acusar, regularmente, no horário noturno, a presença de leitores em número superior a 400. Contudo, o número de volumes quase não crescia. Havia muito, o acervo bibliográfico vinha se nutrindo de pequenas doações provindas de particulares e das remessas de jornais, revistas e publicações oficiais, que eram feitas à Biblioteca. Exclusivamente por falta de dotação orçamentária especifica, havia muito não se comprava um livro. As concessões de verbas, com êsse fim, foram sustadas em 1914, quando ocorrera a última consignação, na quantia de 2:000$000. Numa retrospecção a orçamentos anteriores a êsse ano, são sempre encontradas dotações destinadas a aquisição de livros para a Biblioteca, como a seguir fica por alguns demonstrado: em 1911, 8:000$; 1908, 8:000$; 1906, 15:000$; 1901, 15:000$; 1899, 20:000$; 1896, 20:000$; 1884, 5:000$; 1883, (ano da inauguração), 6:000$. A partir de 1914, são incessantes os apelos de Chevalier. As mensagens dos governadores, embora friamente, transmitem êsses apelos ao Legislativo, mas as leis não consignam verba alguma para a compra de livros. O governador Bacelar referia em 1918: “Solicita o sr. Diretor uma dotação orçamentária de 5:000$ para a acquisição de livros, cuja falta é assaz sensivel”; e em 1919: “— é necessário não adiar mais a concessão duma dotação orçamentária, ao menos de dez contos de réis, já pedido o anno passado, afim de empregal-a na acquisição de novas colleções de livros modernos, de sciencia e litteratura, dos quaes se ressente esta secção”. Dizia Rêgo Monteiro, em 1921: “Esse relatório é uma série de increpações contra o poder publico, que sempre se conservou indifferente ás suggestôes do dito Bibliothecário em relação ás medidas destinadas a erguerem os creditos da alludida repartição”. Em 1925, desculpava-se o Interventor Alfredo Sá: “ — As verbas orçamentarias da repartição, exiguas para treis serviços perfeitamente distintos, reunidos num so departamento, como são os do Archivo, Bibiotheca e Imprensa Pública, não permittiram ao meu governo augmentasse o patrimonio da Bibiotheca, adquirindo com frequencia novos livros”. Em 1927, vinte obras foram adquiridas, por autorização do governador, em exercício, Antônio Monteiro de Sousa, que assim se pronunciava, em mensagem solicitando verbas para aquisição de livros: “— A directoria insiste na dotação de meios que a habilitem a adquirir obras modernas, o que é de indiscutível necessidade afim de evitar o quasi estacionamento a que ha alguns annos está relegado o acervo da nossa Bibliotheca, a mercê, como se encontra, de meras doações”. No ano seguinte, o governador Efigênio de Sales autorizou a compra de cêrca de 200 volumes: “Não tendo permittido a situação financeira do Estado verbas orçamentarias para a acquisição de livros novos, destinados a actualizar as suas valiosas collecções, pôde entretanto, o governo, economizando nas verbas de custeio da repartição, adquirir cerca de 200 volumes das obras mais reclamadas, entre as quaes os 65 volumes da notavel encyclopedia “Espasa”, de fama hoje universal”. Em dezembro de 1927, o Bibliotecário José Chevalier foi designado para dirigir a Repartição do Arquivo, Biblioteca e Imprensa Oficial. Antes, porém, ensaiara introduzir, nos serviços de catalogação da Biblioteca, o sistema decimal de Dewey, não logrando, entretanto, realizar mais que simples ordenação para mapas estatísticos. Chevalier voltou, em 1930, ao exercício de seu cargo efetivo de Bibliotecário, e, daí por diante, várias vêzes dêle se ausentara para assumir a direção da Repartição, até 1936, quando se aposentou, retirando-se da vida pública cheio de desenganos e de sonhos fenecidos, por lhe não ter sido possível, dada a constante penúria de recursos materiais, colocar a Biblioteca Pública do Amazonas à altura dos seus anelos, equipada de servidores competentes, engrandecida em seu acervo bibliográfico e em suas instalações, suficientemente organizada para, de modo infalível, desempenhar a missão que verdadeiramente lhe cumpria no aprimoramento cultural do povo amazonense. Fêz muito, não obstante. Fêz tudo o que dependia de sua operosidade, de sua dedicação, de sua consciência de pedagogo emérito, de seu espírito arejado, de seu caráter reto, de sua bem. alicerçada cultura. Bibliotecário, dignificou a profissão, amando os livros, encaminhando os leitores, difundindo no máximo os conhecimentos humanos que, em volumes preciosos, estavam confiados à sua guarda. Bem credenciado está o seu nome para figurar entre os dos grandes precursores da biblioteconomia no Brasil, ao lado de João Saldanha da Gama, Ramiz Galvão, Capistrano de Abreu, João Ribeiro, Manuel Cicero Peregrino e Constâncio Alves, que, em épocas diversas do passado, tanto honraram e dignificaram as funções de Bibliotecário e hoje são reverenciados na admiração e no respeito dos modernos profissionais. José Chevaller Carneiro de Almeida, como quêles, foi um autêntico SERVUS SERVORUM SCIENTIAE.
O surto revolucionário triunfante, que transmudou os rumos da política brasileira, em 1930, encontrou a Biblioteca Pública do Amazonas em fase de débil atividade, com seus 15.000 volumes pràticamente sem consulentes. Durante o ano de 1929, somara em 4.095 o número de pessoas que a tinham visitado (755 consultaram obras literárias e científicas e 3.340 leram jornais, — dizem as estatísticas). O registro de livros paralizara a sua publicação em 1918 e, daí por diante, as obras entradas não haviam sido mais catalogadas. Em 1925, elaborou-se um suplemento do antigo catálogo, mas também não foi além do registro de 266 obras. Os Interventores Federais, que se sucederam no Govêrno do Estado, de outubro de 1930 a fevereiro de 1935, não foram pródigos em cuidados com a Biblioteca, que, assim, à margem das agitações políticas e das reformas administrativas ditadas pelo novo espírito revolucionário, atravessou o quinqüênio entregue ao seu próprio destino, aquietada na mesma situação de lento caminhar em que se vinha conduzindo pelo último decênio da chamada “República Velha”. A um capitão de altivos brios, mãos honradas e enérgico espírito de comandante e governante — Nelson de Melo — coube levar ao fim êsse período de governos discricionários no Estado, entregando o poder ao Governador constitucionalmente investido no cargo, após dezesseis meses de uma gestão que será sempre recordada como autêntico modêlo de moralidade administrativa e absoluta seriedade da função pública. Um dos ângulos de muita luminosidade da gestão Nelson de Melo, foi o em que se alteou o meio cultural. Recrutando expoentes da intelectualidade amazonense para a direção dos setores educacionais, o militar ilustre logo de início deu uma pública demonstração dos propósitos que o animavam, em relação aos valores culturais da terra. Prestigiou a Academia Amazonense de Letras, doando-lhe um teto próprio e proporcionando-lhe elementos para a publicação da Revista; teve gestos de carinho com o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas; e mandou equipar de bons livros a Biblioteca Pública do Amazonas, determinando, ainda, a melhoria de suas instalações, para o confôrto dos leitores. Teve início, assim, na gestão Nelson de Melo, um movimento renovador das atividades da Biblioteca Pública. Deixando êle o Govêrno a 4 de fevereiro de 1935, quando embarcou para a capital do País, a fim de tratar de sua matrícula na Escola Superior de Guerra, a 3 de maio do mesmo ano, o governador constitucional Alvaro Maia assim podia dizer, da Biblioteca Pública, em sua mensagem à Assembléia Legislativa: — “Em relação à população de Manáos, a frequência da Biblioteca Pública apresenta admirável proporção de estudiosos, magnífica média de interessados pelos trabalhos de cultura. Bastante significativo é o número de pessoas que visitaram o nosso salão de leitura pública: 14.091 estudiosos manusearam livros, consultaram obras, extrairam notas. Para o seu patrimônio foram adquiridas as seguintes obras: 38 por compra, 8 por permuta e 40 por doação. Impressos recebidos: 12.616 jornaes e 2.312 revistas nacionaes e estrangeiras. Encadernação: 84 volumes. Sob a denominação de “Estante Tenreiro Aranha” está sendo organizada uma collecção de livros referentes a assumptos amazônicos, que já conta com 204 volumes encadernados”. Com Alvaro Maia no Govêrno, a Biblioteca se firmou num magnífico surto de prosperidade, passando a crescer consideràvelmente os registros de freqüência de leitores, em razão de uma intensa campanha de publicidade feita pelo novo Bibliotecário-Chefe, autor dêstes informes, promovido ao cargo por ato dêsse governante. Assim, em 1939, Alvaro Maia, já interventor Federal desde novembro de 1937, fazia esta referência em uma exposição ao Presidente da República: “Opulentou-se o catálogo da Biblioteca, que é inegávelmente preciosa em livros antigos, com a compra de cento e oito obras modernas, às quais se juntaram sessenta e seis, espontâneamente oferecidas por particulares. Com anteriores aquisições, pode a Biblioteca apresentar agora em seus catálogos trezentas e tres obras de autores contemporâneos sôbre varios assuntos”. Corresponde a essa época o início de um intenso movimento biblioteconômico na capital da República e em São Paulo, no sentido de preparar pessoal técnico para as bibliotecas brasileiras, dando-se a estas novos métodos de organização. Em São Paulo, é criada a Escola de Biblioteconomia, do Departamento de Cultura da Prefeitura, a qual, em 1940, se transforma na Escola de Biblioteconomia anexa à Escola Livre de Sociologia e Política. No Rio, o DASP organiza a carreira de Bibliotecário do serviço público federal e funda um Curso de Biblioteconomia, intensivo, para a formação de bibliotecários especializados. Passa por uma grande reforma o Curso de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional e se organiza, nesta, a Seção de Referência. É criado, pelo Govêrno Federal, o Instituto Nacional do Livro, que institui o serviço de registro das bibliotecas brasileiras e estabelece as instruções para a sua organização. Inaugura-se a Biblioteca Modêlo do DASP, que dá o padrão dos novos métodos de serviço. Turmas de bibliotecários especializados vão se graduando, anualmente, nos cursos do Rio e de São Paulo, passando ao exercício da profissão nas bibliotecas e a estas imprimindo uma orientação nova nos métodos de organização e de classificação bibliográfica, introduzindo os sistemas de referência, os serviços de empréstimo, as exposições de livros, a publicidade, etc., e tomando, enfim, a biblioteca um corpo ativo e eficiente, de necessidade não só para o pesquisador e o leitor diletante, mas também para os serviços de consulta do homem de laboratório, das fábricas, do comércio, dos quartéis, de todos os ângulos, em suma, das atividades sociais. Do entusiasmo pelas realizações promovidas, em todo o País, pelos bibliotecários diplomados, formou-se uma sólida consciência biblioteconômica, unindo a classe por um amplo e sadio ideal: a Biblioteca! Através de uma vasta bibliografia sôbre o assunto, de estudos penetrantes, cursos extensivos, palestras, conferências, publicações de artigos em jornais e revistas, edições de revistas especializadas e de livros, estágios nos grandes centros biblioteconômicos dos Estados Unidos e da Europa, congressos, etc., chegaram os bibliotecários brasileiros aos dias atuais com um opulento aceno de realizações que firmaram a classe, com prestígio e conceito, na consciência cultural do País. No Amazonas, em 1941, sentindo a necessidade de atualizar os serviços da Biblioteca Pública, o Govêrno Estadual designou o seu Bibliotecário-Chefe para fazer o Curso de Biblioteconomia do DASP, a fim de poder entrosar a Biblioteca no ritmo renovador que já se vinha processando em todo o País. No ano de 1943, ocorreu uma reforma: com a criação do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, ficando a êste subordinada a Imprensa Pública, foi extinta a antiga Diretoria do Arquivo, Biblioteca e Imprensa Pública; e, pelo decreto-lei n.° 988, de 31 de março, constituída a Diretoria do Arquivo e Biblioteca Pública. Então, após trinta anos, voltou a Biblioteca amazonense a receber dotações orçamentárias para aquisição de livros, o que nunca mais sofreu interrupção e foi se elevando, até os dias atuais. O Bibliotecário-Chefe, autor dêstes informes, foi nomeado para o cargo de Diretor, com o seguinte quadro de auxiliares, na Biblioteca: 1 Bibliotecário-Chefe; 3 Bibliotecários; 1 datilógrafo. Com essa reorganização dos quadros e dotações de verbas próprias, uma nova orientação foi possível imprimir-se nos serviços da Biblioteca, inaugurando-se outros, inclusive a Biblioteca Infantil. Dos trabalhos realizados no período 1942-44, informava o Diretor, em relatório ao Govêrno: “A secção de literatura infantil é, sem dúvida, a mais frequentada. A Biblioteca dispõe presentemente de 254 volumes de livros para as crianças, destacando-se o “Tesouro da Juventude” e a coleção “Anchieta”. Além dêsses, inúmeras revistas infantis são postas à disposição dos pequenos leitores, aos quais uma bibliotecária, destacada especialmente, presta assistência, orientando-os na leitura, indicando-lhes as obras recreativas e instrutivas”. “Por meio de uma campanha intensiva, os operários estão sendo convocados a frequentar as coleções da Biblioteca. Cartazes pelas usinas e fábricas, publicações nos jornais e no rádio indicam-lhes os caminhos do livro e da leitura, enquanto as coleções da Biblioteca se abastecem de obras de assuntos especializados, de manuais técnicos, interessando tôdas as profissões, tôdas as artes, tôdas as ciências”. “O Serviço de Referência organiza relações de obras de interêsse para esta ou aquela classe, esta ou aquela profissão, e as remete às associações, aos institutos, às escolas, a fim de que todos conheçam os livros de que ela dispõe para seus estudos e consultas”. “Mensalmente, um “Boletim de Informações” e distribuído para os jornais e bibliotecas nacionais e do estrangeiro, dizendo do movimento da Biblioteca Pública do Amazonas, suas reallzações no campo da Bibioteconomia, a frequência nos seus diversos ângulos, a natureza das consultas, os autores mais procurados, as doações, as obras novas entradas, classificadas e catalogadas. O “Boletim de Informações” já mereceu a atenção do Diretor da Biblioteca Modêlo do DASP, que, em carta a esta Diretoria, enviou “sinceras felicitações pelo seu explêndido trabalho na Biblioteca Pública do Amazonas”. Fôra, deveras, extraordinário o aumento da freqüência aos salões de leitura. De junho de 1943 a maio de 1944, a Biblioteca foi freqüentada por 34.500 pessoas, que fizeram 35.856 requisições de obras. Em sua exposição de julho de 1944, ao Presidente da República, o interventor Alvaro Maia assim se manifestou sôbre a Biblioteca: “A Interventoria Federal comissionou o senhor Genesino Braga, Diretor da Biblioteca Pública, para estudar essa especialização no Rio de Janeiro. Os 25.000 volumes da nossa Biblioteca vêm tendo uma grande consulta: de Julho de 1943 a maio de 1944, entraram para as suas estantes 6.982 obras novas; eleva-se a 1.196 o número de livros modernos, adquiridos por compra ou oferta”. “Graças à renovação da Biblioteca, os seus salões de leitura recebem a visita de pessoas de tôdas as classes sociais, desde o estudante primário até o magistrado, desde o aprendiz de artífice até o professor, desde o operário até o militar e o sacerdote. Elevado número de senhoras consultam as obras de enfermagem, artes domésticas, trabalhos de escritórios e literatura em geral”. “A comparação dos quadros atinentes a êste capítulo representa um elogio para o nosso povo, que, dia a dia, aprimora a sua cultura, numa região ainda nova e numa época em que tôdas as atenções convergem para a produção de matérias primas. É interessante o número avultado de estudantes, professores, comerciários, que procuram os salões da Biblioteca”. A partir de 1943, a Biblioteca passou a editar, mensalmente, o seu “Boletim de Informações”, com ampla distribuição em todo o País. O “Boletim” trazia uma resenha mensal das atividades da Biblioteca: dias e horas de franquia; freqüência de leitores e respectivas classificações por sexo, idade e nacionalidade; movimento de consultas e requisições de obras, discriminadas por classes e línguas; autores mais consultados; doações; serviços de referência; número de livros catalogados; aquisição de livros, etc.
Em 1944, registrou-se uma freqüência de 37.038 leitores, que fizeram 89.188 requisições. Foram recebidos, por meios diversos, 856 volumes de livros, 217 de folhetos, 3.036 peças de jornais e 1.876 de revistas. O ano de 1945 encontrou a Biblioteca Pública do Amazonas com um acervo superior a 30.000 volumes de livros.
Sempre sangra e chora o coração da gente, tôda a vez que é memorada a histórica cena confrangente: um céu de teto esfumarado e o fogo a devorar a Biblioteca de Alexandria. Ficam a arder, nas fráguas da tristeza e da paixão que a alma oprimem, as chamas tragadoras dos setecentos mil volumes de manuscritos gregos, hebraicos e egípcios que Calímaco de Cireno e Aristôfanes de Bizâncio com desvêlo e amor catalogaram, para o patrimônio de conhecimentos dos séculos a dentro. No odor queimado dos papiros e dos pergaminhos, não quis haurir, o incendiário Anrú-Ben-El-Assi, na sua cruel insensibilidade, a filtração dos aromas de sabedoria que em fumo o Livro conduziria, por todos os ventos, para a glória dos séculos. Jamais poderia conceber, o lugar-tenente do califa Omar, que aquelas cinzas, aquecidas as termas públicas de Alexandria, ali ficavam com os rescaldos das grandes idéias e dos pensamentos que voltariam a arder, nas idades futuras, iluminando as sombras dos grandes destinos, sob o anátema dos homens e dos deuses. A augusta crepitação daquelas chamas produziria a claridade radiosa que se perpetuada no porvir da genial criação do homem: o Livro! Centelhas lucifúlgures iriam abrir clarões no heroismo silencioso das invenções novas e dos fundamentadores de doutrinas e apostolados. Do fumo dos volumina de papiro e pergaminho sairia a forma do códice; surgiriam os quaterni; multiplicar-se-iam os copistas, na sua hierarquia de servi litteratti; viriam os caligrafos no silêncio dos mosteiros; proliferariam miniaturistas e iluminuristas, no uso encantador do graphium e do minium. Aquelas faúlhas cintilariam nos Van Eick, em suas fórmulas específicas da tinta de impressão; brilhariam em Alberto Pfister e Durero, com a xilografia; e se fariam sol em Mogúncia, na revelação de Guttemberg. O Livro, enfim, na sua presença material, vindo da tipografia com os incunábulos, consolidado na pertinácia de Fust e Schoeffer, aformoseado na arte de Manucchio e no requintado bom gôsto de Plantin, dos Elzeviers, de Baskerville, de Didot. O Livro, enfim, como nô-lo temos, agora, nas prateleiras das estantes, nas Bibliotecas, nos gabinetes, nas escolas, nos conventos, nas fábricas, nos altares, em nossas mãos, deliciando-nos, instruindo-nos, transmitindo-nos idéias e ensinamentos. Excelsa criação do homem, como a êste, fôra-lhe dado, também, possuir um corpo e uma alma O volume é a matéria palpável que cai sôbre o sentido; a alma é o pensamento do autor materializado em Letras. Engendrado pelo desejo, inato em todo o sêr racional, de proclamar seus sentimentos, suas invenções, seus progressos, e transmiti-los aos descendentes, é o Livro a obra mais perfeita do homem. Já dissera Voltaire, nestes ou em semelhantes têrmos: “Todo o mundo civilizado se governa por uns quantos livros: a Biblia, o Alcorão, os Vedas, as obras de Confúcio e de Zoroastro; e a alma, o corpo, a saúde, a liberdade, o movimento, se submetem e dependem daquelas grandes obras; e das de Hipócrates e seus descendentes e dos Códigos civis e penais” É o livro o amigo verdadeiro que nos aguarda, a tôdas as horas, de braços abertos e sem impaciência. Entre as coisas humanas, é sempre o mesmo em essência, presença e potência. Não se esconde, não dissimula, não troca nem embaralha as ideias que contém. Em Chasseveux, no “Catalogus Gloriae Mundi”, encontrou Eurico de Góis esta formosa exortação: “O Livro é a luz do coração, o espêlho do corpo, guia das virtudes, repelidor do vicio. É a coroa dos prudentes, o companheiro de viagem, o amigo caseiro, o entretenedor do enfêrmo. É o colega e conselheiro de quem governa, o cofre de perfumes da eloquência, o pomar cheio de frutos, o vergel esmaltado de flores, o celeiro da memória, a vida da recordação. Quando chamado, atende. Apressa-se em cumprir as ordens recebidas. Está sempre a postos. Jamais recusa complacência. Interrogado, responde logo. Revela o que se acha oculto, esclarece o que se manifesta obscuro, torna certo o que se apresenta confuso. Protege contra a má sorte, regula a prosperidade, aumenta os cabedais, evita os gastos”. Naquela obra notável que intitulou “El Camiño de Paros”, José Henrique Rodó bem houve introduzir êstes perfodos maravilhosos: “Há o Livro que inspira revolução; que orienta e agita as multidões; que debela as tiranias; que denuncia misérias escondidas; que desentranha recônditos tesouros; que aviventa fantasmas e acorda saudades; que levanta sôbre os altares deuses ignotos ou esquecidos. Há o Livro que, sumido, como um gigante em letargo, sob o pó dos séculos, se levanta um dia à luz do sol e, com os golpes de sua dava, abala e faz estremecer o mundo. Há o Livro que prenuncia o porvir — a idéia genetriz do que há de transformar-se em vida humana, em movimento, em côr e em mármore. Há o Livro que caminha a par das civilizações — imortalmente eficaz, mas nunca igual a si mesmo; êsse Livro ao qual se poderia perguntar: “Que sentirão, lendo-te, os homens dos tempos futuros? Que sentirão êles diferentemente de nós, diante do sol-posto ou em face da sublimidade do mar e da montanha?” Há o Livro cujo nome permanece impressivo e atraente como bandeira a tremular nas alturas, quando já poucos restam que lhe guardam a lembrança. Há o Livro que salva um povo do olvido, que lhe defende a independência, que lhe assegura a unidade no tempo e no espaço. O Livro milagroso que multiplica os peixes na rêde do mísero pescador; que acalenta os doces sonhos, igualmente gratos aos príncipes e aos operários, suave, balsâmico elemento, de que não prescinde a própria ordem do universo. Existe, porém, um outro gênero de livros, no qual êsse frágil e maravilhoso instrumento de energia se manifesta pela realidade de sua ação em todos os múltiplos aspectos da vida: é o livro modelador de caracteres, artífice da vontade, criador de santos e de heróis; aquêle que toma, como um bloco de cêra, uma ou mais gerações humanas e, com destreza plasmante, as manipula e modela, entregando-as aos caminhos do mundo, cercadas com o seu sêlo inconfundível e indelevel”. O Livro está ligado; por sua própria etimologia, biblos, bíblia, à Suprema Inteligência. A significação de leitura pacifica no “Alcorão” a predestinação da lei de Mafoma. O “Dom Quíxote” é a expressão sintética e eloqüentíssima de noventa milhões de homens repartidos pelo mundo, retrato fiel de tôdas as ambições, de todos os sonhos e anelos da humanidade, do espírito e do corpo, do sangue e da essência, da justiça e dos desejos nunca satisfeitos do cérebro e do coração do homem, através dos tempos. O Livro é um deus. Assim o exaltou Alexandre da Macedônia1 quando, em momento maior da sua glória, fêz erigir um templo para guardar a “Ilíada”. E há muito de amor religioso no califa Ahmed-Ben-Ali-Cumi, mandando levantar o Mirab de Córdova, como um estôjo para o “Alcorão”. Nas horas boas, nas horas más, nas nossas horas de funda angústia e depressão, não há companheiro melhor do que o Livro: um livro sério que ilumine, como o Evangelho ou a Imitação de Cristo; que dê confôrto e consolação, como os “Pensamentos” de Marco Aurélio ou de Pascal; que convide à reflexão, como o “Elogio da Loucura”, de Erasmo; que elimine mágoas e tristezas e mande sorrir, como o “Gil Blas”, de Lesage, ou a trilogia do “Tartarin”, de Alphonse Daudet. Eis os rolos de fumo cinza que fizeram cobrir o céu de Alexandria, soprados pelos ventos sagrados do Nilo, para a glorificação dos séculos vindouros, em todos os pontos da terra. Os “Pinakes” de Calímaco tiveram os milagres da reprodução, cresceram na multiplicidade dos textos de sabedoria e deram grandeza aos homens e com êstes se altearam, reveladores da Ciência, da Beleza, da Poesia e do Amor.
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Como no céu de Alexandria, no Século 641, o céu de Manaus também se cobriu de grossos rolos de fumo, na madrugada de 22 de agôsto de 1945. Fragoroso incêndio, provindo, ao que se supõe, de uma descarga elétrica no velho quadro de eletricidade existente no andar superior do edifício, onde se achavam, em depósito, os pertences da Assembléia Legislativa, então sem funcionamento, — destruiu por completo todo o patrimônio livresco, móveis e demais utensílios da Biblioteca Pública do Amazonas, que tinha as suas instalações no pavimento térreo, num salão de área idêntica e precisamente por baixo do compartimento sinistrado. Noite tempestuosa, com tôda a intensidade de águas, faiscas e trovões que caracterizam, no Amazonas, as chuvas de agôsto, o fogo pôde progredir à vontade, no salão hermêticamente fechado, só vindo a se fazer denunciar, para o exterior, já quase manhã, quando o soalho de madeira ruiu em labaredas crepitantes sôbre o salão da Biblioteca, no piso inferior.
Dado o alarma, não logrou êste as providências que se esperavam, no sentido da imediata debelação do fogo: não havia água nas bocas do incêndio próximas ao local; e os bombeiros, desapressados, não dispunham do mais primário material para o combate a incêndio de tão vastas proporções. Tôda a Biblioteca foi destruída, não se conseguindo salvar sequer uma página de livro; e tôda a ala direita do majestoso edifício veio ao chão, da cobertura ao soalho do piso inferior e dêste à laje do porão, ficando de pé apenas as grossas paredes laterais, na sua obra de alvenaria, com grandes fendas de alto a baixo. Das esplêndidas coleções de obras, não mais que 60 volumes escaparam ao sinistro; e isso porque se achavam em um “stand” que a direção da Biblioteca organizara, a título de propaganda do livro e da leitura, em uma Exposição-Feira que havia sido inaugurada, dias antes, nos terrenos onde hoje se encontra edificada a sede da Capitania dos Portos. Entre os livros que, pelo motivo exposto, ficaram a salvo do pavoroso sinistro, figuram: um missal manuscrito e iluminado a côres em pergaminho, obra suposta dos copistas do mosteiro de Monte Cassino; e os três tomos do in-fólio de Debret: “Voyage Pittoresque et Historique au Brésil”. Paris. 1934. Firmin Didot Fréres, imprimeurs de L’Institut de France.
A Biblioteca é a fonte de sabedoria onde se dessedenta a cultura de uma nação. A cultura é a vida e a liberdade de um povo. Sem Biblioteca, não há cultura; sem cultura, não há liberdade; sem liberdade, não há vida: — há existência estagnada, desprovida de ideal, de arte, de movimento, de marcha evolutiva, expansão e criação. O livro é a mais forte arma, segura e infalível, que conhece e de que dispõe o homem para tornar-se e manter-se livre. “O livro é o instrumento civilizador por excelência” — já escrevia o erudito Alfred Mêziéres, do Instituto de França. E a Biblioteca é a morada fixa dos livros. Em todos os tempos, valiosíssima tem sido a função da Biblioteca na obra educacional; ao adquirir, porém, a feição ativa que hoje a caracteriza, ainda mais preponderante se tornou a ação que ela desenvolve no seio da sociedade. Como centro de estudos e de pesquisas, como laboratório indispensável a qualquer emprêsa intelectual e como fonte organizada de informações, distende sua influência direta a tôdas as realizações do espírito humano. Onde, com resultados mais positivos, procurar elementos elucidativos para a elaboração de trabalhos científicos, técnicos e literários? Onde, com proveito e justeza, obter informações copiosas sôbre um pais, os costumes, as crenças e os ideais de um povo? Onde, dispondo de material bibliográfico abundante, o industrial e o comerciante, o magistrado e o educador, o artista e o soldado, o operário e o estudante, o agricultor e o homem do mar, o funcionário, o botânico e o geólogo, o historiador, o sociólogo e ficcionista, — onde encontrarem todos êles subsídios sôbre as mais recentes descobertas, os mais completos tratados, as mais corretas instruções para o desempenho cabal e eficiente de suas pesquisas, de seus estudos, de seus trabalhos, de seus empreendimentos e das tarefas profissionais, — onde, senão na Biblioteca, nas coleções gerais ou especializadas que possam oferecer todo o material necessário a êsses estudos, cuidadosa e tècnicamente classificado e catalogado? Uma comunidade sem Biblioteca não subsiste aos ideais de progresso e de expansão cultural de seu povo. Um povo sem Biblioteca, sem o manancial de cultura de seus homens, não pode se conduzir de passo certo na grande marcha da evolução, nem empunhar a auriflama de uma civilização nobre e altruística, impregnada de reflexos de fôrça e de grandeza. “Criar uma Biblioteca numa cidade — dizia Cícero — é dotá-la de alma.
***
Naquela manhã úmida de agôsto de 1945, decorridos setenta e quatro anos, Manaus era novamente uma cidade sem Biblioteca. A importância que a esta já consagrava o povo amazonense, na alta compreensão dos benefícios que dela recebia, ficara positivada naquela onda de dor e de pezar que o sinistro produzira em tôdas as classes laboriosas da cidade. Lamentavam-no os estudiosos, maldiziam-no as velhas famílias de raízes fincadas na tradição da terra. Acusando ou imprecando, maldizendo ou deplorando, um povo inteiro chorava a perda de sua Biblioteca.
Mas, ela ressurgiria. Brotaria novamente, e muito cedo, do recesso daquela massa quente e úmida de cinza, barro, ferro e papéis fumarentos, que constituía os rescaldos do incêndio destruidor. A exemplo da velha fábula da Fênix, o embrião redivivo iria levar, em oferenda, no templo de Heliôpolis, os restos do ancestral incinerado. Então, como que um pacto de honra se estabeleceu, em secreta comunicação, no seio da população amargurada. Ressurgiria a Biblioteca Pública do Amazonas! E ressurgiu! Dois dias anos o incêndio, diretor e funcionários, ainda de coração a sangrar pelo brutal desaparecimento do tesouro que custodíavam, deram início às árduas tarefas da formação do novo acervo. A 23 de agôsto, o Interventor Alvaro Maia baixou o seguinte decreto:
"O Interventor Federal no Estado do Amazonas, atendendo à necessidade de se reinstalar imediatamente a Biblioteca Pública do Amazonas, destruída pelo terivel incêndio de ôntem; e Considerando que uma Biblioteca é sempre fonte perene de sabedoria e educação de um povo e atestado de cultura e grandeza do Estado,
DECRETA:
Art. 1.° — Fica cedido, provisôriamente, à Biblioteca Pública do Estado, a ser reinstalada a 5 de Setembro próximo vindouro, o andar superior do novo prédio do Departamento das Municipalidades. Art. 2.° — Serão incorporadas a essa instituição pública, que visa o benefício das populações de todo o Estado, — as bibliotecas do Colégio Estadual, da Faculdade de Direito, do Departamento Estadual de Estatística, do Juizado Tutelar de Menores, do Departamento de Educação e Cultura e de outras repartições públicas, excluidos os livros técnicos e didáticos indispensáveis aos respectivos serviços de cada uma delas. Art. 3°— As bibliotecas a que se refere o artigo anterior, assim como as que existirem em outras repartições estaduais, serão conduzidas, juntamente com as estantes em que estão organizadas, para o local indicado no art.° 1.°, devendo a Diretoria da Biblioteca Pública providenciar, imediatamente, nesse sentido. Art. 4°— O Govêrno do Estado abrirá, oportunamente, crédito para atender à compra de livros. Art. 5.° — Fica criada e nomeada uma Comissão composta dos Senhores Desembargador André Araujo, Escritores Péricles Morais e João Leda, Professores Agnelo Bittencourt, Vivaldo Uma, Themístocles Pinheiro Gadelha, Júlio Benevides Uchoa e Doutor Djalma da Cunha Batista, para, sob a presidência do diretor efetivo da Biblioteca Pública, orientar e desenvolver um movimento “de restauração daquele patrimônio de cultura do Estado. Art. 6.° — O presente Decreto entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.
Não obstante as determinações do decreto acima, os trabalhos de recomposição da Biblioteca não foram instalados no prédio recém-construído para o Departamento das Municipalidades, à esquina da Avenida Eduardo Ribeiro com a Rua José Clemente. Processaram-se, mesmo, no próprio prédio sinistrado, à Rua Barroso, no pavimento superior da ala esquerda, não atingida pelo fogo. Da mesma forma, das coleções de livros pertencentes às repartições estaduais referidas no decreto, sômente foram entregues, à Biblioteca, as do Departamento de Educação e Cultura e algumas das que completavam as do Departamento Estadual de Estatística e da Diretoria dos Serviços Técnicos, ao todo em número não superior a quatrocentos volumes. Quanto à comissão criada pelo Art. 5.°, nunca se reuniu, nem mesmo para efeito das formalidades de instalação. O acervo inicial da nova Biblioteca ficou constituído: dos 60 volumes que se encontravam na Exposição-Feira; dos 400 volumes acima referidos; e dos 2.500 volumes da biblioteca particular do dr. Alvaro Maia, por êste doados, logo no dia seguinte ao incêndio, para servirem de núcleo inicial do novo acervo. Outras pessoas seguiram o exemplo magnânimo do Chefe do Govêrno, doando livros e coleções de periódicos. Os estudantes da Faculdade de Direito e do Colégio Estadual saíram pelas ruas, de porta em porta, pedindo livros, bem acolhidos, sempre, na benemérita campanha. Era comovedor surpreender, na intimidade dos lares amazonenses, a pessoas de tôdas as idades, rebuscando velhos livros, — livros guardados com carinho ou esquecidos entre as coisas do passado, livros que sepultavam velhas saudades ou recordações de fagueiros momentos bem vividos, livros dos dias alegres da escola, livros integrados na tradição familiar, — e entregá-los aos moços altruístas para a constituição da nova Biblioteca. Cêrca de 2.000 volumes arrecadaram os estudantes, nessa tarefa magnífica, passando-os todos à direção do estabelecimento. E mais, ainda: às ruínas do edifício sinistrado, todos os dias, dezenas de pessoas de tôdas as classes compareciam, sobraçando os livros que tinham em casa, para ofertá-los à Biblioteca. Enquanto essas dádivas generosas iam sendo recebidas, a direção da Biblioteca se comunicava com as entidades oficiais, as bibliotecas, as emprêsas editoras e as instituições bibliográficas do País e do estrangeiro, participando a desoladora ocorrência e encarecendo a remessa de livros para a formação de novo acervo. Tôdas as Bibliotecas brasileiras — da Nacional às mais modestas — atenderam ao apêlo, com as suas duplicatas. O Instituto Nacional do Livro, pela alta compreensão do escritor Augusto Mayer, seu diretor, estabeleceu uma doação de 2.500 volumes; e a American Library Association, de Washington, ofertou cêrca de 900 volumes de obras de autores norte-americanos, correspondentes a um total de mil dólares, quantia arbitrada para a livre escolha dêsses livros, nas editoras dos Estados Unidos. Também do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do Conselho Nacional de Geografia, dos Ministérios do Govêrno da República, do DASP e de outros órgãos do serviço público federal, foram recebidos valiosos donativos em livros. Do estrangeiro vieram os prés-timos amigos, representados em excelentes obras. Entre êstes doadores, figuram o Secretariado Nacional de Propaganda, de Portugal; o British Museum, de Londres; a Library of Congress e a American Library Association, de Washington; a Alliance Française e algumas outras instituições da Bélgica, da Russia, do Uruguai, do Peru, da Colômbia, da República do Salvador, do México e da Argentina. De par com os trabalhos de registro e catalogação dos livros que chegavam, procedia-se a mudança do Arquivo Público, que funcionava no salão do piso inferior, na ala esquerda, para o prédio recém-restaurado, à Praça Pedro II: e se ativavam os serviços de reconstrução da ala direita do edifício da Rua Barroso, destruída pelo fogo. Uma vez dadas por concluídas estas obras, foi iniciada a tarefa de arrumação dos livros nas estantes, passando a Biblioteca a ocupar os dois salões de baixo e o “hall” de entrada. Ai já se encontravam as novas estantes, mesas e cadeiras, confeccionadas sob o padrão-modêlo do DASP, além de um fichário com cento e quarenta gavetas e de um balcão para o serviço de empréstimo a domicilio. Os livros foram ordenados nas estantes, de acôrdo com as regras do sistema decimal de Dewey, preparando-se o salão de leitura no que dá para a Rua Henrique Martins. No outro salão, — o que fica para o lado da Avenida Sete de Setembro — foram instalados a secção de periódicos, a diretoria, a secretaria, os serviços de aquisição, catalogação e classificação, os cursos e, mais tarde, a Biblioteca Infantil. A seção de Referência ficou localizada junto ao salão de leitura.
A 21 de novembro de 1947, foi inaugurada a Biblioteca Pública do Amazonas, entregando-se, assim, à serventia pública, o seu novo aceno bibliográfico. O governador Leopoldo Amorim da Silva Neves, na mensagem que apresentou à Assembléia Legislativa, em 15 de março de 1948, registrou o acontecimento: “Decorridos dois anos e três meses do incêndio que, a 22 de agôsto de 1945, destruiu totalmente o patrimônio bibliográfico da Biblioteca Pública do Amazonas, foi esta reaberta à serventia pública, no dia 21 de novembro de 1947, com um total de 45.000 volumes impressos, incluindo livros, folhetos e periódicos”. Em considerável maioria, o novo aceno bibliográfico da Biblioteca Pública é constituído de generosas doações feitas por instituições diversas do País e do estrangeiro, correspondendo a apelos que lhe foram endereçados pelo instituto Geográfico e Histórico do, Amazonas e à campanha movimentada pelo Conselho Nacional de Geografia, no sentido de ser constituída a Biblioteca do Amazonas. Por sua vez e com a mesma finalidade, estudantes dos nossos cursos superiores e secundários percorreram as ruas da cidade, em caminhão, de porta em porta, solicitando donativo. em Unos, movimento êsse que resultou no recolho de cêrca de 2.000 volumes, que foram entregues à direção da Biblioteca. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Academia Brasileira de Letras, todos os órgãos ministeriais do Govêrno Central, bem como autarquias diversas, as bibliotecas públicas e outras instituições culturais dos Estados, a American Library Association, dos Estados Unidos, e particulares em grande número, fizeram remessas de milhares de publicações para a Biblioteca Pública, onde, à proporção que iam sendo recebidas, passavam pelos processos de cadastro, para efeito de classificação e catalogação.
No salão do primeiro pavimento do edifício próprio da Biblioteca Pública, na parte não atingida pelo fogo, foram realizadas obras de restauração e pintura, com adaptação especial de luz e ventilação para instalar-se o novo departamento de leitura. Ali, em estantes padronizadas, foram arrumados os livros por ordem de assuntos, em obediência às diretrizes do método decimal. Para o serviço de consulta, confeccionaram-se catálogos de emergência para títulos e autores, em cada classe de assuntos, enquanto se concluía o Catálogo-Dicionário em preparo. Entregue à serventia pública, em 21 de novembro de 1947, o novo Salão de Leitura da Biblioteca, as classes estudiosas ali encontraram, ao lado de vasta e preciosa coleção de obras em variedade infinita de matérias, um ambiente tranqüilo e de confôrto para o estudo e trabalhos de pesquisas bibliográficas, com mobiliário moderno apropriado, ventilação constante e luz suficiente. Funcionários especializados nos trabalhos biblioteconômicos atendem, com eficiência, aos eleitores, oferecendo-lhes tôdas as facilidades possíveis, sem exigências burocráticas. O leitor tem acesso livre à estante e aos catálogos, pode demorar-se o tempo que quiser nas horas de franquia pública, e sômente à saída, lhe é solicitado preencher, à porta, a ficha de consulta, para efeito de estatística. Ao findar o ano de 1948, o registro de freqüência às coleções da Biblioteca acusava 25.582 leitores, número êsse que, no ano seguinte, era superado pelo de 28.053.
Em fevereiro de 1949, foi inaugurada a Biblioteca Infantil, em ampla e arejada dependência especialmente preparada, equipada de móveis modernos adequados para o seu tipo de leitor. O acervo Inicial ficara constituído de 715 volumes de obras de literatura Infantil. Há um depoimento de alta valia sôbre as novas instalações da Biblioteca, prestado nessa época por uma das mais autorizadas figuras da biblioteconomia brasileira: dona Maria Luísa Monteiro da Cunha, Bibliotecária com estágio de especialização nos Estados Unidos e professora de Classificação e Catalogação da Escola de Biblioteconomia de São Paulo, com exercício, ainda, em função de chefia, na modelar Biblioteca Municipal de São Paulo. Maria Luísa; viera ao Norte, em viagem de férias, integrando uma luzida caravana do Touring Club do Brasil. Apaixonada por Biblioteças, em tôdas as capitais nortistas, que visitava, saía à procura da respectiva Biblioteca Pública, para auferir, em observação própria, do que se fazia, em matéria de biblioteconomia, nos Estados nortistas do Brasil. Chegando a Manaus, em fevereiro de 1949, visitou a Biblioteca Pública do Amazonas, ainda sob a funda impressão que trazia dos rumores do incêndio que a destruíra, em 1945. À saída, entrevistada por um, repórter local, assim se manifestou ao “Jornal do Comércio” amazonense: “Todos nós sabíamos que viríamos encontrar, em Manaus, um dos melhores teatros do mundo, daí não termos ficado surpreendidos quando visitamos o suntuoso Teatro Amazonas, obra das mais aprimoradas. O que nos causou surprêsa, isto sim, foi a Biblioteca Pública do Estado, que; apesar do incêndio de 1945, quando foi totalmente devorada, já é uma das grandes realizações da biblioteconomia moderna. Fiquei deveras admirada por ver em tão pouco espaço de tempo, isto é, sômente 3 anos, como foi possível - adquirir-se um acervo tão valioso, isto sem calcular-se a quantidade de livros ali existentes e sim os livros básicos referentes a tôdas as disciplinas, o que bem demonstra pleno conhecimento a respeito do assunto por parte de seu diretor e funcionários, estando ao par da situação livresca”. “O que também me fascinou — continuou a professora Maria Luísa — foi ver a cuidadosa organização que vem adotando o sr. Genesino Braga, quanto à criação da secção infantil na Biblioteca, como também a maneira como o público tem acesso livre às estantes, no salão de leitura”. A seguir, — escreve o repórter— perguntamos à professora Maria Luísa Monteiro da Cunha, sôbre seu pensamento em tôrno do material de cultura ali encontrado, do que merecemos a resposta seguinte: “Com relação às obras, apesar do lamentável incêndio destruidor de 1945, existem ainda livros preciosos, tais como o Debret e “Orlando Furioso”, ilustrado por Doré, além de serem encontradas enciclopédias interessantíssimas, dando-se destaque ainda às ciências sociais de Seligman”. “Por outro lado — fala-nos ainda a nossa entrevistada — fiquei bastante satisfeita em ver a uffiidade que tem aqui o Boletim Bibliográfico da Biblioteca Municipal de São Paulo, que tem sido elemento valioso de consultas para os dirigentes da Biblioteca, neste Estado”. Depois de ligeira pausa durante a palestra que mantivemos com essa ilustre figura da sociedade paulista, retomada a palavra pela entrevistada, assim se manifestou: “É de se louvar o cuidado que vem sendo dispensado aos livros, porquanto, com isso, estão êles livres da sanha dos bibliófagos. Pelo que verifiquei, o edifício da Biblioteca Pública presta-se a um desenvolvimento de processo técnico, nos moldes dos mais modernos princípios biblioteconômicos, tais como a criação de secções de empréstimos de livros a domicílio, uma sala para conferências, serviço de restauração, mapoteca, etc., etc.”.
A última das amarras que, no decurso de quarenta e cinco anos, conduziram a Biblioteca amazonense atrelada a outros serviços de natureza diversa, foi desatada pela lei n.° 677, de 18 de agôsto de 1950. Por dispositivos ali expressos, ficou ela desmembrada do Arquivo Público, passando a constituir, isolada, a Diretoria da Biblioteca Pública, autônoma, finalmente, na própria regência de suas diretrizes, sem mais o ruinoso desvio dos cuidados diretivos para outros setores diferentes. A partir dessa providência, já sob direção própria, teve ela acelerado o ritmo de seu desenvolvimento e atendidos com mais diligência e compreensão os imperativos de seus misteres. A premência do aumento do pessoal, em razão da multiplicidade das tarefas de ordem técnica, teve solução com a lei n.° 243, de 15 de dezembro de 1953, que reestruturou o respectivo quadro, constituindo-o, então de: Diretor, Secretário, 2 Bibliotecários-Chefes, 7 Bibliotecários, 9 Bibliotecários-Auxiliares, 1 Porteiro e 2 Serventes, afora o pessoal extra-numerário. Essa lei fixou, ainda, normas definitivas para o provimento dos cargos de Bibliotecário-Chefe e de Bibliotecário, objetivando justas vantagens para os funcionários que adquirissem a especialização profissional. Com êsse intuito, determinou que os referidos cargos só poderão ser providos por bibliotecários portadores de diplomas expedidos pelos cursos oficiais de biblioteconomia do Pais. Foi, assim, mais um vínculo que a Biblioteca amazonense estabeleceu com as modernas diretrizes da biblioteconomia brasileira, no critério de prestigiar o profissional especializado, num significativo gesto de acatamento aos cursos de biblioteconomia em função no País.
Tal medida veio a completar-se três anos depois, com a criação, na Biblioteca Pública e por iniciativa desta, do Curso de Biblioteconomia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, com a duração de dois anos, para o ensino das seguintes matérias: Classificação e Catalogação; Bibliografia e Referência; Organização e Administração de Bibliotecas; História do Livro e das Bibliotecas; e História da Literatura. As aulas dêsse Curso tiveram início em janeiro de 1955, ministradas pelos bibliotecários diplomados dra. Dóris de Queiroz Carvalho, Bibliotecário do Ministério da Fazenda, chefiando a Biblioteca do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, autora da obra “Classificação Decimal de Direito”; Maria Luisa de Magalhães Cordeiro; Maria de Nazaré Jacob da Silva Neves, Bibliotecário da Faculdade de Direito do Amazonas; e Genesino Braga, Diretor da Biblioteca Pública do Amazonas. Em novembro do mesmo ano, após dois períodos intensivos de aulas e provas, foram expedidos certificados de Bibliotecários-Auxiliares, correspondentes ao primeiro ano de ensino, a 15 dos 56 alunos matriculados no início do período letivo.
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Vive um presente de realidades positivas a Biblioteca Pública do Amazonas, alicerçada em seu valioso aceno bibliográfico de livre acesso ao leitor e de fácil e rápida consulta; em suas instalações adequadas ao serviço, modernas e de bom gôsto; no preparo técnico e na dedicação de seu pessoal; e na confiança que lhe votam as classes estudiosas do Ama, zonas. Dispondo atualmente de um patrimônio livresco em número super flor a 85.000 volumes, entre livros, folhetos, mapas e periódicos, adota para. êstes, a classificação decimal de Dewey, já contando o seu Catálogo-Dicionário, com o Topográfico e o Remissivo, mais de cem mil fichas. Sua coleção de Referência está equipada de 1.605 volumes, nêle figurando as edições últimas das mais conceituadas enciclopédias e dos dicionários técnicos, filológicos, bilingües, bibliográficos e enciclopédicos de autores vários, além de muitas outras obras de referência. Franqueados ao público diàriamente, das 10 às 22 horas, seus salões de leitura recebem uma freqüência em média de 150 leitores, por dia, na sua maioria estudantes dos cursos superiores e secundários. Mantém, em sala especial, convenientemente equipada, a Biblioteca Infantil, com 850 volumes de obras de literatura Infantil e mais peças de recreação educativa para as crianças. E, periòdicamente, promove exposições de livros, de manuscritos, de arte pictórica e de documentação relacionada com a História e a Literatura. São desempenhados por bibliotecários especializados os serviços de natureza técnica da Biblioteca Pública do Amazonas. De. 1946 a 1953, tiveram. o concurso da Bibliotecária Ana Moura Diniz, diplomada pelo Curso, de Biblioteconomia do D.A.S.P.; e, em 1951, a Bibliotecária Irene Teles de Aquino, portadora de igual título, prestou relevantes: serviços, organizando a Coleção de Referência e ministrando conhecimentos de Biblioteconomia ao pessoal. Quatro funcionários da Biblioteca — o autor dêste trabalho, a senhora Ana Moura Diniz e as senhorinhas Maria Luisa de Magalhães Cordeiro e Maria Auxiliadora de Aguiar e Xerez — fizeram o Curso de Biblioteconomia do D.A.S.P. e o da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, com bôlsas de estudo conseguidas pela própria direção da Biblioteca. Além dêsses, mais quatro elementos de seu quadro — a senhora Maria Stella de Sousa Samuel e as senhorinhas Helena Nogueira Corrêa, Maria José Dias Antunes e Teresinha Moreira — obtiveram certificado de Bibliotecário-Auxiliar, no Curso de Biblioteconomia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Todos êsses funcionários estão, presentemente, no serviço da Biblioteca, empregando, com desvêlo e critério, os conhecimentos especializados que adquiriram, com muito entusiasmo e elogiável devotamento. A Secretária da Repartição, bacharela em Direito Ursulita Braga Alfaia, está confiada a classificação das obras de Direito, de natureza especifica. De como, no presente, são conduzidos os serviços da Biblioteca amazonense, proclama à Assembléia Legislativa, em mensagem de 15 de março de 1956, o honesto e operoso governador Plinio Ramos Coelho: — A Biblioteca Pública, sob a eficiente direção do jornalista Genesino Braga, teve suas atividades normais. Presentemente o acervo bibliográfico é constituído de 74.451 volumes. Foram feitos reparos na porta principal do edifício, janelas do hall de entrada, colocadas as portinholas nas janelas dos porões e adquiridas, por meio de doações locais, dos Estados e do Estrangeiro, 3.618 volumes. Funcionou durante o ano um curso de Biblioteconomia em cooperação com o INP da Amazônia, que obteve êxito compensador. Foram matriculados neste curso 53 alunos, sendo aprovados 15, dos quais 9 são funcionários do Estado. Também foi efetuado um programa educativo cultural, no propósito da maior difusão, não só das reservas bibliográficas do Estado, mas, também, das artes e das grandes figuras das letras e do magistério nacional e particularmente do Amazonas. Para êste fim foram organizadas exposições no hall de entrada do seu edifício”.
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Na soma de seus oitenta e seis anos de existência, vencido um itinerário que se impregnou de muita luz e dos aromas eternas da inteligência e da cultura, com quatro gerações intelectualmente robustecidas na seivosa irradiação de saber provinda de seus livros, — A Biblioteca Pública do Amazonas ostenta, na atualidade, o galardão de um triunfo que jamais poderá ser destruído, ou mesmo obscurecido, na voragem das paixões políticas, ou na insatisfação das conturbadas fôrças sociais que tanto abalam e agitam, nos tempos hodiernos, a inteireza das colunas da sabedoria. Ela própria, na integridade de sua função educativa, como fonte perene da sabedoria; ela própria, na solidez de sua estrutura orgânica, elevada ao nível das congêneres de maior conceito no País; ela própria, do pedestal de veneração e respeito em que a sagraram as consciências e as vozes de muitas idades, na admiração, na gratidão e nos zelos da comunidade a que vem servindo, — ela própria não mais se deixará deprimir, nem olvidar, nem ficar à margem dos surtos expansionais que a mais alto levarem as conquistas da ciência e do labor. Marchará sempre, sim, a frente de todos os anelos de seu povo, soberana e consciente de sua fôrça objetiva, alteando o luzeiro das civilizações modernas, pelos claros caminhos do porvir amazônico.
Todos os livros, documentos oficiais e periódicos, que figuram na presente bibliografia, pertencem ao acervo da Biblioteca Pública do Amazonas.
AGASSIZ, Luiz Agassiz e Elisabeth Cary — Viagem ao Brasil (1865-1866), Trad. por Edgar Sussekind de Mendonça. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1938 (Biblioteca Pedagógica Brasileira. Coleção Brasiliana. Série 5ª, VoL 95).
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AMAZONAS, Presidência, 1863-1874 — Relatórios da Presidência da Província do Amazonas, desde a sua criação até a proclamação da República, mandados colecionar pelo governador coronel Silvério José Nery e novamente publicados por ordem do coronel Antônio Constantino Nery sendo governador do Estado. Volume III. 1863-1870. Rio de Janeiro, Tip. do “Jornal do Comércio”, 1908. — Relatórios da Presidência da Província do Amazonas, desde a sua criação até a proclamação da República, mandados colecionar pelo governador coronel Silvério José Nery e novamente publicados por ordem do coronel Antônio Constantino Nery sendo governador do Estado. Volume IV. 1870-1873. Rio de Janeiro, Tip. do “Jornal do Comércio”, 1908. — Relatórios da Presidência da Província do Amazonas, desde a sua criação até a proclamação da República, mandados colecionar pelo governador coronel Silvério José Nery e ;tamente publicados por ordem do coronel Antônio Constantino Nery sendo governador do Estado Volume V. 1873-1874. Rio de Janeiro, Tip. do “Jornal do Comércio”, 1908.
AMAZONAS, Presidente, 1874. (Domingos Monteiro Peixoto) — Fala dirigida à Assembléia Provincial do Amazonas na primeira sessão da 12.ª legislatura, em 25 de março de 1874, pelo Presidente da Província, bacharel Domingos Monteiro Peixoto. Manaus, Tip. do “Comércio do Amazonas”, 1874. — Relatório com que o Exmo. Sr. Dr. Domingos Monteiro Peixoto entregou a administração da Província ao Exmo. Sr. 1.° Vice-Presidente Capitão de Mar e Guerra Nuno Alves Pereira de Melo Cardoso, em 16 de março de 1875. Manaus, Tip. do “Comércio do Amazonas”, 1875.
AMAZONAS, Presidente, 1875. (Nuno Alves Pereira de Melo Cardoso) — Fala dirigida à Assembléia Provincial do Amazonas na segunda sessão da 12.ª legislatura em 29 de março de 1875 pelo Exmo. Sr. 1.° Vice-Presidente Capitão de Mar e Guerra Nuno Alves Pereira de Melo Cardoso, acompanhada do Relatório com que no dia 11 de março de 1875 lhe passou a administração da Província o Exmo. Sr. Dr. Domingos Monteiro Peixoto. Manaus, Tip. do “Comércio do Amazonas”, de Gregório José de Moraes, 1875. — Exposição que fêz o Exmo. Sr. Vice-Presidente da Província do Amazonas Nuno Alves Pereira de Melo Cardoso ao Exmo. Sr. Presidente Dr. Domingos Jacy Monteiro, entregando-lhe a administração em 26 de julho de 1876. Manaus, ip. do “Jornal do Amazonas”, à Rua do Imperador, 1876.
AMAZONAS, Presidente, 1877 (Agesiláo Pereira da Silva) — Fala com que o Exmo. Sr. Presidente da Província do Amazonas, Dr. Agesiláo Pereira da Silva, abriu os trabalhos da 2ª sessão da 13.ª legislatura da Assembléia da mesma Província, em 4 de junho de 1877. Manaus, Tip. do “Jornal do Amazonas” a Rua do Imperador, 1877. — Exposição apresentada ao Exmo. Sr. 2.° Vice-Presidente da Província do Amazonas, Major Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, pelo dr. Agesiláo Pereira da Silva. Manaus, Tip. do “Jornal do Amazonas”, à Rua das Flores, 1878.
AMAZONAS, Presidente, 1878 (Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães) — Exposição com que o Exmo. Sr. 2.° Vice-Presidente da Província, Major Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, passou a administração da mesma ao Exmo. Sr.2.°Vice-Presidente, Capitão Guilherme José Moreira, acompanhada da com que êste passou ao Exmo. Sr. Barão de Maracajú. Manaus, Tip. do “Amazonas”, Imp. Hildebrando Luiz Antony, 1878.
AMAZONAS, Presidente, 1879 (Romualdo de Sousa Paes de Andrade) — Exposição com que o Exmo. Sr. Dr. Romualdo de Sousa Paes de Andrade, 1° Vice-Presidente da Província do Amazonas, entrega a administração ao Exmo. Sr. Tenente-Coronel José Clarindo de Queiroz, em 16 de novembro de 1879. Manaus, Tip. do “Amazonas”, de José Carneiro dos Santos, por Hildebrando Luiz Antony. Rua de Marcílio Dias n.° 11, 1879.
AMAZONAS, Presidente, 1880 (José Clarindo de Queiroz) — Relatório com que o Exmo. Sr. Tenente-Coronel José Clarindo de Queiroz, Presidente da Província do Amazonas, abriu a sessão extraordinária da Assembléia Legislativa Provincial, em 14 de janeiro de 1880. Manaus, Tip. do “Amazonas”, de José Carneiro dos Santos, por Manuël Clarismundo do Nascimento. Rua de Marcílio Dias, n.° 11, 1880.
AMAZONAS, Presidente, 1880 (Satiro de Oliveira Dias) — Fala com que o Exmo. Sr. Dr. Satiro de Oliveira Dias, Presidente da Província do Amazonas, abriu a sessão extraordinária da Assembléia Legislativa Provincial, em 1.° de outubro de 1880. Manaus, Tip. do “Amazonas”, de José Carneiro dos Santos, à Praça 28 de Setembro. Impressor Hildebrando Luiz Antony, 1881. — Fala com que o Exmo. Sr. Dr. Satiro de Oliveira Dias, Presidente da Província do Amazonas, abriu a 2.ª sessão da 15ª legislatura da Assembléia Provincial, em 4 de abril de 1881. Manaus, Tip. do “Amazonas”, de José Carneiro dos Santos, à Praça 28 de Setembro. Impressor Hildebrando Luiz Antony, 1881.
AMAZONAS, Presidente, 1881 (Alanco José Furtado) — Fala com que o Exmo. Sr. Dr. Alarico José Furtado abriu a sessão extraordinária da Assembléia Legislativa Provincial do Amazonas, em 27 de agôsto de 1881. Manaus, Tip. do “Amazonas”, de José Carneiro dos Santos, à Praça 28 de Setembro, 1882.
AMAZONAS, Presidente, 1882 (José Lustosa da Cunha Paranaguá) — Fala apresentada à Assembléia Legislativa Provincial do Amazonas na abertura da primeira sessão da 16ª legislatura, em 25 de março de 1882, pelo Presidente José Lustosa da Cunha Paranaguá. Manaus, Tip. do “Amazonas”, de José Carneiro dos Santos. Praça 28 de Setembro, 1882. — Fala apresentada à Assembléia Legislativa Provincial do Amazonas na abertura da 2.ª sessão da 16.ª legislatura, em 25 de março di 1883, — Presidente José Lustoma da Cunha Paranaguá. Manaus, Tip. do “Amazonas”, de José Carneiro dos Santos. Praça 28 de Setembro, 1883.
AMAZONAS, Presidente, 1884 (Teodureto Carlos de Faria Souto) — Exposição com que o Exmo. Sr. Dr. Teodureto Carlos de Faria Souto, abriu a 1.ª sessão da 17.ª legislatura da Assembléia Provincial do Amazonas, em 25 de março de 1884. “Amazonas” (jornal), Manaus, ed. de 2-4-1884.
AMAZONAS, Presidente, 1888 (Raimundo Amâncio de Miranda) — Exposição com que o Exmo. Revm. Sr. Cónego Raimundo Amâncio de Miranda passou a administração da Província do Amazonas ao Exmo. Sr. Dr. Joaquim Cardoso de Andrade, em 12 de julho de 1888. “Jornal do Amazonas” (jornal), Manaus, ed. de 23-7-1888. — Exposição com que o Exmo. Revm. Sr. Cônego Raimundo Amâncio de Miranda passou a administração da Província do Amazonas ao Exmo. Sr. Presidente Dr. Joaquim de Oliveira Machado, em 12 de fevereiro de 1889. “Jornal do Amazonas” (jornal), Manaus, ed. de 15-2-1889.
AMAZONAS, Governador, 1893 (Eduardo Gonçalves Ribeiro) — Mensagem do Exmo. Sr. Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro, Governador do Estado, lida perante o Congresso dos Representantes, por ocasião da abertura da 2.ª sessão ordinária, em 10 de julho de 1198. Manaus, Tip. do “Diário Oficial” do Estado do Amazonas, Rua Municipal, 1893. — Mensagem do Exmo. Sr. Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro, Governador do Estado, lida perante o Congresso dos Representantes, por ocasião da abertura da 3.ª sessão ordinária, em 10 de julho de 1894. Manaus, Tip. do “Diário Oficial” do Estado do Amazonas, Rua Municipal, 1894. — Mensagem do Exmo. Sr. Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro, Governador do Estado, lida perante o Congresso dos Representantes, por ocasião da abertura da 1.ª sessão ordinária, em 10 de Julho de 1895. Manaus, Tip. do “Diário Oficial” do Estado do Amazonas, Rua Municipal, 1895. — Mensagem do Exmo. Sr. Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro, Governador do Estado, lida perante o Congresso dos Representantes, em 1.° de março de 1896. Manaus, Tip. do “Diário Oficial” do Estado do Amazonas, Rua Municipal, 1896.
AMAZONAS, Governador, 1897 (Fileto Pires Ferrelra) — Mensagem do Exmo. Sr. Dr. Fileto Pires Ferrelra, Governador do Esta do, lida perante o Congresso dos Representantes, por ocasião da abertura da 3.ª sessão ordinária da 2.ª legislatura, em 4 de março de 1897, Manaus, Tip. do “Diário Oficial” do Estado do Amazonas, Rua Municipal, 1897. — Mensagem do Exmo. Sr. Dr. Fileto Pires Ferreira, Governador do Estado, lida perante o Congresso dos Representantes, por ocasião da abertura da 1.ª sessão ordinária da 8.ª legislatura, em 6 de janeiro de 1898. Manaus, Imprensa Oficial, Rua Fileto Pires, 1898.
AMAZONAS (Estado), Secretaria do Interior — Relatório apresentado pelo cidadão Pedro Ferreira, Secretário dos Negócios do Interior, ao Exmo. Sr. Dr. Fileto Pires Ferreira, Governador do Estado, em 5 de janeiro de 1898. Manaus, Imprensa Oficial, 1898. — Relatório apresentado ao Governador do Estado, José Cardoso Ramalho Junior, pelo Secretário dos Negócios do Interior, cidadão Pedro Freire, em 30 de junho de 1899. Manaus, Livraria e Tipografia Palais Royal, de Lino Aguiar e Comp., 1900.
AMAZONAS (Estado), Ginásio Amazonense — Relatório do Ginásio Amazonense apresentado ao Exmo. Sr. Secretário dos Negócios do Interior pelo Diretor Antônio Monteiro de Sousa, em 30 de maio de 1899.
AMAZONAS, Governador, 1899 (José Cardoso Ramalho Junior) — Mensagem lida perante o Congresso dos Srs. Representantes, em sessão ordinária de 10 de julho de 1899. Manaus, Imprensa Oficial, Rua Municipal, 1899.
AMAZONAS, Secretaria dos Negócios do Interior — Relatório apresentado ao Governador do Estado pelo Secretário dos Negócios do Interior, Coronel Francisco P. R. Bittencourt, em 11 de junho de 1900, 1.° volume. Manaus, Tipografia Palais Royal, de Lino Aguiar e Comp., 1901.
AMAZONAS, Governador, 1902 (Silvério José Nery) — Mensagem lida perante o Congresso dos Srs. Representantes, por ocasião da abertura da 2.ª sessão ordinária da 4.ª legislatura pelo Esmo. Sr. Dr. Governador do Estado Sllvério José Nery, em 10 de julho de 1902, acompanhada dos relatórios dos chefes de repartiçôes. Volume I. Manaus, Tip. da Livraria Ferreira Pena, Rua Municipal, 35, 1903.
AMAZONAS, Governador, 1905 (Antônio Constantino Nery) — Mensagem lida perante o Congresso do Amazonas, na abertura da 2.ª sessão ordinária da 5.ª legislatura, pelo Governador do Estado, Dr. Antônio Constantino Nery. “Diário Oficial”, Manaus, edição de 10-7-1905. — Mensagem lida perante o Congresso do Amazonas na abertura da 3.ª sessão ordinária da 5.ª legislatura pelo Governador do Estado, Dr. Antônio Constantino Nery, em 10 de julho de 1906. “Diário Oficial”, Manaus, ed. de 10-7-1906. — Mensagem lida perante o Congresso do Amazonas na abertura da 1.ª sessão ordinária da 6.ª legislatura pelo Governador do Estado, Dr. Antônio Constantino Nery, em 10 de julho de 1907. “Diário Oficial”, Manaus, ed. de 10-7-907.
AMAZONAS, Tesouro Público — Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Antônio Constantino Nery, Governador do Estado, por Cirilo Leopoldo da Silva Neves, Inspetor do Tesouro. Ano de 1907. Manaus, Tipografia a vapor do “Amazonas”, 1908. — Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Coronel Raimundo Afonso do Carvalho, Governador do Estado, por Cirilo Leopoldo da Silva Neves, Inspetor do Tesouro, em comissão, acompanhado dos respectivos anexos. Ano de 1908. Manaus, Secção de obras da Imprensa Oficial, Rua Municipal, 97, 1909.
AMAZONAS, Governador, 1908 (Raimundo Afonso de Carvalho) — Mensagem Lida perante o Congresso do Amazonas, na abertura da 2.ª sessão ordinária da 6.ª legislatura pelo Coronel Raimundo Afonso de Carvalho, presidente do Congresso Legislativo no exercício do cargo de Governador do Estado, em 10 de julho de 1908. “Diário Oficial”, Manaus, ed. de 10-7-1908.
AMAZONAS, Governador, 1909 (Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt) — Mensagem lida perante o Congresso dos Representantes por ocasião da abertura da 3.ª sessão ordinária da 6.ª legislatura, em 10 de julho de 1909, pelo Exmo. Sr. Governador do Estado, Coronel Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, acompanhado de relatórios dos chefes de repartições. Manaus, Secção de Obras da Imprensa Oficial, Rua Municipal, 97, 1910. — Mensagem lida perante o Congresso dos Representantes, por ocasião da abertura da 1.ª sessão ordinária da 7.ª legislatura, em 10 de julho de 1910, pelo Exmo. Sr. Governador do Estado, Coronel Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, acompanhada dos relatórios dos chefes de repartições. Manaus, Secção de Obras da Imprensa Oficial, Rua Municipal, 97, 1911. — Mensagem lida perante o Congresso dos Representantes, por ocasião da abertura da 2.ª sessão ordinária da 7.ª legislatura, em 10 de julho de 1911, pelo Exmo. Sr. Governador do Estado, Coronel Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, acompanhada dos relatórios dos chefes de repartições. Manaus, Secção de Obras da Imprensa Oficial, Rua Municipal, 97, 1912. — Mensagem lida perante o Congresso dos Representantes, por ocasiao da abertura da 3.ª sessão ordinária da 7.ª legislatura, em 10 de julho de 1912, pelo Exmo. Sr. Governador do Estado, Coronel Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, acompanhada dos relatórios dos chefes de repartições. Manaus, Seção de Obras da Imprensa Oficial, Rua Municipal, 97, 1912.
AMAZONAS, Governador, 1916 (Jônatas de Freitas Pedrosa) — Mensagem lida perante a Assembléia Legislativa na abertura da 1.ª sessão ordinária da 9.ª legislatura, pelo Exmo. Sr. Dr. Jônatas de Freitas Pedrosa, Governador do Estado, a 10 de julho de 1916. Manaus, Seção de Obras da Imprensa Pública, Rua Municipal, 97, 1916.
AMAZONAS, Governador, 1917 (Pedro de Alcântara Bacelar) — Mensagem lida perante a Assembléia Legislativa, na abertura da 2.ª sessão ordinária da 9.ª legislatura, pelo Exmo. Sr. Dr. Pedro de Alcântara Bacelar, Governador do Estado, a 10 de julho de 1917. Manaus, Seção de Obras da Imprensa Pública, Rua Municipal, 97, 1917. — Mensagem lida perante a Assembléia Legislativa, na abertura da 8.ª sessão ordinária da 9.ª legislatura, pelo Exmo. Sr. Dr. Pedro de Alcântara Bacelar, Governador do Estado, a 10 de julho de 1918. Manaus, Imprensa Pública, 1918. — Mensagem lida perante a Assembléia Legislativa, na abertura da 1.ª sessão ordinária da 10.ª legislatura, pelo Exmo. Sr. Dr. Pedro de Alcântara Bacelar, Governador do Estado, a 10 de julho de 1919. Manaus, Imprensa Pública, 1919.
AMAZONAS, Governador, 1921 (César do Rêgo Monteiro) — Mensagem lida perante a Assembléia Legislativa, na abertura da 3.ª sessão ordinária da 10.ª legislatura, pelo Exmo. Sr. Desembargador César do Régo Monteiro, Governador do Estado, a 10 de julho de 1912. Manaus, Imprensa Pública, 1921.
AMAZONAS, Governador, 1925 (Alfredo Sá) — Mensagem à Assembléia Legislativa do Estado, em sua reunião extraordinária de 15 de dezembro de 1925. Manaus, Imprensa Pública, 1925.
AMAZONAS, Presidente, 1926 (Efigênio Ferreira de Sales) — Mensagem do Presidente Efigênio Ferreira de Sales à Assembléia Legislativa, na abertura da sua 1.ª sessão ordinária da 13.ª legislatura, em 14 de julho de 1926. Manaus, Imprensa Pública, 1926. — Mensagem apresentada pelo Presidente do Estado do Amazonas à Assembléia Legislativa e lida na abertura da 3.ª sessão ordinária da 13.ª legislatura. Manaus, Imprensa Pública, 1928. — Mensagem do Presidente do Estado do Amazonas, Dr. Efigênio de Sales, à Assembléia Legislativa, lida na abertura da 1.ª sessão ordinária da 14.ª legislatura. Manaus, Imprensa Pública, 1929.
AMAZONAS, Presidente, 1927 (Antônio Monteiro de Sousa) — Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa pelo Exmo. Sr. Antônio Monteiro de Sousa, por ocasião da abertura da 13.ª legislatura, em 14 de julho de 1927. Manaus, Imprensa Pública, 1927.
AMAZONAS, Diretoria do Arquivo, Biblioteca e Imprensa Pública — Relatório da Diretoria do Arquivo, Biblioteca e Imprensa Pública, apresentado ao Exmo. Sr. Secretário Geral do Estado, Dr. Aristóteles Ribeiro de Melo, pelo Bacharel José Chevalier Carneiro de Almeida. Exercício de 1928. Manaus, Imprensa Pública, 1928.
AMAZONAS, Presidente (Dorval Pires Pôrto) — Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, pelo Presidente Porval Pires Pôrto, ao instalar-se a 2.ª sessão ordinária da 14.ª legislatura. Manaus, Imprensa Pública, 1930.
AMAZONAS, Governador, 1936 (Alvaro Botelho Maia) — Mensagem do Governador Alvaro Botelho Maia à Assembléia Legislativa, na abertura da sessão ordinária, em 3 de maio de 1936. Manaus, Seção de Obras da Imprensa Pública, 1936. — Mensagem do Governador Alvaro Botelho Maia à Assembléia Legislativa, na abertura da sessão ordinária, em 3 de maio de 1937. Manaus, Imprensa Pública, 1937.
AMAZONAS, Interventor, 1938 (Álvaro Maia) — Exposição ao Exmo. Sr. Dr. Getulio Vargas, D.D. Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal. Manaus, Imprensa Pública, 1938. — Exposição ao Exmo. Sr. Dr. Getulio Vargas; Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal. Manaus, Imprensa Pública, 1939. — Exposição ao Exmo. Sr. Dr. Getulio Vargas, Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal. Maio de 1940 a maio de 1941. Manaus, Imprensa Pública, 1941. — Exposição ao Exmo. Sr. Dr. Getulio Vargas, Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal. Maio de 1941 a maio de 1942. Manaus, Imprensa Pública, 1942. — Exposição ao Exmo. Sr. Dr. Getulio Vargas, Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal. Maio de 1942 a maio de 1943. Manaus, D.E.I.P., 1943. — Exposição ao Exmo. Sr. Dr. Getulio Vargas, Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal. Maio de 1943 a julho de 1944. Manaus, D.E.I.P., 1944. — Exposição ao Exmo. Sr. Dr. Getulio Vargas, Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal. Julho de 1944 a julho de 1945. Manaus, D.E.I.P., 1945.
AMAZONAS, Governador, 1948 (Leopoldo Amorim da Silva Neves) — Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em sua sessão ordinária de 1948, pelo Governador do Estado, Dr. Leopoldo Amorim da Silva Neves. Manaus, Imprensa Oficial, 1948.
AMAZONAS (Província) — Biblioteca Pública do Amazonas — Catálogo da Biblioteca Pública do Amazonas. Manaus, Tip. do “Jornal do Amazonas”, de Antônio Fernandes Bugalho, 1887.
AMAZONAS (Província) — Leis, decretos, etc. — Coleções de leis, decretos e regulamentos da Província do Amazonas, de 1852 a 1889.
AMAZONAS (Estado) — Leis, decretos, etc. — Coleções de leis, decretos e regulamentos do Estado do Amazonas, de 1889 a 1953.
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AMAZONAS (jornal) — Manaus. Coleções de 1870 a 1913.
AMAZONAS COMERCIAL (jornal) — Manaus. Coleções de 1897 a 1899.
COMÉRCIO DO AMAZONAS (jornal) — Manaus. Coleções de 1897 a 1910.
CORREIO DO NORTE (jornal) — Manaus. Coleções de janeiro a junho de 1906.
DIÁRIO DO AMAZONAS (jornal) — Manaus. Coleções de julho a dezembro de 1910.
DIÁRIO DE NOTICIAS (jornal) — Manaus, Coleções de 1899 a 1900.
DIÁRIO OFICIAL (jornal) — Manaus. Coleções de 1893 a 1953.
FEDERAÇÃO, A (jornal) — Manaus. Coleções de 1883 a 1888.
JORNAL DO AMAZONAS (jornal) — Manaus. Coleções de 1883 a 1888.
JORNAL DO COMÉRCIO (jornal) — Manaus. Coleções de 1904 a 1910.
RIO NEGRO, O (jornal) — Manaus. Coleções de 1897 a 1898.
TEMPO, O (jornal) — Manaus. Coleções de 1915 a 1918.
The author, who is Chief Librarian of the Amazonas Public Library (Manaus, Amazon State, Brazil), tells the history of said Library, from its establishment, in 1871, to present days. During its 86 years of existence, this Public Library has gone through different phases of progress. In 1871, the Library was established under the denomination of Reading Room and was located at the Lyceu. In 1884, still during Brazilian Imperial Regime, the Reading Room was turned into Public Library by the Governor of the Amazon Province, José Paranaguá, who provided it with valuable bibiographical collections. During this period, the Library rendered most useful services to the community of the City of Manaus. In 1910, it was moved into a new building, specially built for the Library, but in 1945 it was completely destroyed by fire. The population of Manaus was very shocked with the destruction of the Library and, following the example of the State Governor, Alvaro Maia, who made a donation of all his private library to the public one, started a movement, leaded by the students, toward the rebuilding of the llbrary book collection. Aiso many institutions, both from the Country and abroad, offered valuable donations of books to the newly rebuilt Library. Presently the Amazonas Public Library is going through me most progresive phase of its existence.