quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

O AMANTE DAS AMAZONAS


- Boa noite - foi o que disse o Padre Pereira ao dar o primeiro passo dentro da sala onde o aguardava o Comendador Gabriel Gonçalves da Cunha, que jogava xadrez.

O Comendador levantou os olhos do tabuleiro e fixou o padre.

Gabriel ainda era um homem rijo, magro e elegante. Usava sempre uns temos de linho branco que combinavam com seus cabelos de prata. Indicou a cadeira, em frente, onde o padre se sentou.

Gabriel jogava xadrez sozinho. Ficaram os dois por um momento em silêncio, como se pensassem no que dizer. Ouviam-se os sons da cozinha, ouviam-se os passos de alguém num cômodo próximo, ouviam-se sons da rua.

Apareceu uma criada e o Comendador lhe deu o tabuleiro, que ela tomou com cuidado para que o jogo não se desfizesse.

O calor daquela sala era brando, as carapanãs zumbiam. A mobília era discreta. Rara. Moderna.

-  E o nosso homem? perguntou o Comendador. Via-se logo o tema da visita. Padre Pereira, muito a contragosto, tinha pedido um encontro com o Comendador para tratar do delicado assunto. Gabriel aceitou. Convidou-o para jantar. Teriam oportunidade de conversar.

-  Menos mal, respondeu o padre. Parece que lhes chegaram uns pedidos do interior. E ele conseguiu vender alguma coisa

-  Está enganado! - gritou-lhe o Comendador, ríspido. O senhor não sabe de nada!

O Comendador nunca perdera o sotaque português, apesar de estar no Amazonas há décadas.

-  As dívidas de Juca das Neves somam muito mais do que vale o seu patrimônio!

Há poucos dias Padre Pereira tinha ouvido de Juca das Neves aquela frase: “Só o senhor pode-me salvar”.



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