domingo, 13 de setembro de 2015

ULISSES, REIZINHO E BRUCUTU



ULISSES, REIZINHO E BRUCUTU


afonso de carvalho

Bem sabes que esta crônica que estou escrevendo, para o dia 4 que iremos viver, bem sabes que é uma divagação sobre a minha própria pessoa, mas toda ela está impregnada de ti, de tua lembrança imorredoura, e nesta crônica haverá muita música, porque agora, estou ouvindo a tua voz e por isso contarei uma história do que eu desejaria ser no dia 4. hoje que vai passar. Conto essa história, sim, porque sei que ela enternece os teus ouvidos, e porque essa é uma história que noutros tempos eu vivi. Lembrei-me repentinamente daquele Ulisses de Saroyan, sabes? E assim como me lembrei de Ulisses, poderia, também, me lembrar do ingênuo Reizinho das histórias de Soglów, ou do Capitão América ou mesmo do simplório e rude Brucutú, que estes são cavalheiros muito importantes, segundo eu penso. É que somos crianças, apesar de tudo, doce coração. Para que pensar em bombas atômicas? Para que pensar em delírios mortais de angústias humanas? ou em gemidos do sub-solo que, se os ouvíssemos agora, nos cortariam o coração? Para que? Não, voz amiga do terno sentimento. Ulisses pelo menos ficará aguardando a passagem da vida, metido nas suas calcinhas rotas de menino vagabundo, e estará contente quando o trem soltar o apito saudoso na curva da estrada, deixando o seu penacho de fumo bailando no ar. Então Ulisses irá embora, assobiando e tropeçando nau pedras do caminho, porque para ele a vida acabou, a vida é somente a paisagem do trem. Pois, assim mesmo doce coração, é a emoção que sinto por ti, neste 4 de novembro que iremos viver. Não haverá festas nem flores. 
Tudo será silêncio e indiferença. Estarei no exílio e não falarei com ninguém. De que me serve falar com alguém que não sejas tu? E de que poderia eu falar, se tenho a certeza de que ninguém ia. compreenderia, a não ser tu, Coração terno e querido? Também não desejarei ouvir palavras estranhas, assim como o Ulisees de Saroyan se despedia da vida à passagem do trem pela. curva da estrada. Em momentos como este é quando tudo perde a cor, e nada interessa, amada minha. Sem ti nada existe. A vida se transforma num vácuo os violinos permanecerão mudos, o sol esconder-se-á na paisagem silenciosa das sombras. 
O sorriso das crianças ó terna, ó infantil bondade de Ulisses, orai por nós.... 


(In Vozes azuis. Manaus, Sérgio Cardoso, 1956)

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