quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Assis Brasil e Guimarães Rosa

Assis Brasil e Guimarães Rosa
















Assis Brasil e Guimarães Rosa


Rogel Samuel



Assis Brasil foi um dos primeiros a reconhecer a qualidade da invenção da linguagem de Guimarães Rosa. Li com prazer sua entrevista para Francigelda Ribeiro, em Entre-textos. É curioso também saber que ele frequentou em 1956 o "Restaurante dos Estudantes, no Calabouço, perto do Aeroporto Santos Dumont", onde eu almoçava, a partir de 1961. Aliás fui professor ali, num curso para estudantes do Calabouço, naquela época.

Eu já tinha lido os artigos de Assis Brasil no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Quando estava pesquisando para minha tese de doutorado, em 1983, frequentei diariamente a biblioteca da OLAC, ou Oficina Literária Afrânio Coutinho. E lá havia umas pastas com tudo o que se tinha publicado sobre Guimarães Rosa, até então.

Afrânio, que era amigo de Rosa, guardava tudo, todos os recortes. Nunca se viu um pesquisador como aquele.

Muitos criticavam Rosa e seu estilo brabo. Chegaram a dizer que ele, primeiro escrevia direito, depois complicava.

Eu conversei com Rosa, na Academia. Mas isso já outro assunto.


Assis Brasil também escreveu um precioso ensaio, que li: 



BRASIL, Assis. Guimarães Rosa. Ensaio. Rio de Janeiro, Simões, 1969. 148p.
Grande romancista, em "O prestígio do diabo” (São Paulo, Melhoramentos, 1988) Assis Brasil apresenta o panorama da vida da pequena classe média daquela época com maestria, pois o personagem Lázaro é escriturário, bem comportado, humilde, correto, calmo, preocupado com as aparências (“o que vão pensar?”, “começaram a olhar”, “podiam pensar que fosse um ladrão”), cuidadoso com a mãe e a irmã, tímido (nunca se declarou para Cacilda) e de repente, depois de algumas “quedas” (em que sentia que algo o empurrava ao chão) perde o emprego e começa a mudar. A alteração é lenta, quase imperceptível, mas vai assim até o seu surpreendente fim. O livro é muito bem construído, como todos os de Assis Brasil, e exibe a sociedade carioca das décadas de 60/70, o clima, o cotidiano, o centro da cidade, o subúrbio, no caráter humilde e bem comportado do jovem Lázaro (cujo nome é significativo). Sua mudança lenta e terrível, assim como foi a transformação moral da sociedade carioca. Há no livro um velado questionamento da luta do Bem contra o Mal, onde o “prestígio” do Mal vence.
O principal personagem, porém, é a sociedade carioca, a classe média pobre do Rio de Janeiro, a rua, a decadência das ruas, a vida, a corrupção do meio urbano. O romance é pessimista. Descreve com sutileza a loucura das grandes cidades. Abre a vida sem sentido, o aviltamento da moral brasileira, não só dos políticos ou da classe dominante, mas da sociedade como um todo, e principalmente a perda dos valores morais da classe média, o desvalorizar generalizado da vida privada, a sua favelização. O que está em jogo não é só vida pública, mas a contaminação do familiar, pois o mundo somos nós. O mestre Assis Brasil desse modo se faz herdeiro do romance machadiano. 

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