sábado, 31 de outubro de 2009
A calota polar
"
A calota polar
Rogel Samuel
A calota polar está desaparecendo. Isto pode ser um gravíssimo acontecimento. Pode haver de tudo: aumento do nível das águas, deslocamento da massa das águas, eliminação do nível que hoje os oceanos têm, mudança de clima, etc. etc.
Não sei se isto pode eliminar a vida na Terra, mas o desequilíbrio pode ser grande.
Diz o jornal Publico, de Portugal: "Temperaturas do solo sempre congelado na Antárctida estão a subir durante o Verão.
Até aqui não havia muitos dados a nível mundial sobre o que se está a passar na Antárctida com o solo sempre congelado, o permafrost. Mas, graças às investigações na região da Península Antárctica, nos últimos nove anos, de uma equipa coordenada pelo Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, começa a ter-se uma ideia: a parte superior dopermafrost tem vindo a aquecer.
Estes resultados foram apresentados numa sessão de divulgação no Centro de Estudos Geográficos (CEG), na segunda-feira. "Já sabíamos que havia um aumento das temperaturas do ar, que foi de 2,5 graus [Celsius] nos últimos 50 anos. Não se sabia era nada do que se passava no solo, não havia dados", explica ao PÚBLICO Gonçalo Vieira, coordenador do Grupo de Investigação em Ambientes Antárcticos e Alterações Climáticas do CEG".
Dizem que "o derretimento da calota Polar do Ártico não teria nenhuma influência no nível do mar, pois se trata de gelo flutuante. Isso significa que, em estado sólido ou não ,ele eleva o nível do oceâno igualmente. Nenhum aumento ocorreria no nível do mar, por motivo do derretimento dessa camada de gelo".
Mas o solo é que está esquentando.
Um poema de Mário Faustino
Um poema de Mário Faustino
Rogel Samuel
Ele morreu aos 32 anos (1930-1962). Nasceu em Teresina PI, 1930 e morreu no Peru, Cidade de Dios, 1962.
Seu soneto é famoso, incluído nas antologias. Deve falar de um deus. Pode ser Ganimedes. Qualquer deus, de qualquer mitologia. Ou de todas as mitologias. Todas elas têm um deus que nunca envelhece, eterno adolescente. Na praia, onde nasceu Vênus, da perna de seu pai. Amado por faunos e prostitutas. Dorme. O rosto sobre um ombro, é uma criança. Um deus velado pelas deusas prostitutas.
Ganimedes, que não era um deus, mas um mortal, um príncipe de Tróia, aquele jovem é raptado por Júpiter.Mas o que queria Júpiter?
Não era amá-lo. Jupiter queria o tempo. A juventude é tempo. O breve encanto do tempo.
Divisamos assim o adolescente
Divisamos assim o adolescente,
A rir, desnudo, em praias impolutas.
Amado por um fauno sem presente
E sem passado, eternas prostitutas
Velavam por seu sono. Assim, pendente
O rosto sobre um ombro, pelas grutas
Do tempo o contemplamos, refulgente
Segredo de uma concha sem volutas.
Infância e madureza o cortejavam,
Velhice vigilante o protegia.
E loucos e ladrões acalentavam
Seu sono suave, até que um deus fendia
O céu, buscando arrebatá-lo, enquanto
Durasse ainda aquele breve encanto.
FAUSTINO, Mário. Poesia completa e traduzida. Org. Benedito Nunes. São Paulo: Max Limonad, 1985.
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sexta-feira, 30 de outubro de 2009
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Assis Brasil e Guimarães Rosa
Assis Brasil e Guimarães Rosa
Rogel Samuel
Assis Brasil foi um dos primeiros a reconhecer a qualidade da invenção da linguagem de Guimarães Rosa. Li com prazer sua entrevista para Francigelda Ribeiro, em Entre-textos. É curioso também saber que ele frequentou em 1956 o "Restaurante dos Estudantes, no Calabouço, perto do Aeroporto Santos Dumont", onde eu almoçava, a partir de 1961. Aliás fui professor ali, num curso para estudantes do Calabouço, naquela época.
Eu já tinha lido os artigos de Assis Brasil no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Quando estava pesquisando para minha tese de doutorado, em 1983, frequentei diariamente a biblioteca da OLAC, ou Oficina Literária Afrânio Coutinho. E lá havia umas pastas com tudo o que se tinha publicado sobre Guimarães Rosa, até então.
Afrânio, que era amigo de Rosa, guardava tudo, todos os recortes. Nunca se viu um pesquisador como aquele.
Muitos criticavam Rosa e seu estilo brabo. Chegaram a dizer que ele, primeiro escrevia direito, depois complicava.
Eu conversei com Rosa, na Academia. Mas isso já outro assunto.
terça-feira, 27 de outubro de 2009
A vitória rápida
A vitória rápida
Rogel Samuel
"Na guerra, preze pela vitória rápida e evite as operações prolongadas" - Sun Tzu, "A arte da guerra".
O que será isso? Talvez uma longa preparação, para um ataque relâmpago. Uma guerra longa desgasta, enfraquece o espírito. A vida é uma guerra? Não creio. A rapidez da Internet, contra a lentidão do processo editorial.
Sun Tzu viveu no século IV a.C. Não se diz que os orientais são pacientes? Como Sun Tzu recomenda uma vitória rápida? O que é uma vitória rápida? Se a vitória custar a chegar as armas se desgastarão, a tropa se cansará. Aí é a derrota.
Está pensando no Afeganistão?
"Nenhum Estado aguentará uma guerra prolongada", diz seu livro milenar. Como não pensar nos Estados Unidos?
Mas será uma guerra, isso que hoje existe? Ou um comércio de armas?
Tudo é um mistério.
Mais Biarritz
Mais Biarritz
Rogel Samuel
Minha amiga X. me escreveu aflita perguntando se eu estava de mudança para Biarritz. Como eu gostaria.
Mas não é bem assim. Em outubro de 2006 lá estive. Hotel Marbella. Foram dias extraordinários. Infelizmente não encontro as fotos que lá fiz. Tenho para mostrar esta que aí está, na rue du Port Vieux. A foto não é minha, encontro-a na Internet, mãe de todas as fotos.
O porto velho ainda deve estar lá, em ruínas. Aquela senhora ruiva está em frente ao Marbella.
Eu dispunha de uma varanda, ampla e aberta, quase sobre o mar. O dono, um amigo de Phillipe, me fez um grande desconto. Mesmo assim foi caro. Cidadezinha calma, como gosto, com pouca gente nas ruas, a maioria turistas.
Minha amiga X. perguntou se eu ia partir... Mas não, como ela, que outro dia me disse que um mago lhe tinha dito que ela vai morrer em 2010. Horror! Eu lhe respondi que o único astrólogo que foi capaz de prever a morte de alguem foi Nostradamus, que morreu em 1566. Ora...
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Biarritz
Biarritz
Rogel Samuel
Biarritz é uma cidadezinha elegante e clara. Talvez mais para milionários do que para viajantes como nós. Lá mora meu amigo Phillipe, que conhece tão bem o Rio. Lá come-se uma boa "paella", que no Brasil é risoto, tem mais arroz. A palavra paella ou paellera significa uma espécie de bacia enorme, de frigideira de ferro, onde a coisa é feita. A paella de lá tem arroz de um lado, peixe etc do outro, meio a meio. Vem com pouco arroz.
Até hoje tenho uma bolsa de lá. Até hoje me lembro do Hotel Marbella, perto do mar e de suas belezas, ao lado da paella deslumbrante.
Biarritz é um lugar que penso revisitar, antes que a vida acabe, terra de reis no exílio, palácios deslumbrantes e poetas esquecidos.
Ontem falei com Phillipe, pelo telefone. Ele me recomendou o Hotel Saint-Charles, que também conheço, mais barato, mais sossegado. Uma casa antiga, cercada de jardins. Onde seria bom morar.
Seu único defeito é estar longe do mar.
domingo, 25 de outubro de 2009
Canto um
Canto um
Rogel Samuel
Decorrido o tempo a imagem dela
entre as pessoas da rua começa a linear-se
ou desaparecia ou próxima e inteira
como um coice se via a variada
aspergida dispersa sua figura
de tordo e metal desconhecido
enfurecia o comando deste povo
que habita diretamente todos nós
acelerava a parte e sobre a sarça obscura
certo da sua atitude disciplinar
amanhecia ainda e um mapa de cores
à disposição. Oh sinto-me levado
pela demonstração a coisa o folhear
porque mostrar é o meu único refúgio
e o meu desenlace transacto imposto tenso
nunca passava de róseo amarelo azul
nenhuma cor. As pernas estendidas sobre o
fundo, espero e fico como que mais surdo
às expectáveis palavras dos velozes
quem podia me reanimar: era sozinho
e ela faiscações rebrilhos Potestade
conseguia tocar os dedos transferidos
para outros compromissos plataforma
mais alta mais velada alada e aérea
fala fatalidade irmã da morte
quem se aformoseie e se transfere em quê
argila topográfica caminhada
caminhemos convictos, caminhemos
e sedimentares que ali não eram certos
de pálida derrota senão estava
dizer de cláusulas alfandegárias trapaceadas
oh irmãos da morte vigiai
as inúteis bandeiras abas leques
queimam gasolina controlada
computada pelos contornos senhoriais
arrendai-me oh grande queima verde
recém saída de altos fornos cerimoniosos
que pegando o tecido e examinando a cor
discutem entre si sacudindo os olhos
penduricalhos pingentes quedados
superiorizados pagos trepados: à tintura
o consolida moço de consciência
proletário pulsar dos pulsos que seguravam
nos sustentando famintos e opressores mitos
umas leves camadas de barro que se espoliavam
aos duros golpes do inimigo devotos
gaivotas gotas de Infinito acaso a morte
parda e morna e paliçada ardia
mas estando refrigeradas e atadas
eram pingentes constelações turbinas tubulares
que se aprofundavam em congelamentos e orgias
Era a guerra. Endereçadas populações marginais
nutrizes de servidiços trabalhos
a imitação - que é minha - sempre aberta
olhos elétricos candelabros enodoados
se apagavam em cores para a visão final
cadeirinhas carreiras tremulina dons
a placa de metal sobre o alto assoalho
sobretudo os altíssimos raios sacramentais
e contínuas marés de compridas nuvens
alvuras para que passemos sobre as suas
cabeças sensuais de não afago
mais que a trama o permitir e então
no frígido planeta estereotipado
sentido pintado o fim do mais querido
sonho, adeus, foi só um momento aquele
o tapume os jogadores o pólo verde
ainda entrevejo, débil coração
conexa a minha memória esgarçada
já vigiava o céu, velho e severo
céu que era pleno de estrelas assassinas
em baixo da minha pouca paliçada
o rol de meus amigos mortos aprisionados
camuflados traidores feitores dores
fugiam todos por um curso usual
1963, lembro era de tarde
- traspassada dividida, lentamente
andávamos através daquela rua
o lugar grave passos tardos convulsão
resumida o contato nossas mãos
- toque de dedos, rápido e desperto
eu não conseguia narrar, ó musa descoberta
evanescente irrecuperável ocorrendo
por onde passava inteiramente aberta
a presença frente a tela de cinema
e implantado aquilo não me era triste
pois tudo começou no dia lembro bem
quando acordei o teto do meu quarto
desmaiado vinha de amanhecer um outro
sol do outro lado do mundo, aberta a janela
labirinto abastardado claro suavíssimo
marítimo emanava aquele ponto horrível
horizonte que entrando um azulado
vento do mar oleava lembro-me das linhas
retas cruzes ruas úmida cidade indiferente
da quase madrugada que chegava a forte
perfeita aterradora ambígua assassina
as persianas que batendo viam
que desesperavam para a morte
a minha confiança e a minha lembrança
o aroma de café entrante o espaço lerdo
subia até ali. o esquecido, eu pensei:
devo amá-la. e olhei pela janela
na espera de encontrá-la: mas um grupo
policiais à paisana e eu... súbita felicidade
vinha da calma da praça em que estávamos
na borda daquela raça ela subiu pedestal
vazio frio cabeceira tanque retangular para o ar
sumiam seus braços seus brados espalmados
para o céu como voasse ameaçava
dizia que o vento intenso era sensual
recolhia para si própria aquele medo
e levava ao majestoso ao largo olhar
mar que soando forte aos nossos gritos
órgão a sua voz de meus cristais
a salsugem penetrava e da camisa
nua sobre seus cabelos ressoava
e entrando como por um túnel me atava
nadava me entristecia ainda mais
da sua essa passageira aparição demora
o momento montante o interior imensurável
os rápidos retardos que é para sempre
adormeciam e sinto espécie nova
um som um estilhaço longo momentos
de certeza inteiramente perdição
depois na praia ela se deitava
e se largava na areia matutina
e era suave aquela branca nua
visto de longe no mar era certeza
espécie de vedação alta azul e informe
as coisas se dissolviam em explosões
cristas e covas cintilações sonoras
luminosidades que a ela me contavam
naquele dia ela no convés da chuva
quase todo o tempo o ruído nascia
da ondulação das dobras das estrelas
esbeltas circulares e misteriosas
Nós dois. Nós dois ríamos muito
de face recebendo gélida chuva
gotas algumas da tarde e haviam dito
- ouvíamos som de gaivotas mares
que ela andava como um adorno multicor
ela se precipitava entre as coisas vivas
que depois os soldados invadiram
bombas rebentavam no meio da sala
não havia rádio nenhuma comunicação
eu ainda não passava de matar a esperança
amada e ela morta certamente
a porta da frente onde estávamos
talvez aberta talvez fechada rebentou
eu passava a mão sobre sua cintura
e mordia-a na nuca ternamente
a porta começava a chave introduzida
na fechadura como ainda me lembro a outra porta
bem defronte os azulejos brancos a pia branca
a geladeira branca e lá fora chovia e a clara voz
nos dizia que era o fim de tudo
e que ouviríamos certamente o nosso algoz
como para poder fugir para o fundo de nós mesmos
tomamos de súbito os sinais
e entravam e se apoderavam os policiais
de toda a casa que um dia tinha sido minha
jogamos o nosso conteúdo fora
e fomos engolidos pelo meu silêncio
fugimos dali. Aquele golpe vitorioso
nos deslocava para a clandestinidade
fomos nos ver numa estação suburbana
olhávamos a planície e estávamos sós
quase uma centena de esperados iam
no bojo do mesmo trem. Mesmo ali naquele isolamento
desmilitarizados passavam policiais e viaturas
e nós éramos distraídos vendedores
Val era linda. Palavras cheias de angústia
fome medo perdição: Que fazemos aqui? Para onde ir?
Novo grupo de policiais chegava
nas imediações campos de guerra
e a porta cedia a pancadas a invasão
começou. O garoto olhava espantado. E começava
a lavrar um incêndio.
sábado, 24 de outubro de 2009
O fogo da labareda da serpente
O fogo da labareda da serpente
NEUZA MACHADO
Ainda, repensando a questão pelo prisma foucaultiano, “a problemática da população” e “a arte de governar”, naquelas paragens amazonenses próximas às fronteiras da Bolívia e Peru, nos séculos XVIII e XIX, não se originaram do governo familiar de modelo colonial português, ao contrário, o modelo familiar amazonense, principalmente o da capital do Estado, até aos dias de hoje, reflete o modelo familiar francês e uma certa influência alemã, herdada naturalmente do convívio da população citadina e ribeirinha com os padres alemães e prussianos, das congregações católicas que por ali se aclimataram. Influências marcantes, também, poderão ser diagnosticadas, levando-se em consideração as grandes expedições de estudiosos franceses e germânicos da fauna e flora da região amazonense e adjacências, e do domínio centralizador e familiar de muitos desses estrangeiros que se colocavam como donos (e se colocam ainda) de extensões e extensões da Grande Floresta, desmatando-a implacavelmente, além de subjugar a população nativa e os retirantes nordestinos, que para ali se deslocaram, nas épocas das grandes secas, em busca de melhores meios de vida. O próprio romance rogeliano oferece-me pistas reveladoras.
No decorrer do século XX, o capitalismo primitivo, originário da Revolução Industrial do século XVIII, conhecido por “capitalismo selvagem” (dezesseis horas de trabalho por dia, ou mais), foi se modificando gradativamente, e, já nos anos finais do referido século passado, conheceu uma nova forma de ser entendido em termos mundiais. Antes, no Brasil especialmente, era a escravidão explícita ou camuflada do trabalhador assalariado: horas de trabalho além do normal e dívida permanente para com o empregador, uma vez que o “patrão” era também o dono dos postos de venda de mercadorias necessárias à sobrevivência de seus empregados (carne-seca, farinha de mandioca, açúcar, sal, etc.).
(FOTO raríssima da época da borracha, vendo-se no meio o capitalista Maurice Samuel, avô de Rogel Samuel)
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sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Dogen
Que coisa extraordinária, o grande gol, a grande meta não é tornar-se um Buda Supremo, mas o principal é entender que um pensamento segue um pensamento, um após outro, infinitamente, no fluxo mental, e, enfim, deixá-los ir, não se concentrar em nenhum deles, não ser nenhum deles, não tomar nenhum deles como sendo meu ou eu, não dar importância a nenhum deles, não...
Acima de tudo, não deseje tornar-se um futuro Buda;
Sua única preocupação deveria ser,
Como o pensamento segue o pensamento,
E evitar agarrar qualquer um deles.
DOGEN (1200 - 1253)
TERRA
TERRA
Rogel Samuel
Desenho de R. Samuel
terra de meus mais belos poemas
vão-se as cenas amarelas
também passou o amor com seu fardo
oh amados, da aliança esquecidos
no centro daquelas feras terras
vêm com seu automático gatilho
oh jovens orientais de olhos sagazes
oh bebedores de cerveja e seda
eu quero ter teu belo bolero thai
sob tua pele de chrystal e neve
o teu trunfo de veludo as tuas músicas
andando e esquecido de pelúcia
nas veias velhas da terra se irradiam
e há no teu colo as folhas macias
para onde eu quero voltar
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
e eu bebo veneno pelos olhos
e eu bebo veneno pelos olhos
quando vejo a tua forma de partir
que ela se torna numa larva preta
a espuma do mar fervente em cada mão
o desiderato rumo dessa casa feita
a linha errada em cada palma, o não
estarmos à roda desfibrada estreita
limita o mar que nos fareja o cão.
distúrbio funcional, minha malignidade
espectro desse quarto quando um morto
vagueava entre vivos a nos aterrorizar
humores, forma aquosa, vítrea,
e cristalina capa de estampadas letras.
eras superfície, punção, a gata morta
no leva e traz das ondas da maré
marco divisório de teus passos.
(Bournemouth, UK, 19 de agosto de 2007)
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quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Sete dias serão, Manaus, ó sete amadas
("Metaesquema", de Helio Oiticica)
Sete dias serão, Manaus, ó sete amadas
Rogel Samuel
Sete dias serão, Manaus, ó sete amadas,
Por que se integre à terra este cantor.
Ó monstruosas noites desamparadas
De mim se aparte a porta dessa dor.
O espelho dágua ostenta a aranha alada
Que me arrasta o interno aeroplano,
Tresloucada vespa, cristalizada
Inoculando o inferno do engano.
Mas chega de canção, Amor, que neste canto
As finas rimas dessa ladainha
Escondem teus morenos ombros de arpejos.
Ó franca zona! Do Teatro o manto!
Por sete dias tua canção é minha
Na invenção literária dos teus beijos.
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Sete dias serão
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Aniversario de Morte de Clarisse Indio do Brazil - 7/10/1919
(Desenho de Ronald de Carvalho dedicado a Fernando Pessoa)
POEMAS INÉDITOS
7 de Outubro de 1919/2009
Ronald de Carvalho 1920
EPITAPHIO
Foste infeliz? Foste feliz? Quem disse,
Quem decifrou jamais o sybilino,
O terrivel segredo do destino,
Que fez parar teu coração, Clarisse?
Dormes, agora, sob a terra dura!...
Dormes, mas sonhas, pois em torno, tudo
Se entreabre em florações de ouro e velludo,
E ha mais astros no calmo azul da altura.
Detem, Viajor, o passo! Attende um pouco!
Neste silencio ha vozes mysteriosas...
Vê que humana expressão têm estas rosas,
Vê que o prazer é um pensamento louco...
Na vida incerta e vária, tudo passa!
Mas, eterno será quem, um segundo,
Derramou sobre as lagrimas do mundo
A alma tranquilla como um céo sem jaça!
Belmiro Braga
janeiro - 1920
Senhora Indio do Brazil
Vi-a uma vez apenas. Foi na igreja
mais humilde e mais pobre da cidade;
e, entre os pobres, ao ve-la, a Caridade
vi formosa, risonha e bemfaseja.
Todos se acercam d`Ella. Este deseja
ouvir-lhe a doce voz de suavidade,
este os braços lhe estende na anciedade,
aquelle outro, a sorrir, as mãos lhe beija...
E Ella, nos olhos um sorriso infindo,
abrindo a bolsa e o coração abrindo,
em bençãos se desfaz, ingenua e bella...
E. ao ve-la, dos altares resplendentes,
mostram-se os Santos muito mais contentes
que aquelles pobres socorridos d`Ella!...
A leoa no jardim
A leoa no jardim
Rogel Samuel
Li que os Estados Unidos estão sendo invadidos por cobras. Grandes serpentes. Apareceram, assustaram. Vieram do nada, foram abandonadas e cresceram. Cinco metros. Amazônicas, sucuris.
Lembro-me de, há muitos anos, quando eu morava sem Santa Teresa. Minha casa ficava encostada à floresta, à Floresta da Tijuca, uma beleza. Hoje seria um perigo. Rua Falet, hoje favela.
Pois tinha fugido uma leoa, que um milionário criava.
Todos se assustaram. E diariamente eu abria com cuidado a porta da rua, com medo de que houvesse uma leoa no jardim (depois capturada).
sábado, 17 de outubro de 2009
O livro de Céleste Albaret
O livro de Céleste Albaret
Rogel Samuel
Leio com sofreguidão o livro de Céleste Albaret, "o Sr. Proust". Ela foi sua governanta durante os últimos 8 anos de vida do escritor, quando ele escrevia, recluso, a sua grande obra. Um Proust diferente, magnífico, grandioso aparece. Ele foi um dos autores que mais li e reli na vida. Mas nenhum livro me mostrou inteiro o que era o homem. Um grande senhor. Mergulhado na solidão de seu quarto, na solidão de seu trabalho, trabalho noturno, asmático. Raramente saía, no meio da guerra, da primeira guerra mundial, que ignorou. A guerra não o incomodou, senão no início do livro, quando fez sua última viagem ao Grande Hotel, de Cabourg, na costa normanda, de trem. No fim da temporada o hotel fechou, ia virar hospital militar. Mas ainda estou lendo...
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O livro de Céleste Albaret
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
a palavra falada tentada forçada escrita
a palavra falada tentada forçada escrita
rogel samuel
a palavra falada tentada forçada escrita
a ventarola do fio do violino na porta
o mormaço cobre o túmulo e volta a ser gente
e volta a ser gleba
voltamos nós
à palavra falada ouvida esquecida esquisita
morta
como o fio do destino à porta
é um outro lugar
um salão sagrado, familiar, construído há muito tempo,
e cheio de morte
ecoando suavemente mofado escuro quieto
como uma nuvem de umidade
por cima do tapete verde da pedra
espero a “Celebração da paz”, de Holderlin
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quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Leitura de "Leituras inesquecíveis" de Dilson Lages
Leitura de "Leituras inesquecíveis" de Dilson Lages
Rogel Samuel
Acabo de ler "Leituras inesquecíveis" de Dilson Lages Monteiro e vejo como ele pôde imediatamente compor o espírito poético de Ascendino Leite, autor de minha predileção.
Leio Ascendino há muitos anos, digo, leio os seus diários, os seus "jornais" (como ele os chama). Confesso que não gosto de seus romances, que já os li. Ele também é um bom poeta.
Ascendino tem algumas obras-primas, como esse "Um ano no outono". Eu o leio e releio como um vade-mecum da arte de escrever.
Certamente Ascendino é um homem reacionário, mas... que importa? Borges o era. E o mestre Ascendino Leite, para mim, lançou o estilo do futuro: o da "postagem" de blog.
É só conferir.
a chuva de jefferson bessa
a chuva
com seus "chhh"
com seus chiados e teclados
com seus dedos molhados
toca a sua canção no poema
(ao longe ouve-se uma trovoada:
que deus ruge ao longe?)
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Fragmento de Herta Muller
Fragmento de Herta Muller
Rogel Samuel
Li hoje agora um fragmento de Herta Muller em português em espanhol e penso que a tradução espanhola está melhor. Herta faz um tipo de poesia em prosa, ou o contrário. Ensaio uma tradução do espanhol, mas não concluo, assim:
"Em torno do monumento dos caídos cresceram rosas. Formaram um matagal espesso, asfixia a herva. Flores brancas e miudas, enrugadas, como papel. Sonoras. Amanhece, logo será dia.
Toda manhã, quando percorre o seu caminho solitário até o moinho, Windisch calcula que dia é aquele. Em frente ao monumento dos caídos calcula os anos..."
A cova
Há roseiras em volta do monumento aos combatentes. Transformaram-se em matagal.
Tão emaranhadas que asfixiam as ervas. Dão rosas brancas, pequenas e amarrotadas como papel. Rumorejam. Começa a amanhecer. Em breve será dia.
Todas as manhãs, no seu caminho solitário em direcção à azenha, Windisch regista o dia que começa. Em frente ao monumento aos combatentes, conta os anos. Mais adiante,
junto ao primeiro choupo onde a bicicleta passa sempre pela mesma cova, conta os dias.
E à noite, quando fecha a porta da azenha, Windisch conta de novo os anos e os dias.
Lá de longe vê as pequenas rosas brancas, o monumento aos combatentes e o choupo. E, se há nevoeiro, ao passar de bicicleta o branco das rosas e o branco da pedra estão ali mesmo à sua frente. Windisch atravessa o nevoeiro. Windisch tem o rosto húmido e segue até chegar à azenha. Por duas vezes as roseiras mostraram os espinhos nus e as ervas rasteiras tiveram a cor da ferrugem. Por duas vezes o choupo esteve tão despido que as hastes ameaçavam quebrar-se. Por duas vezes a neve cobriu os caminhos.
Windisch conta dois anos junto ao monumento aos combatentes e duzentos e vinte e um dias ao transpôr a cova ao pé do choupo.
Todos os dias, ao passar a cova, Windisch pensa: “O fim está próximo.” Desde que pensou em emigrar, Windisch vê o fim por toda a parte na aldeia. E o tempo que parou para todos os que querem ficar. E que o guarda-nocturno para ali vai ficar, para além do fim, segundo lhe parece.
E depois de ter contado duzentos e vinte e um dias e ter sido sacudido ao passar a cova, Windisch desmonta pela primeira vez. Encosta a bicicleta ao choupo. Os seus passos fazem barulho. No jardim da igreja esvoaçam pombos bravos. São cinzentos como a luz. Só o ruído os torna diferentes.
Windisch faz o sinal da cruz. O batente da porta está molhado. Fica-lhe colado à mão. A porta da igreja está trancada. E Santo António está do outro lado da parede. Segura nas mãos um lírio branco e um livro castanho. Está encerrado.
Windisch sente frio. Olha ao longo da rua. Onde a rua acaba, irrompem as ervas na aldeia. Lá ao fundo segue um homem. O homem é um risco negro que segue por entre as plantas. As ervas pujantes fazem-no pairar sobre a Terra.
[in O Homem é um Grande Faisão Sobre a Terra, tradução de Maria Antonieta C. Mendonça, Cotovia, 1993]
http://bibliotecariodebabel.com/excertos/quatro-fragmentos-de-herta-muller/
EL BACHE
En torno al monumento a los caídos han crecido rosas. Forman un matorral tan espeso que asfixian la hierba. Son flores blancas y menudas, enrolladas como papel. Y crujen. Estás amaneciendo. Pronto será de día.
Cada mañana, cuando recorre en solitario la carretera que lleva al molino, Windisch cuenta qué día es. Frente al monumento a los caídos cuenta los años. Detrás de él, junto al primer álamo donde su bicicleta cae siempre en el mismo bache, cuenta los días. Por la tarde, cuando cierra el molino, Windisch vuelve a contar los días y los años.
Ve de lejos las pequeñas rosas blancas, el monumento a los caídos y el álamo. Y los días de niebla tienen el blanco de las rosas y el blanco de la piedra muy pegados a él cuando pasa pedaleando por en medio. La cara se le humedece y él pedalea hasta llegar. Dos veces se quedó en pura espina el matorral de rosas, y la mala hierba, debajo, parecía aherrumbrada. Dos veces se quedó el álamo tan pelado que su madera estuvo a punto de resquebrajarse. Dos veces hubo nieve en los caminos.
Windisch cuenta dos años frente al monumento a los caídos, y doscientos veintiún días en el bache, junto al álamo.
Cada día, al ser remecido por el bache, Windisch piensa: “El final está aquí”. Desde que se propuso emigrar ve el final en todos los rincones del pueblo. Y el tiempo detenido para los que quieren quedarse. Y Windisch ve que el guardián nocturno se quedará ahí hasta más allá del final.
Y tras haber contado doscientos veintiún días y ser remecido por el bache, Windisch se apea por primera vez. Apoya la bicicleta contra el álamo, sus pasos resuenan. Del jardín de la iglesia alzan el vuelo unas palomas silvestres. Son grises como la luz. Sólo el ruido permite diferenciarlas.
Windisch se santigua. El picaporte está húmedo. Se le pega en la mano. La puerta de la iglesia está cerrada con llave. San Antonio está al otro lado de la pared. Tiene un lirio blanco y un libro marrón en la mano. Lo han encerrado.
Windisch siente frío. Mira a lo lejos. Donde acaba la carretera, las olas de hierba se quiebran sobre el pueblo. Allí al final camina un hombre. El hombre es un hilo negro que se interna entre las plantas. Las olas de hierba lo levantan por encima del suelo.
Pertenece a El hombre es un gran faisán en el mundo. Editado por Siruela, 1992. La traducción es Juan José del Solar y el texto está tomado de El Cultural.es
http://elestablodepegaso.blogspot.com/
domingo, 11 de outubro de 2009
O arco do azul infinito
O arco do azul infinito
Rogel Samuel
O arco do menino é de plástico, é de ouro, ferro, prata, e quem o sabe é de sonhos, de flores, de estrelas, de algas, de claridade do sol... mas não são de pássaros, nunca nunca, pois os pássaros pousam no ar do arco quando o menino dorme, no ar do arco das árvores como guerreiros cansados de azul, do azul silêncio do espaço infinito...
O MENINO E O ARCO
(Enviado por Amélia Pais)
O menino tem um arco.
É de plástico.
(Mas é de ouro
ou de ferro
ou de prata
- quem o sabe?)
E com ele
o menino colhe flores
e estrelas e algas
da funda claridade.
Nunca pássaros.
Esses, pousam no arco
enquanto o menino dorme
sob as árvores,
como um guerreiro cansado.
Glória de Sant'Anna, em Um Denso Azul Silêncio
* Nascida e falecida em Portugal, viveu longos anos em Moçambique
sábado, 10 de outubro de 2009
As delícias da solidão
As delícias da solidão
Rogel Samuel
Eu prefiro acompanhado, mas também a solidão tem as suas delícias. Chove, no Rio de Janeiro. Desde ontem chove. Leio a poetisa portuguesa Soledade Santos, enviada por Amélia Pais. Na sala há uma TV ligada. Noticiário. Na mesa uma chícara de café. Não tenho um gato de barro, nem castiçal. Nem flores, nem conchas. Tenho livros, cadernos, canetas. Não tenho novelos de lã, nem revista de tricot. Tenho sim uma tarde de chuva. Tenho um computador ligado, quadros na parede. Uma foto de Rimbaud, de 1872, foto de Etiènne Carjat, emoldurada em preto. Está aqui. Carjat (1828-1906), foi um fotógrafo francês, caricaturista e escritor, conhecido por seus retratos fotográficos de escritores e artistas. Comprei esta fotografía às margens do Sena. Estava com minha amiga francesa Annie Geraud. Grande dia. Grande poeta. Grande Amiga.
Soledade Santos
TO BE ALONE
«To be alone is one of life's greatest delights»
D. H. Lawrence
uma chávena de chá sobre a mesa
um gato de barro um castiçal
algumas flores conchas livros
um caderno dois novelos
de lã e uma revista de tricot –
espólio de uma tarde à chuva
nessas delícias da solidão
que D H Lawrence cantou
Soledade Santos
(poema publicado em DiVersos 8, ed.Sempre-em-pé)
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
HERTA MULLER
Nobel da Literatura para Herta Müller
Nobel da Literatura para Herta Müller
PÚBLICO
O Prémio Nobel da Literatura foi atribuído este ano à escritora alemã de origem romena Herta Müller, de 56 anos.
A Academia sueca sublinha que Herta Müller consegue, "com a densidade da sua poesia e a franqueza da sua prosa, retratar o universo dos desapossados".
Müller é autora de livros como “O homem é um grande faisão sobre a terra”, editado em Portugal pela Cotovia, e “A terra das ameixas verdes”, publicado a nível nacional pela Difel.
Nascida a 17 de Agosto de 1953, na aldeia de Nitzkydorf, perto de Timisoara, na Roménia. Estudou alemão e literatura romena na sua terra natal e trabalhou depois como tradutora numa fábrica de Timisoara, antes de ser demitida das suas funções em 1979 por se ter recusado a colaborar com a polícia política de Nicolae Ceaucescu.
Müller acabou por abandonar o seu país em 1987 para ir para a Alemanha com o marido, o também escritor Richard Wagner. Para trás deixou uma longa luta perdida pela publicação dos seus trabalhos frontalmente críticos ao regime totalitário de Ceausescu, que acabaria por ser derrubado dois anos depois de Müller sair da Roménia.
Em 1984 foi distinguida com o Prémio Aspekte e onze anos depois recebeu o prémio europeu de literatura Aristeion e foi eleita para a Academia Alemã para Língua e Poesia. Em 1998, recebeu o prémio irlandês IMPAC, no ano seguinte o Prémio Franz Kafka. Em 2003, foi galadoarda com o prémio Joseph Breitbach de literatura alemã, em 2004 com o prémio de literatura da Fundação Konrad Adenauer e, em 2006, com o Prémio Würth de literatura europeia.
A notícia da distinção com o Prémio Nobel da Literatura 2009 apanhou desprevenida a escritora alemã. “Estou surpreendida e ainda nem acredito, de momento não posso dizer mais nada”, disse Herta Müller num comunicado divulgado pela Hanser Verlag, a editora da romancista.
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quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Estranho poema
Estranho poema
Rogel Samuel
Escreveu Pedro Benjamín Palacios, conhecido como "Almafuerte", um estranho poema:
Não se dê por vencido, nem, se vencido, não se sinta escravo, nem, se escravo, não fique trêmulo de medo, imagine-se como um bravo, e ataque feroz, ainda que mal ferido, com a tenacidade do prego enferrujado que velho e gasto, mas volta a prego, sem a estupidez não covarde do pavão que amaina sua plumagem ao primeiro som, continuando como Deus que nunca chora, ou Lúcifer, que nunca lê, ou como o carvalho, cuja grandeza necessita de água, e não a implora ... que morda e se vingue rolando na poeira, sua cabeça!
No te des por vencido, ni aún vencido,
no te sientas esclavo, ni aún esclavo;
trémulo de pavor, piénsate bravo,
y acomete feroz, ya mal herido.
Ten el tesón del clavo enmohecido
que ya viejo y ruin, vuelve a ser clavo,
no la cobarde estupidez del pavo
que amaina su plumaje al primer ruido.
Procede como Dios que nunca llora;
o como Lucifer, que nunca reza;
o como el robledal, cuya grandeza
necesita del agua y no la implora...
¡Que muerda y vocifere vengadora,
ya rodando en el polvo, tu cabeza!
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Tivemos ídolos
Tivemos ídolos
Rogel Samuel
Elizabeth Taylor se submeterá a uma cirurgia cardíaca. Ela tem 77 anos e anda em cadeira de rodas. Ela está envelhecida. Tirou um tumor do cérebro. Mas continua linda. Ela é uma de minhas paixões. Não faz muito tempo ela estava viciada em drogas e álcool. Para nós, para a nossa geração, ela ainda é o último dos monstros sagrados do cinema. Cheia de jóias até na velhice, ela agora se involve em causas sociais e é fiel a seus amigos.
Somos de uma geração afortunada. Tivemos ídolos.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
há fotografias como punhais
há fotografias como punhais
Rogel Samuel
Para ela fotografias há que são punhais, poemas tamém, os poemas todos já foram escritos, reescritos, ela só faz este pedaço do oficio, o oficio das trevas, das argilas, dos pedaços de argila, impressos na chuvas, nos ventos, nas folhas noviças, o pai, a mãe ja partiram, e se foram numa voragem de passado remoto, a moça feia de varíola nunca amada que na taberna de Vladivostoque se ofereceu a Joseph Kessel, como pouca gente sabe, daquela guerra, deste verso, quase desconhecida guerra, mas ela lá esteve, e trouxe o verso, e por isso os outros versos todos já foram escritos, são chagas, são punhais crescendo bem como fogo, porque tudo é um problema insolúvel...
há fotografias como punhais. e poemas também.
todos os poemas que escreverei já foram escritos
dou-me apenas ao ofício das trevas
de os revelar em pedaços de argila
neles todos estão impressos a chuva e o vento
e as folhas noviças dos séculos e
meu pai e minha mãe que já partiram
esvoaçando num passado remoto
e também a rapariga feia e bela desfigurada pela varíola
que nunca fora amada porque não era bela
e que numa noite na taberna de Vladivostoque
se ofereceu derradeiramente a Joseph Kessel
talvez pouca gente saiba deste verso
que nunca terá sido dito deste modo
e foi acontecido durante a guerra sino-japonesa
quase ninguém esteve lá para o ver
mas eu estive. trouxe -o comigo.
é exactamente por esta razão que os meus poemas
já foram todos escritos.
são como chagas alastrando e crescendo em searas de fogo
estando entre a terra e as estrelas.
sei apesar de tudo porque li Juan Gelman
que cada lágrima é um problema insolúvel
MARIA AZENHA
A chuva nos espelhos
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
As vogais de água
As vogais de água
Rogel Samuel
Azenha nos fala de lugares (sagrados) onde chegam sons misteriosos milagrosos estranhos
sons de vogais de água, talvez de chuvas, talvez de fontes, talvez de mares, novos e
reunidos por assomos de memória, por redes vertiginosas de emblemas, de entoações
concentradas por palavras, por luzes e lanternas, por velas em "ii", por projetos
diluídos em água, em feminina água, em espelhos de água, onde transporta seus sonhos
de um lado para outro, abrindo a fórceps um buraco nos espelhos...
vogais de água
há lugares onde chegam vogais de água
lugares novos espantados que assomam à memória
por redes vertiginosas
as suas entoações concentram-se em palavras fabulosas
palavras luminosas sur-
preendidas pelos castiçais dos ii
um projecto de água
digo:
transportar o sonho de um lado para outro
abrir com toda a força um buraco nos espelhos
MARIA AZENHA
A chuva nos espelhos
domingo, 4 de outubro de 2009
A morte de Mercedes sosa
A morte de Mercedes Sosa
Rogel Samuel
Lembramos dela cantando a canção da chilena Violeta Parra, lembramos dela graças à vida, que tanto lhe deu, como os olhos para ver o céu estrelado, o amado, e o ouvir das canções da noite, de grilos e canários, e martírios turbinas latidos e a voz do amado, e o som do abecedário, as palavras e o pensar, a mãe o amigo o irmão a rota da vida e da alma, e os pés sobre as cidades praias e desertos, montanhas e estradas, e a vida o cérebro e o coração dos materiais do canto, de todos, o cantar de todos, o cântico da américa latina.
Gracias A La Vida
Composição: Violeta Parra
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el oído, que en todo su ancho
Traba noche y dia grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él las palabras que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano y luz alumbrando
La ruta del alma del que estoy amando
Gracias a la vida,que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto
Gracias a la vida
sábado, 3 de outubro de 2009
FOTO
O espírito olímpico
O espírito olímpico
Rogel Samuel
Um jornal americano disse que a escolha do Rio significava a humilhação de Obama. Isto é o oposto do espírito olímpico que diz que o importante é competir, e que não vencidos nem vencedores. "Recordar o espírito olímpico é, por outro lado, aderir a uma aspiração de harmonia, cultura e paz universais, numa permanente busca da concretização de uma utopia, na crença na capacidade humana de construir o ideal. Sem esquecer, pois, a importância da presença de um ideal messiânico , estamos a celebrar o homem na dimensão de promotor da paz e do progresso , na sua capacidade de realizar e de sonhar , e de sonhar até com ideais de glória. Estas vertentes de exaltação da capacidade humana têm fortes raízes na cultura greco-latina".
É o que se lê em "O Espírito Olímpico no novo milénio", publicação do II Congresso da Associação Portuguesa de Estudos Clássicos. Excerto do prefácio de Francisco de Oliveira, publicada pela Universidade de Coimbra.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Um soneto de Shakespeare
Um soneto de Shakespeare
Rogel Samuel
Ele começa por belas criaturas cujas formosuras de juventude queremos que nunca morram, que nunca cheguem ao outono, ou que, quando cairem as flores, guardemos na memória a sua bela herança de beleza.
Depois, pergunta clássica: por que te guardas, ó jovem, para quê? para quem? por que a ninguém amas, por que a adversidade já que és o ornamento do mundo? Guardas tua beleza para a tua própria velhice? Cantor ou cantora da primavera, egoísta, esperas pelo túmulo para colher os louros que te foram servidos...
Traduzimos:
SHAKESPEARE
Daquelas belas criaturas retorno ansiamos,
A que suas belezas nunca morram
E quando cair do tempo o Outono
Guardemos na memória sua herança.
E Tu, que só teus belos olhos amas,
Te alimentas apenas de tua própria chama
E produzes fome onde abundância existe
Por que teu suave ser é tão adverso?
Pois és do mundo agora o ornamento
És o único cantor da primavera
E recusas em ti o teu contentamento
Egoísta da natureza que há contigo
Do mundo não tens piedade, nem lamentas
Se colher no chão do túmulo o que te foi servido
(trad. Rogel Samuel)
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Bilac
Bilac
Rogel Samuel
Ele escreveu um soneto famoso, bendito o que fez na terra o fogo, o teto, a charrua, a enxada, o que plantou o pão do trigo, e forjou o ferro, o que fez o jazigo, a casa dos mortos, o que fabricou o alfabeto, e deu esmola, e fez o barco no mar, a vela ao pano, e inventou o canto, a lira, o dominou o raio, e alçou o aeroplano, e descobriu a esperança, essa mentira, essa ilusão:
"Benedicite"
Bendito o que na terra o fogo fez, e o teto
E o que uniu à charrua o boi paciente e amigo;
E o que encontrou a enxada; e o que do chão abjeto,
Fez aos beijos do sol, o oiro brotar, do trigo;
E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto
Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo;
E o que os fios urdiu e o que achou o alfabeto;
E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;
E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano,
E o que inventou o canto e o que criou a lira,
E o que domou o raio e o que alçou o aeroplano...
Mas bendito entre os mais o que no dó profundo,
Descobriu a Esperança, a divina mentira,
Dando ao homem o dom de suportar o mundo!
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