terça-feira, 12 de junho de 2018

TRECHO DA "BALADA DO CARCERE DE READING" OSCAR WILDE

TRECHO DA "BALADA DO CARCERE DE READING"
OSCAR WILDE
Tradução de Otília FRANKLIN
Já não usava mais seu casaco vermelho,
Pois sangue e vinho são bem vermelhos também.
E estava sangue e vinho um dia em suas mãos,
Quando o encontraram junto à morta, o pobre alguém,
Que assassinara, e ali jazia ir.ianimada,
No seu leito de amor, com supremo desdém.
Eu via que marchava entre homens condenados,
Com a túnica cinzenta, esgarçada e alvad'ia;
Um gorro de crúket levava na cabeça,
E a sua marcha dava a impressão de alegria,
Mas nunca vi ninguém que contemplasse assim
Com tamanha avidez a luz clara do dia.
Eu nunca vi ninguém que cor.templasse assim,
Com tão ávido olhar de quem já nada -espera,
Essa nesga do azul, janela da esperança,
Que os presos chamam céu, à luz da Primavera,
E olhasse tão·· sedento as nuvens argentinas
Fugidias nd além, quais naves de quim•era.
Com outras almas em dor, purgava as minhas faltas,
Prisioneiro a marchar, noutro círculo encad'eado
E ficara a pen�ar �e o homem cometera
Alguma falta leve ou mais grave pecado,
Quando ouço atrás de mim uma voz cochichar:
O CAMARADA VAI MORRER HOJE ENFORCADO.
Grande Deus! exclamei; os muros da prisão
Pareceram girar de súbito, e senti
Que se tornava o céu sôbre minha cabeça
Elmo de aço a escaldar, e logo compreendi
Quão pi!quena em minha alma a tortura da angústia
Era ante a alheia dor; e essa angústia esqueci.
Eu só pensava então no que a "prêsa" cismava
Apressado a marchar, sem nunca esmorecer,
E porque seu olhar para as galas do dia
Demonstrava a avidez de quem quer tudo ver.
Matara o seu amor, e- agora d'ecretara
A inflexível lei que tinha de morrer!
Todos matam r.a vida aquilo que mais amam
E cada qual confessa um fato conhecido.
Ferem outros com a frase e o elogio fingido.
Há quem mate com o olhar, repleto de amargor,
Qual Judas, o cov'arde a trama urde com um beijo,
E erguendo a espada, o bravo, o amor deixa ferido.
Há quem mate o amor na sua juventude,
Outros, se estão senis, não se pejam do fato.
Sufocam-no cruéis as garras da luxúria;
Com luvas de ouro alguns praticam o negro ato.
Mais benignos são os que ferem com a faca,
Porque depressa o morto esfria, tumefato.
Muitos amam bem pouco, e outros por mu'ito tempo,
E' pôsto à venda o amor, vários o compram caro
Agem uns a chorar, e o empedernido mostra,
Sem um suspiro, um ai, o sentimento avaro;
Pois cada qual destrói um dia o seu amor,
Mas, rAinguém vai morrer com êsse destino amaro.
Não terá que morrer de morte vergonhosa,,
No dia em que a desgraça estenda o negto laço;
Não terá no pescoço uma corda infamante,
Nem um pano a cobrir-lhe o olhar tão duro e baço;
Não terá hirtos pés, largados para frente,
A procura do chão, no vazio do espaço.

Nenhum comentário: