O ROMANCEIRO
Rogel Samuel
No
início do "Romanceiro da Inconfidência", há uns versos que dizem:
"Não
posso mover meus passos / por esse atroz labirinto". Cecília parece
perdida no passado daquela história. "- pois sinto bater os sinos /
percebo o roçar das rezas, / vejo o arrepio da morte, / à voz da
condenação". Esses versos sempre me impressionaram, sempre me lembraram
Minas, São João del Rey, Ouro Preto. Em Ouro Preto há uma estátua que simboliza
a Justiça, a Culpa, o Medo, o Terror. É um ser assexuado, que segura uma espada
apontada para fora, para o espectador, para mim. Uma espada pontiaguda, aguda e
fina. Os lábios estão sorrindo, como deve sorrir a Morte, a Tortura, a Dor.
Remete a um outro poema do "Cancioneiro": - o cenário: "Eis a
estrada, eis a ponte, eis a montanha / sobre a qual se recorda a igreja branca.
// Eis o cavalo pela verde encosta. / Eis a soleira, o pátio, e a mesma porta.
// E a direção do olhar". Não sei por que sempre associei este olhar com a
ponta daquela espada. A estátua está sentada e aponta da espada para frente. É
uma alegoria do poder, e fica no alto da casa onde o Poder se exercia, talvez
"A Casa do Contos". Não. Não me sinto bem, em Ouro Preto. Assim como
São João Del Rey me parece uma cidade em luto. "Correm avisos nos ares, /
Há mistério em cada encontro". Tudo se mistura com cartas, amores,
traições. Símbolos. "O país da Arcádia / jaz dentro de um leque". O
sorriso da maldade à "cálida luz de trêmulos pavios". Ninguém
conseguiu a metáfora do passado, como este poema. "Assim viveram",
diz ele, a todo instante. A espada, a cruz, o louro. Cecília escuta o tempo, as
rosas, os muros. As vozes vêm de 1700, o vento é testemunha: "Selvas,
montanhas e rios / estão transidos de pasmo." Há perguntas em toda parte, em
toda sombra, em cada rasto. Cecília busca o passado como quem cata ouro. Teme
queimar seus dedos com a ponta daquele inferno, daquela espada. Pois "a
sede de ouro é sem cura".
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