segunda-feira, 31 de agosto de 2015

VIAGEM



Viagem

Preparo-me para viagem
em breve naquela sala
Aeronave não, ave 
mergulho no passado. 
Certas ruas, certas casas
Calçadas
pisadas pelos meus mortos.

Mas o rio Negro passa, 
em silêncio ameaçador. 
Me ameaça com sua mordaça.

(Rogel Samuel)

J. G. DE ARAUJO JORGE



SE...

Se eu pudesse parar a minha vida
e dar a eternidade a um só momento,
- se eu não tivesse o meu destino preso
ao destino das cousas nos espaços...

Se eu pudesse destruir todas as leis
e dentro do Universo que se move
parar meu mundo,

- havia de escolher esse segundo
em que você estivesse nos meus braços !

J. G. DE ARAUJO JORGE


A ESTRADA


A ESTRADA

Rogel Samuel

Da sinuosa estrada entre as montanhas verdes vem uma barreira horizontal. No alto, um céu brilha como um cristal fosco e imóvel. Estamos na Mantiqueira. E passamos a divisa dos Municípios de Delfim Moreira e Venceslau Brás. Os rios do Brasil estarão todos poluídos? Dia virá em que vamos ter falta de água potável. O Rio Sapucaí está ameaçado pelo lixo. Mas os bois, no grande pasto, parecem em paz. À margem, um caminhão tombado. É um gigante morto. Leio um poema de Guillén, traduzido por Thiago de Mello. As estrofes, os versos se embaralham na minha mente. Guillén, um dos poetas preferidos de certo aluno de literatura no Colégio Estadual. Eu já vinha lendo poesia desde que encontrei Camões num livro de primeiro grau:
Oh! lavradores bem-aventurados,
se conhecessem seu contentamento.
Aqueles versos cantam agora, vendo os bois no pasto. Até hoje ouço o compasso daqueles versos. A estrada sinuosa e verde continua. Um dia chegarei ao fim.
Mas o deserto está crescendo. Na serra da Mantiqueira, região de Piquete, desapareceram as florestas. As montanhas despontam, secas, nuas. Isso até parecia natural na Via Dutra, mas ali é novidade. Dali até o vale de Itajubá a devastação avançou em poucos meses. À direita da estrada pode-se ver um lixão às
margens do rio que vai cortar a cidade de Itajubá e onde poucos quilômetros abaixo crianças tomam banho e adolescentes nadam. De Itajubá até Poços de Caldas as antigas vilas se transformaram em cidades que, sem planejamento, estão plantadas no meio da planície deserta de avermelhado de barro. Na próxima grande chuva o rio que corta a cidade de Itajubá pode transbordar, entulhado. O nosso país caminha para um
desastre ecológico: o rios se transformaram em esgotos escuros, e os riachos se transformaram em valas negras. “O deserto está crescendo. Desventurado quem abriga desertos”.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O ESCRITOR ISSAC MELO NOTICIA



O escritor Rogel Samuel enviou-nos alguns exemplares de "Fios de luz: aromas vivos", trabalho em que disserta sobre o poema "Retrato de mãe", do poeta acreano Jorge Tufic; e o romance "O amante das Amazonas", que já alcançou um lugar de destaque nas letras amazônicas. Um exemplar de cada livro vai para as duas principais bibliotecas públicas de Rio Branco, e outros exemplares para a Biblioteca de Tarauacá. Obrigado, amigo Rogel. Gratidão.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

CABRAL por Rogel Samuel



CABRAL por Rogel Samuel

Numa reunião elegante, todos se exibiam, e falavam vários idiomas, citando alto a erudição e as joias:
João Cabral de Melo Neto, sentado num canto em silêncio:
- E o poeta, não  diz nada? – pergunta uma voz.
- Quem? Eu? So falo pernambuquês...
E eu me lembrei de seu poema: “Graciliano Ramos”:


Falo somente com o que falo:
com as mesmas vinte palavras
girando ao redor do sol
que as limpa do que não é faca:

de toda uma crosta viscosa,
resto de janta abaianada,
que fica na lâmina e cega
seu gosto da cicatriz clara.

***

Falo somente do que falo:
do seco e de suas paisagens,
Nordestes, debaixo de um sol
ali do mais quente vinagre:

que reduz tudo ao espinhaço,
cresta o simplesmente folhagem,
folha prolixa, folharada,
onde possa esconder-se a fraude.

***

Falo somente por quem falo:
por quem existe nesses climas
condicionados pelo sol,
pelo gavião e outras rapinas:

e onde estão os solos inertes
de tantas condições caatinga
em que só cabe cultivar
o que é sinônimo da míngua.

***

Falo somente para quem falo:
quem padece sono de morto
e precisa um despertador
acre, como o sol sobre o olho:

que é quando o sol é estridente,
a contrapelo, imperioso,
e bate nas pálpebras como
se bate numa porta a socos.


CABRAL. Terceira feira (1961). 

e eu bebo veneno pelos olhos














e eu bebo veneno pelos olhos
quando vejo a tua forma de partir
que ela se torna numa larva preta
a espuma do mar fervente em cada mão
o desiderato rumo dessa casa feita
a linha errada em cada palma, o não
estarmos à roda desfibrada estreita
limita o mar que nos fareja o cão.
distúrbio funcional, minha malignidade
espectro desse quarto quando um morto
vagueava entre vivos a nos aterrorizar
humores, forma aquosa, vítrea,
e cristalina capa de estampadas letras.
eras superfície, punção, a gata morta
no leva e traz das ondas da maré
marco divisório de teus passos.

(Bournemouth, UK, 19 de agosto de 2007)

rogel samuel

domingo, 23 de agosto de 2015

A megaloteria
















A megaloteria

Rogel Samuel

Se eu ganhasse essa megassena talvez fosse morar no Hotel Ritz, em Paris por um tempo. Lá teria inspiração da prosa de Proust.

Ou no Rio fosse morar no Copacabana Pálace, no mesmo apartamento da Madona. De lá se vê o mar, de lá se vê a piscina tremeluzir.

Mas meu sonho de consumo é este:

http://www.rolls-roycemotorcars.com/


Não sei onde poderia andar de Rolls-Royce no Rio de Janeiro. Lembro-me de uma piada acerca do carro. Numa reunião da diretoria, um diretor bem velho disse:

- O novo carro é tão silencioso que só se ouve o tic-tac do relógio.
Ao que outro diretor mais velho retrucou:
- Precisamos dar um jeito neste relógio...

Seria bom com o dinheiro da loteria montar uma editora e ter muito prejuízo publicando bons e belos livros. E fazer um filme. Adoraria fazer um filme sobre a Amazônia, sobre o roteiro que tenho escrito e que um dia ainda transformo em romance.

Publicarei no blog.

Nem preciso da megassena.

sábado, 22 de agosto de 2015

DOCES FANTASMAS



DOCES FANTASMAS

ROGEL SAMUEL


Doces fantasmas esvoaçam os ares dentro de meu quarto. Parecem pássaros, invisíveis voam. Eles passeiam, bailam, mas não aparecem, ou não os vejo, somem nas cortinas da noite, mas me despertam, como no super-soneto de Pessoa:

Súbita mão de algum fantasma oculto
Entre as dobras da noite e do meu sono
Sacode-me e eu acordo, e no abandono
Da noite não enxergo gesto ou vulto.

E eu acendo luzes, ouço a madrinha da madrugada. Medito. Ligo a TV, mas logo desisto, desligo. No fim perco o sono, e...:

Mas um terror antigo, que insepulto 
Trago no coração, como de um trono
Desce e se afirma meu senhor e dono
Sem ordem, sem meneio e sem insulto.

Acordo. Tento entender o terror antigo, insepulto. Resolvo ouvir música, assim baixinho, no headphone. Afinal é tarde, muito tarde. Perco as horas. Ouço o CD, comprado durante aquela tarde, onde Wilhelm Backhaus, em gravações de 1929 e 1932, toca o concerto n01, de Brahms. O disco ainda estava lacrado.

E eu sinto a minha vida de repente
Presa por uma corda de Inconsciente
A qualquer mão nocturna que me guia.

Backhaus, diz um crítico, está para os outros pianistas com o monte Everest sobre as outras montanhas. «Majestade e sutileza, técnica sobre-humana, presença e graça». Tocou por cerca de 70 anos, e foi um dos primeiros a gravar um disco. Dizem que ele teve duas fases, antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Antes demonstrava vitalidade, emoção. Depois, entristeceu.  

Sinto que sou ninguém salvo uma sombra
De um vulto que não vejo e que me assombra,
E em nada existo como a treva fria.

Escreveu Backhaus, «quanto mais simples, mais belo». Ele não era chegado às aparições espetaculares. Era modesto, ainda que idolatrado, reconhecido, famoso. Suas interpretações equilibradas, a delícia de seus ouvintes, não para a demonstração de sua virtuosidade pianística. 

Depois do concerto volto a dormir. Em êxtase. Os doces fantasmas da música me conduzem a um lugar de extraordinária e lúcida beleza, embora onírica, e «sinto que sou ninguém salvo uma sombra», que «em nada existo como a treva fria».

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

4 - A CHAVE DA FELICIDADE por Lundrup Tashi


4 - A CHAVE DA FELICIDADE por Lundrup Tashi 

Aprenda a treinar a mente repetindo mentalmente "felicidade!" "felicidade!" "felicidade!" até sentir-se realmente feliz, irradiando felicidade – e aí continue desejando felicidade para todos os seres e acreditando na força mental-material de sua mente. Olhe ao redor, se os outros sorrirem para você é que estão sentindo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

3 A CHAVE DA FELICIDADE por Lundrup Tashi



A CHAVE DA FELICIDADE por Lundrup Tashi 

3. Aprenda a olhar. A chave da felicidade está no olhar. Aprenda também a ouvir. Contemple o céu, a paisagem do vale, as montanhas. Veja as pessoas, descubra a beleza! Veja, sinta com todo o corpo. Ouça a beleza!

terça-feira, 18 de agosto de 2015

A CHAVE DA FELICIDADE por Lundrup Tashi



A CHAVE DA FELICIDADE por Lundrup Tashi

2. Mantenha o otimismo. Seja o que for que aconteça, aprendendo a rir até da própria desgraça. Não há desgraça que sobreviva a uma boa gargalhada. Diga: "Sempre poderia ser pior". 

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A CHAVE DA FELICIDADE por Lundrup Tashi






A CHAVE DA FELICIDADE por Lundrup Tashi

1. Não fique pensando muito em si mesmo, nos seus problemas, na sua própria vida. A chave da felicidade é não pensar muito 

em si mesmo, o tempo todo, mas voltar-se para o exterior, para os outros, para a vida e felicidade dos outros.

(QUADRO DE LYRIA PALOMBINI)


sábado, 15 de agosto de 2015

LEILA JALUL


ESTOU LENDO A "SUINDARA", DE LEILA JALUL, SUAS MEMÓRIAS ACREANAS EXCELENTES...DEPOIS DE LER A "LUZINETE"

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

TENREIRO ARANHA

TENREIRO ARANHA

ROGEL SAMUEL


        Poucos poetas foram tão misteriosa, inusitadamente famosos como ele. Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, prosador e poeta, nasceu e faleceu no Amazonas (1769-1811). Era um poeta leve, arcádico, que veio a ser publicado na leva daqueles momentos de patriotismo do Século Dezenove, em 1850 por seu filho, João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha, o primeiro Governador da Capitania do Rio Negro.
        Ele nasceu em Barcelos, cidade antiga, primeira capital da antiga Capitania do Rio Negro (posteriormente Amazonas). Seu famoso “Soneto à parda Maria Bárbara, mulher de um soldado, cruelmente assassinada, porque preferiu a morte à mancha de adúltera”, entretanto, sempre nos surpreende pelo inusitado do assunto popular. Não se trata de um poema a alguma alta e bela dama da corte, ou ao Governador do Estado do Pará, ou a algum ilustre e poderoso fidalgo.
        Mas a uma “parda”, ou seja, a uma Maria Bárbara, mulher de soldado.
        Aquilo não era coisa muito comum. O interesse pelo povo humilde, mesmo depois de uma tragédia, na época, não era tema de literatura.
        O famoso soneto do primeiro artista autenticamente amazonense é esse:

Se acaso aqui topares, caminhante,
Meu frio corpo já cadáver feito,
Leva piedoso com sentido aspeito
Esta nova ao esposo aflito, errante...
Diz-lhe como de ferro penetrante
Me viste por fiel cravado o peito,
Lacerado, insepulto, e já sujeito
O tronco feio ao corvo altivolante:
Que dum monstro inumano, lhe declara,
A mão cruel me trata desta sorte;
Porém que alívio busque a dor amara
Lembrando-se que teve uma consorte,
Que, por honrada fé que lhe jurara,
À mancha conjugal prefere a morte.


        Ora, quem fala é a vítima, já cadáver feita. Quem fala é o cadáver de u’a mulher, outra novidade. Não um belo corpo bem tratado, empoado, de cortesã viçosa, mas o putrefato cadáver de alguém, pardo, na beira da estrada, corpo já frio, corpo de crioula ou de cafuza morta, corpo morto.
        O cadáver tem um recado a dar. Um recado, uma nova, uma notícia dela para o esposo aflito, que, se aflito não a sabe morta. “Leva piedoso”, significa, “por favor, por piedade, diz para meu marido que morri”.
        Sim, o poeta está interessado na sorte da “mulher de soldado”, morta, parda, insepulta. Talvez estuprada.
        Ela já diz que preferiu a morte à “mancha conjugal”. Quer que o esposo busque nisso o alívio à dor amara.
        Hoje, Tenreiro Aranha é rua de Copacabana, rua sem saída, que começa na Siqueira Campos. Ex-Travessa Trianon.
        Em outro soneto, canta o poeta:

  Passarinho que logras docemente
  Os prazeres da amável inocência,
  Livre de que a culpada consciência
  Te aflija, como aflige ao delinqüente;
  Fácil sustento e sempre mui decente
  Vestido te fornece a Providência;
  Sem futuros prever, tua existência
  É feliz limitando-se ao presente.

  Não assim, ai de mim! Porque sofrendo
  A fome, a sede, o frio, a enfermidade
  Sinto também do crime o peso horrendo...

  Dos homens me rodeia a iniqüidade
  A calúnia me oprime, e, ao fim tremendo
  Me assusta uma espantosa eternidade.

         Note-se que há dois Aranhas: Além do poeta, que se chamava Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, existe seu filho, João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, o primeiro Governador da Capitania do Rio Negro, em 1850. É quando se constrói a Catedral, que não é bela, mas imponente. Dizem que foi construída com trabalho escravo indígena. Nesta época Manaus se torna centro político. Começa o comércio da borracha e piaçava.
`        O poeta cedo ficou órfão. Seu tutor o colocou na lavoura, junto com os escravos.Com doze anos inicia estudos com um vigário. Interno no Convento de S. Antônio de Belém. Os bens familiares do menino foram “confiscados”, literalmente pelo Fisco. Devem ter sido roubados. Já adulto, foi nomeado para um cargo público, foi demitido por intrigas políticas. Depois, o Conde dos Arcos, Governador do Grão Pará, o faz Escrivão. Dizem que o poeta era um erudito, tinha sólida cultura, e sabia grego. Traduziu Odes de Píndaro.
        O segundo soneto louva a “inocência”, logra docemente os prazeres da amável inocência, “livre de que a culpada consciência / Te aflija, como aflige ao delinqüente”. É obra leve, bela, clássica. O tema, bem ao gosto do Renascimento: “Sem futuros prever, tua existência / É feliz limitando-se ao presente”. Mas o ambiente é arcádico. Não é amazônico. Nada mais agressivo do que a Floresta Amazônica, com seus espinhos, insetos, aranhas, escorpiões, formigas venenosas, serpentes e pântanos. Não, não se tem ali “Os prazeres da amável inocência”. Nem o “Fácil sustento e sempre mui decente”. Não, isso não é amazônico.


FIM DE TARDE (ROGEL SAMUEL)

FIM DE TARDE (ROGEL SAMUEL)


Fim de tarde. Leves passos me levam pelo calçamento da rua Gonçalves Dias. Passos lentos, na imaginação dos versos: «Se se morre de amor! — Não, não se morre, Quando é fascinação que nos surpreende De ruidoso sarau entre os festejos».

Amor! delírio — engano... Sobre a terra
Amor também fruí; a vida inteira
Concentrei num só ponto — amá-la, e sempre.
Amei! — dedicação, ternura, extremos
Cismou meu coração, cismou minha alma,

Amor! enlevo d'alma, arroubo, encanto
Desta existência mísera, onde existes?
Fino sentir ou mágico transporte,
(O quer que seja que nos leva a extremos,
Aos quais não basta a natureza humana;)
Simpática atração d'almas sinceras
Que unidas pelo amor, no amor se apuram,
Por quem suspiro, serás nome apenas?

Um homem me passa um adesivo eleitoral que o ponho no peito, meu candidato. Deve perder. A militância de braços cruzados. Fico imaginando se, alguma vez, Gonçalves Dias passou por aqui, pela Rua Gonçalves Dias. Gênio, publica «A canção do exílio», com vinte anos – único poema que entrou no Hino Nacional Brasileiro, suprema glória. Foi professor em Niterói. Olho as casas. Que segredos escondem elas? Que histórias nos poderiam revelar?
Gonçalves Dias foi amante fracassado. Viajou pelo Amazonas, pelo Madeira e pelo Negro. Podia ter lá encontrado cabocla risonha, como são, mas fixou-se em Ana Amélia, de 14 anos, recusada por ser ele mestiço. E bastardo.
O mesmo aconteceu com Dona Clarisse Indio do Brasil. Que se apaixonou por um mestiço, o Almirante Indio do Brasil. Ela era uma Condessa Laje, como escreveu sua neta, a escritora Clarisse de Oliveira: «Clarisse Lage nasceu em 4 de abril, talvez no ano de l869. Casou-se contra a vontade da família com Arthur Índio Do Brazil e Silva, em 23 de Janeiro de l893».  Arthur foi Chefe de Segurança no Pará, Presidente do Conselho de Intendência de Belém, Deputado Constituinte Federal, Almirante e Senador, e em 23 de dezembro  de 1925, feito Marquês pelo Papa. 
D. Clarisse teve morte trágica. Quando se rompeu seu colar de  pérolas e, recolhidas, nenhuma faltava, ela disse: "Nem mais um dia de vida - a morte está próxima".
Foi morta por um viciado em cocaína e alcoólatra, no dia 6 de outubro, às l8:30 horas,  no centro da cidade, esquina da Rua do Ouvidor com a Ourives.
Talvez fosse um crime político, de um louco terrorista da época: Ela era rica e aristocrática, e o assassino tinha passado pela Escola militar, reduto republicano. O Senador tinha um escritório na Rua da Alfandega, 94. Clarisse costumava buscar o marido no trabalho todas as tardes.  Quando o "Landaulet" estacionou, ouviu-se um tiro, e apareceu o "toillett" azul da senhora Indio do Brazil. Ela estava com a mão esquerda sobre o peito e a direita agarrada ao  trinco da portinhola.
Morreu dias depois. Nas suas últimas palavras, pede perdão ao assassino. Diz ao  marido:  "Perdoa, Coração!" E morre.
Antes de morrer, Gonçalves Dias encontra Ana Amélia, que passa por uma rua, já casada. Escreve: «Enfim te vejo! — enfim posso, Curvado a teus pés, dizer-te, Que não cessei de querer-te, Pesar de quanto sofri.» Mas ela finge não vê-lo, não o conhece: «Mas que tens? Não me conheces? De mim afastas teu rosto? Olha-me bem, que sou eu! Nenhuma voz me diriges!... Que me enganei, ora o vejo; Nadam-te os olhos em pranto, Arfa-te o peito, e no entanto Nem me podes encarar; És doutro agora, e pr’a sempre! Eu a mísero desterro Volto, Adeus qu’eu parto, senhora; Negou-me o fado inimigo Passar a vida contigo, Ter sepultura entre os meus; Negou-me nesta hora extrema, Por extrema despedida, Ouvir-te a voz comovida Soluçar um breve Adeus!»


Sou atraído pelos sons de estranha música. Vêm da Confeitaria Colombo. Entro. Olho deslumbrado para dentro dos grandes espelhos, maiores agora na escuridão da noite. Dentro dos espelhos, os mortos aparecem de sobrecasaca.


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A TV ESCONDEU



A TV ESCONDEU
O Brasil fez hoje a maior marcha de mulheres do mundo. Você viu cobertura na mídia? Flashs ao vivo? Ouviu o quem tem a dizer as 100 mil margaridas que floriram Brasília? Pois é! Somos um país com fome de jornalismo livre e comunicação democrática com foco no interesse público. ‪#‎DemocratizaJá‬ ‪#‎PorUmaMídiaQueNãoIgnoreAsM

QUE IMPORTA O AREAL E A MORTE E A DESVENTURA?



QUE IMPORTA O AREAL E A MORTE E A DESVENTURA?

Rogel Samuel


A leitura do romance histórico de Aydano Roriz, «O Desejado», me fez reler a terceira parte da MENSAGEM de Fernando Pessoa.

'Sperai! Cai no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus

O romance me surpreendeu. Em vários pontos.
O autor diz que o jovem rei era hermafrodita, e por isso não se casou.
Seu cadáver foi embalsamado em Marrocos, e anos mais tarde resgatado por Felipe de Espanha.
Oh, tudo é mistério, e não «haverá rasgões no espaço / que dêem para outro lado»...
Romance intrigante, momentos de rara beleza. Mas volto ao mito. Prefiro o mito.
Sou, a meu modo, um sebastianista (mais seria se não fosse, para tanto viver tão curta a vida...). Por isso Camões entregou seu poema a D. Sebastião.
O jovem rei, no livro, é rapaz extremamente religioso, pudico, puritano, se delicia a matar porcos na cozinha, a assistir às sessões de tortura, ao suplicio dos condenados. Havia condenados pelos mais extremos e hediondos crimes, como o crime da masturbação, por exemplo.
A obsessão do rei em matar-mouros lembra certo presidente de nação distante, hoje. Conflito que vem de longe, entre nossa boníssima e caridosa civilização cristã e a dos cruéis árabes pagãos. Mas:

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Devemos a D. Sebastião o nome da nossa cidade do Rio de Janeiro.

Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

Talvez seja Mito.
Prefiro o Mito.

«No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião».

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

25º capítulo de "A PANTERA"


25º capítulo de "A PANTERA" EM:
Blocos Online - Literatura - Coluna de Rogel Samuel - Crônicas
Meu tio faleceu pouco depois. Foi outra imensa, grande perda. Ele me fez herdar o sítio, cujo valor não era grande coisa. Não fui ao seu sepultamente. Ele foi achado morto dias depois.
BLOCOSONLINE.COM.BR|POR BLOCOS


http://www.blocosonline.com.br/home/index.php

domingo, 9 de agosto de 2015

A terceira Ode de Horácio



A terceira Ode de Horácio

Rogel Samuel


O inicio da Ode III de Horacio assim traduzimos e nos diz:

Para a nave que leva Virgilio


Nave, que leva Virgilio, você leva
A metade de minha alma.
Por isso peço à amorosa deusa
de Chipre e ao pai dos ventos
que o restituam a salvo
para as areias Áticas
Como fizeram aos irmãos da bela Helena,
brilhantes astros.


O seguimento da ode é de difícil e trabalhosa tradução. Faz uma reflexão sobre os perigos do mar.

Minha primeira professora de latim na Faculdade foi Z. Autran. Na época havia latim no vestibular. Não me lembro como se escrevia seu primeiro nome. Era tia de Paulo Autran.

Certa vez ficamos dias reunidos para traduzir uma Ode horaciana. O texto não fazia sentido.

Nunca estudei tanto quanto naquele tempo o latim.

Mas eu era burro mesmo e tinha péssima memória.

Meu professor de latim no Vestibular foi Antonio Pio. Um verdadeiro gênio. Lia no original o texto latino como quem lê português. Anos depois foi professor da Universidade mas aposentou-se cedo, vítima de doença misteriosa. Voltou para Franca, SP, e nunca mais o vimos.

Depois de dias de luta com uma estrofe de Horácio, recorremos a ele. E ele, como quem toma um jornal, deu uma olhadela nos versos e logo disse:

- Não dá sentido porque esta palavra aqui não é latina, mas grega. E imediatamente nos dava a tradução.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Sete dias serão, Manaus, ó sete amadas











Sete dias serão, Manaus, ó sete amadas


Rogel Samuel


Sete dias serão, Manaus, ó sete amadas,
Por que se integre à terra este cantor.
Ó monstruosas noites desamparadas
De mim se aparte a porta dessa dor.
O espelho dágua ostenta a aranha alada
Que me arrasta o interno aeroplano,
Tresloucada vespa, cristalizada
Inoculando o inferno do engano.
Mas chega de canção, Amor, que neste canto
As finas rimas dessa ladainha
Escondem teus morenos ombros de arpejos.
Ó franca zona! Do Teatro o manto!
Por sete dias tua canção é minha
Na invenção literária dos teus beijos.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

PARIS



Paris

Rogel Samuel 


Havia uma  chuva fina que molha o chão das ruas e põe as folhas das árvores pensativas. Nas três vezes anteriores que estive em Paris chovia sempre. Como todo amazonense, adoro Paris. Sonho morar em Paris, como os amazonenses da época de meu avô. Manaus, réplica, miniatura de Paris. Existia a Casa Louvre, A la ville de Paris, Café da Paz, Au  bon marché, Livraria Palais Royal, Casa Sorbonne, Bijou . "Manaus, pequena Paris". Boulevar Amazonas, Boulevard Álvaro Maia. "A  samaritana". Manaus, toda francesa. Na "Praça da Polícia", uma réplica do "Temple d'amour",  de Versailles. Quando a borracha faliu, os comerciantes quebraram,  mudaram-se para Paris, Lisboa. Os jornais da  época marcam anúncios, despedida. Bela maneira de ir à falência: Iam para Paris. Onde já estudavam seus filhos. Um amigo reacionário me diz, com indignação: "A filha do Lula estuda em Paris". Meu pai estudou em Paris, no entre-guerras. Na realidade, ele era francês, ainda que tivesse nascido a bordo do navio Adamastor, em Remate de Males, que eu só sei onde fica devido a um livro de Mário de Andrade. Antes que a malária matasse todas as crianças nascidas ali, meu  avô, que era alsaciano, transbordou sua mulher e filho para um navio  inglês que passava. O menino ficou em Estrasburgo, a bela cidade, a  Catedral mais bela do mundo. Aliás, ele morava perto da Catedral.  Acordava ao som de seus sinos. A catedral é maior do que a  própria cidade.  Um dia, estando em Frankfurt, em casa de Karl Joseph, eu  disse: "Vou ver Estraburgo". E ele respondeu: "Eu levo você". Fomos, que era domingo, eu, ele e sua esposa brasileira. De Estrasburgo, mandei um  cartão para meu pai, ainda vivo. Lá, depois do almoço, quiseram voltar. No dia seguinte trabalhavam. Eu disse: "Não volto sem ver e ouvir o relógio da Catedral". Passei a infância  ouvindo falar daquele relógio. Karl Joseph e a mulher foram descansar num hotel, na estrada, eu esperei dar 6 horas da tarde  dentro da Catedral.  A primeira coisa que aconteceu foi abrir-se uma portinhola e dali sair  um boneco mecânico, um esqueleto vestido de Morte, bateu com um  martelinho num sininho. Aquilo ecoou por toda a nave. Ao que o grande sino da Igreja respondeu, solene. Grave.  Chove sempre que estou em Paris. Com Annie Gerault, que não tem medo de chuva, cortamos o Bois de Vincennes, pelas margens do lago "des  Minimes", sob chuva forte, à noite. Annie já faleceu, morava na Rue Fondary, não longe da  Torre Eiffel. Um dia fomos ver a nova iluminação da Torre. Depois, já bem tarde, Annie quis passear pela noite, no Jardin du Luxembourg. Como carioca, logo pensei em assalto. O jardim estava deserto, mas a sensação  era de calma. Lembrei-me então: não estávamos no Rio.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

MEU PAI



ROGEL SAMUEL (NA FOTO, COM SUA IRMÃ)
Meu pai tocava piano, e passou a vida estudando violino. Certa vez, viajava pelo interior do Amazonas, como sempre fazia, e começou a praticar a partita de Bach. Ele usava sua própria lancha, acompanhado de um jovem caboclo calado, índio silencioso, que lhe servia de marinheiro. 
Meu pai aprendera a tocar violino em Strasburgo. Desde criança. Era francês. A partita tinha de ser repetida, horas repassavam as partes difíceis, A viagem prosseguia. Suas viagens eram longas, ele se ausentava de nossa casa às vezes por um mês, a serviço do BASA, onde era "fiscal rural", ou seja, quem verificava os seringais e plantações de juta. 
Passaram-se muitos anos. 
Um dia, bem mais velho meu pai, viajava pelo Rio Juruá teve de pernoitar onde se realizava a festa. Bebia-se e dançava-se durante a noite, e ele foi convidado, no lugar todo funcionário público (ou privado) era "autoridade". Uma indelicadeza recusar. 
Num intervalo da festa um dos músicos se apresentou: 
-- Não me conhece, sr. Samuel? 
Meu pai não se lembrava. Aí o homem perguntou:
-- O senhor ainda toca aquela musiquinha? 
E tocou a Partita n. 1 de Bach ao violão.

FERNANDO PESSOA

FERNANDO PESSOA. EDITORA ITATIAIA   - PREFÁCIO DE ROGEL SAMUEL

ÍNDIOS


Como cantavam os índios do Amazonas:

“Comerei teu corpo no crânio da tua cabeça
Sobre tuas cinzas dançarei
E exultarei!”

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O Quinto Império










O Quinto Império

Rogel Samuel




Abandonar o aconchego da lareira, do lar, do ninho, e lançar-se no sonho, no erguer das asas, abandonar a felicidade, a paz da vida que apenas dura, a espera da sepultura, o contentamento e lançar-se para as conquistas, para a Conquista, para o realidade do Quinto Império.

Que seria o Quinto Império?

O Quinto Império foi imaginado por Vieira: os quatro Impérios eram dos Assírios,
dos Persas, dos Gregos e dos Romanos.

Pessoa diz que os quatro primeiros impérios são o Império Grego, Romano, o Cristianismo e a Europa.

Seria a Era de D. Sebastião.

Oh, triste de quem fica em casa, feliz com seu lar. "Vive porque a vida dura". Não tem alma, ou nada lhe diz mais que a espera da sepultura.

Ser descontente! Viajar! Perder e perder-se em países! Um dia a terra será o Teatro do Dia Claro do Quinto Império... parece que o Quinto Império deve ser procurado, não construído.

Será que o Quinto Império não seria o próprio Fernando Pessoa?


Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.


Grécia, Roma, Cristandade,
Europa-- os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

domingo, 2 de agosto de 2015

A semana




A semana

Rogel Samuel (Foto de R. Samuel)

Primeiro escrevi algo triste. Sobre a morte. Meu predileto tema. Depois mudei. Rasguei a fantasia. É certo que ela morreu naqueles dias. Eu deveria pranteá-la? Mas sua morte não me fez triste. Com a placidez, a calma com que experimentou a vida, ela morreu. Ela nunca nos passou tristeza.

A semana sim. A vida também. O tempo. A crise. Há tempos, escrevi um poemazinho ordinário, que diz: "Que é viver? / permanecer / ou passar?" Não continua, a vida. Nem se demora, a morte. Não há se não a permanência da inconstância, transitória. Nem estou aqui para a filosofia barata de domingo. A semana passou, na velocidade do seu nada, do seu vácuo.

Grossas correntes, pesadas, a morte que me faz libertar das grossas correntes. Viver plenamente a felicidade do dia presente, por que não sei se amanhã acordarei. "Vaidade das vaidades, tudo é correr atrás do vento". A vida é vento. Instilou a vida um sopro no nariz do boneco de barro que foi Adão. A vida é oxigênio. Nos planetas sem oxigênio haverá vida? Nós nos estafamos, em vão. "Ai palavras, ides no vento".

Em Long Beach, demos uma pequena caminhada a pé pela praia. Meus amigos Vitrolinha e Nenen tinham saudade de Copacabana. Do calor das águas. Almoçamos no famoso Crocodile Cafe. Mais bela é Malibu. Conheci toda aquela costa, de Malibu a Dana Point.

Vitrolinha, minha amiga de infância, tinha uma tia chamada Lula. Tia Lula era muito minha amiga. Magra, sorria. Morava no Bairro do Céu. Sem brincadeira, Manaus tinha o Bairro do Céu. Tia Lula morava na Boa Sorte. Era o nome da rua. Ninguém dizia: Rua. Só Boa Sorte. "Onde mora?" - "Moro na Boa Sorte"; ou: "No céu".