A PANTERA 5 - ROGEL SAMUEL
“E então” – disse-me ela – “vou em busca de alguma caça”. Mas da pantera o suspiro rouco ouvindo: “Não” – me diz – “se desvaneça o susto. Ela nada fará contra você, em si mesma consome o seu furor injusto” e, com a flecha uma espécie de pássaro abatendo, mas, de repente, com em onda, uma turba de negras aves se albaroa, aves em cópia, quase o céu escurecendo, nunca vistas antes, fardos de um lado e de outro em grita ingente, rolando com suas asas ofegantes, como de um grande mal temidas e em volteios sem rumo assim no teto como em círculo volteando que iam ao ponto oposto de todo o horizonte em semicírculos: - “Que são?” – a Jara perguntei, “que razão há para aqui estarem?” E ela respondeu: -“Não sei, de algo muito terrível estão fugindo!”.
No dia seguinte me acordou ela e disse: “Desçamos agora e vamos esquivos, nossa demora aqui é perigosa”. E demos novos passos da árvore onde nos abrigamos até uma fonte onde bebemos. Ali de uma fenda as águas brotavam como se de alguma torrente interna, e a sede saciamos e ao longo do seu curso nós baixamos, por caminho tão diversos nos movendo, até uma lagoa junto à encosta do triste ribeiro, pois notamos que dali seguia para um pântano, onde a tristeza morava, e portanto atravessamos e voltamos a subir ao que seria uma vende encosta em direção ao vértice de um lugar mais fresco e longínquo da mais alta montanha.
domingo, 28 de junho de 2020
quarta-feira, 24 de junho de 2020
A PANTERA 4 - ROGEL SAMUEL
A PANTERA 4 - ROGEL SAMUEL
Chegamos a uma íngreme pedra de umas grandes árvores cercada, cingida de um pequeno e claro riacho, que atravessamos, os pés nas pedras, e caminhamos, graves, calados, os olhos contemplando aquelas árvores majestosas, e então com voz suave Jara me falou, mas eu o que ouvia não entendia, e subimos aquela alta pedra nos pegando pelos galhos, nós subíamos, e de lá, de cima, divisamos de aves o bando numeroso, verde esmalte - a companheira me dizia e me indicava, egrégias aves que me extasia o prazer de vê-las, e depois seguimos por outra vereda, outra trilha, o ar sereno, ela vindo me diz na sua língua adversa, que traduzi como: “Aqui chegamos, onde e quando a luz do dia não mais brilha e o espaço menos largo se compreende, mas onde o pungir da dor é mais profundo”.
E ali quedamos, armando de enorme galho nossas redes, a esperar que da noite as sombras nos cobrissem e o sono, misterioso e leve, nos tomasse.
Mas logo conseguimos ouvir os infernais lamentos da onça negra que rugia como um mar combatido de ventos, de tormenta ou furor nos perseguindo, nunca abatida, que perpetuamente nos seguia em seu embate, recrescida, que à borda daquele abismo precipitava seus ais, seus soluços, rompendo com rugidos, e ouvi então Jara me dizer, que traduzi assim: "Não se atemorize, pois como nós ela também está temendo ao capricho do vento, sem conforto neste longa série de avanços com seu grasnido, assim no gemer, que não descansa com o vendaval que a fustiga denegrida".
E em tumulto invisíveis aves da noite volteavam no céu, ao capricho dos ventos, que as trazia no rebojo, como em agonia, como naqueles ares longa série de abutres avançando por trás de um tufão de sombras, em vão pelo seu pavor saídos da tumba de demônios.
E após aquelas aves fez-se um silêncio estranho, que a Jara perguntei: “Que aconteceu agora?”
E Jara respondeu com um suspiro: “Cruel destino, triste congitar! Procederam do mar do fim do mundo”.
Disse-lhe eu: “Oh Amiga, teus martírios me angustiam”, pois já tinha nascido a flor do nosso afeto, como namorados éramos, a sós naquele monte, e num ponto só nos deu guarida, pois a boca me beijou estremecida que tombei como corpo morto, mas:
“Espera!” – me disse ela, e subiu ao alto colina onde da árvore mais alta pode observar uns novos clarões que vislumbrava, enquanto que eu da pantera a respiração ouvia por toda parte ao longe e ao lado.
Chegamos a uma íngreme pedra de umas grandes árvores cercada, cingida de um pequeno e claro riacho, que atravessamos, os pés nas pedras, e caminhamos, graves, calados, os olhos contemplando aquelas árvores majestosas, e então com voz suave Jara me falou, mas eu o que ouvia não entendia, e subimos aquela alta pedra nos pegando pelos galhos, nós subíamos, e de lá, de cima, divisamos de aves o bando numeroso, verde esmalte - a companheira me dizia e me indicava, egrégias aves que me extasia o prazer de vê-las, e depois seguimos por outra vereda, outra trilha, o ar sereno, ela vindo me diz na sua língua adversa, que traduzi como: “Aqui chegamos, onde e quando a luz do dia não mais brilha e o espaço menos largo se compreende, mas onde o pungir da dor é mais profundo”.
E ali quedamos, armando de enorme galho nossas redes, a esperar que da noite as sombras nos cobrissem e o sono, misterioso e leve, nos tomasse.
Mas logo conseguimos ouvir os infernais lamentos da onça negra que rugia como um mar combatido de ventos, de tormenta ou furor nos perseguindo, nunca abatida, que perpetuamente nos seguia em seu embate, recrescida, que à borda daquele abismo precipitava seus ais, seus soluços, rompendo com rugidos, e ouvi então Jara me dizer, que traduzi assim: "Não se atemorize, pois como nós ela também está temendo ao capricho do vento, sem conforto neste longa série de avanços com seu grasnido, assim no gemer, que não descansa com o vendaval que a fustiga denegrida".
E em tumulto invisíveis aves da noite volteavam no céu, ao capricho dos ventos, que as trazia no rebojo, como em agonia, como naqueles ares longa série de abutres avançando por trás de um tufão de sombras, em vão pelo seu pavor saídos da tumba de demônios.
E após aquelas aves fez-se um silêncio estranho, que a Jara perguntei: “Que aconteceu agora?”
E Jara respondeu com um suspiro: “Cruel destino, triste congitar! Procederam do mar do fim do mundo”.
Disse-lhe eu: “Oh Amiga, teus martírios me angustiam”, pois já tinha nascido a flor do nosso afeto, como namorados éramos, a sós naquele monte, e num ponto só nos deu guarida, pois a boca me beijou estremecida que tombei como corpo morto, mas:
“Espera!” – me disse ela, e subiu ao alto colina onde da árvore mais alta pode observar uns novos clarões que vislumbrava, enquanto que eu da pantera a respiração ouvia por toda parte ao longe e ao lado.
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A PANTERA 4 - ROGEL SAMUEL
sexta-feira, 19 de junho de 2020
A PANTERA REESCRITO
(FOTO ALBERTO CESAR ARAUJO)
A PANTERA - ROGEL SAMUEL
Não, não há nada; não sei mesmo há quanto tempo estou aqui, perdi a consciência do tempo, da vida, do espaço, e nessa rede em que vivo, nessa letargia em que vivo, nessa calma apática e tristeza, no meio dessas imensas árvores, no entrecortar dos gritos de estranhos pássaros silvestres que silvam fortemente em minha frente o lago verde se abre, se estende, se alarga, sinistro, sem nome, imóvel, enorme, trágico, no ar, naquele silêncio morno, naquele calor úmido, naquele mormaço tardio, mortal, à espera da morte, a espera da minha morte.
Na minha frente vejo a Jara, silenciosa, misteriosa, amante, possível inimiga. Não sei por que os guerreiros indígenas ordenaram que ficasse aqui.
Depois voltaram e ela conversou com eles, que se foram, desapareceram sem olhar para mim. Eu vejo Jara na minha frente, pescando com uma lança. Por que está aqui? Talvez para alertar-me da aproximação do exército inimigo. Mas para que aqueles índios? E eu já não penso, espero a morte, estou fraco. Será que virão os inimigos que espero? Talvez aqueles mesmos índios estejam planejando matar-me. Talvez sejam eles o inimigo. Mas minha falta de reação, a apatia, a indiferença, Jara permanece em paz. E calma. Nem fala comigo.
A PANTERA (2) - ROGEL SAMUEL
Eu não sei há quantos anos estou nesta casa. Chovia dentro, Jara a reforçou. Uma árvore agora a cobre, como numa rede de ramagem ampla. À noite, entretanto, sentimo-nos ameaçados. Os animais noturnos nos espiam. O cântico da mãe da lua nos aterroriza. É o urutau, que canta três oitavas lamentosas. Mas eu consigo dormir, na minha rede bem alta. O silêncio é amplo negro enorme. As estrelas são vivas. Felizmente não há mosquitos nesse rio. Mas um frio intenso vem dentro do calor da noite. Ventos sinistros vêm do alto dos Andes. O vento vem sobre o leito do rio, sob as estrelas.
Esta noite, experimentamos novamente a sinistra visita noturna da mesma pantera negra. Sinto que dormimos sobre assombrosas minas do Eldorado. Ouço gritos noturnos. Miracã-uera, o cemitério. Sinto que moro em cima de um grande cemitério. Mas o Eldorado nos assusta, no escuro e no miúdo. Por aqui, a floresta é um grande mapa. Nunca ninguém, nenhum ser humano, nenhum civilizado pisou aqui. Jara não fala, é uma companhia de nada, silenciosa. Não sei de onde veio, nem quem é. Às vezes, temo que ela pode matar-me, enquanto durmo. Às vezes fazemos amor. Ela compreende o meu estado, a minha depressão. É quando acende uma espécie de cachimbo de ipadu, uma espécie de coca, e sopra na minha face. Me obriga a mascar, pondo na minha boca algumas folhas amargas, misturadas com a cinza de seu cachimbo. São cinzas da palmeira motaçu, e um cipó amargo, que chama de Tchamaru. Essa mistura me revigora, e eu sinto uma embriaguez deleitosa, e às vezes adormeço em seus braços.
- Ipadu! Ipadu! – diz ela. Ipadu, motaçu, Tchamaru!
E eu me reconheço, me recupero.
Mas ela é a desconhecida. Como aqui não há ninguém mais, nenhuma censura, aqui eu a amo. E ela canta uma sua canção selvagem. Canção de guerra, de morte. Ela pressente o perigo. O incompreensível perigo.
A PANTERA (3) - ROGEL SAMUEL
Porque Jara me impeliu como queria não sei o que, saímos dali e pelo caminho entramos alto e selvagem, naquele ar sem estrelas, naquele mundo sem nome e sem traço, na morte acreditando que eu colhia de um largo rio à margem dirigindo, e Jara me fez parar e então, baixando os olhos fui vendo uma flexa especada, mas dela, serena, o gesto me fazia, sem vozes, sem blasfêmia, arco em punho:
- Por aqui, Jara dizia, e enquanto assim dizia a terra estremeu num único solavanco e foi tão forte o movimento que do medo da terra lacrimosa rompeu um vento e um clarão avermelhado, que como de um sono profundo fui tirado por aquele hórrido estampido.
Mas a Jara perscrutou por saber onde se achava e a tudo no lugar sinistro atenta.
- Temos de partir, nos afastar, - me disse ela, na sua linguagem selvagem, da força daquele vale tenebroso:
- Eia! – disse ela, nos afastemos da treva do mundo – ela me disse enfiando-se por uma descida: “Eu descerei primeiro, tu segundo”. Tornei-lhe, a palidez sua notando:
- “Como hei-de ir, se és de espanto dominada, quando segurança e conforto estou de ti esperando”?
- “Vamos, - disse-me ela, sem se deter – essa jornada exige pressa, porque o abismo a estreitar-se já começa - e escutei, vibrando no ar, do espaço inteiro os murmúrios longínquos de bombas que estrugiam, e eu vi que no meio da selvagem terra nós fugíamos da guerra, sem parar, pela selva penetravamos e longe ainda divisando o hemisfério das trevas que clarões alumiavam, dali distante de onde nos achávamos, mas não tanto que não discerníssemos o céu súbito brilhante e o rumor que nos chegavam, como que saíssemos de um fúlgido castelo de aspecto majestoso cujos altos muros eram cercados por sombras inimigas e malévolas.
A PANTERA - ROGEL SAMUEL
Não, não há nada; não sei mesmo há quanto tempo estou aqui, perdi a consciência do tempo, da vida, do espaço, e nessa rede em que vivo, nessa letargia em que vivo, nessa calma apática e tristeza, no meio dessas imensas árvores, no entrecortar dos gritos de estranhos pássaros silvestres que silvam fortemente em minha frente o lago verde se abre, se estende, se alarga, sinistro, sem nome, imóvel, enorme, trágico, no ar, naquele silêncio morno, naquele calor úmido, naquele mormaço tardio, mortal, à espera da morte, a espera da minha morte.
Na minha frente vejo a Jara, silenciosa, misteriosa, amante, possível inimiga. Não sei por que os guerreiros indígenas ordenaram que ficasse aqui.
Depois voltaram e ela conversou com eles, que se foram, desapareceram sem olhar para mim. Eu vejo Jara na minha frente, pescando com uma lança. Por que está aqui? Talvez para alertar-me da aproximação do exército inimigo. Mas para que aqueles índios? E eu já não penso, espero a morte, estou fraco. Será que virão os inimigos que espero? Talvez aqueles mesmos índios estejam planejando matar-me. Talvez sejam eles o inimigo. Mas minha falta de reação, a apatia, a indiferença, Jara permanece em paz. E calma. Nem fala comigo.
A PANTERA (2) - ROGEL SAMUEL
Eu não sei há quantos anos estou nesta casa. Chovia dentro, Jara a reforçou. Uma árvore agora a cobre, como numa rede de ramagem ampla. À noite, entretanto, sentimo-nos ameaçados. Os animais noturnos nos espiam. O cântico da mãe da lua nos aterroriza. É o urutau, que canta três oitavas lamentosas. Mas eu consigo dormir, na minha rede bem alta. O silêncio é amplo negro enorme. As estrelas são vivas. Felizmente não há mosquitos nesse rio. Mas um frio intenso vem dentro do calor da noite. Ventos sinistros vêm do alto dos Andes. O vento vem sobre o leito do rio, sob as estrelas.
Esta noite, experimentamos novamente a sinistra visita noturna da mesma pantera negra. Sinto que dormimos sobre assombrosas minas do Eldorado. Ouço gritos noturnos. Miracã-uera, o cemitério. Sinto que moro em cima de um grande cemitério. Mas o Eldorado nos assusta, no escuro e no miúdo. Por aqui, a floresta é um grande mapa. Nunca ninguém, nenhum ser humano, nenhum civilizado pisou aqui. Jara não fala, é uma companhia de nada, silenciosa. Não sei de onde veio, nem quem é. Às vezes, temo que ela pode matar-me, enquanto durmo. Às vezes fazemos amor. Ela compreende o meu estado, a minha depressão. É quando acende uma espécie de cachimbo de ipadu, uma espécie de coca, e sopra na minha face. Me obriga a mascar, pondo na minha boca algumas folhas amargas, misturadas com a cinza de seu cachimbo. São cinzas da palmeira motaçu, e um cipó amargo, que chama de Tchamaru. Essa mistura me revigora, e eu sinto uma embriaguez deleitosa, e às vezes adormeço em seus braços.
- Ipadu! Ipadu! – diz ela. Ipadu, motaçu, Tchamaru!
E eu me reconheço, me recupero.
Mas ela é a desconhecida. Como aqui não há ninguém mais, nenhuma censura, aqui eu a amo. E ela canta uma sua canção selvagem. Canção de guerra, de morte. Ela pressente o perigo. O incompreensível perigo.
A PANTERA (3) - ROGEL SAMUEL
Porque Jara me impeliu como queria não sei o que, saímos dali e pelo caminho entramos alto e selvagem, naquele ar sem estrelas, naquele mundo sem nome e sem traço, na morte acreditando que eu colhia de um largo rio à margem dirigindo, e Jara me fez parar e então, baixando os olhos fui vendo uma flexa especada, mas dela, serena, o gesto me fazia, sem vozes, sem blasfêmia, arco em punho:
- Por aqui, Jara dizia, e enquanto assim dizia a terra estremeu num único solavanco e foi tão forte o movimento que do medo da terra lacrimosa rompeu um vento e um clarão avermelhado, que como de um sono profundo fui tirado por aquele hórrido estampido.
Mas a Jara perscrutou por saber onde se achava e a tudo no lugar sinistro atenta.
- Temos de partir, nos afastar, - me disse ela, na sua linguagem selvagem, da força daquele vale tenebroso:
- Eia! – disse ela, nos afastemos da treva do mundo – ela me disse enfiando-se por uma descida: “Eu descerei primeiro, tu segundo”. Tornei-lhe, a palidez sua notando:
- “Como hei-de ir, se és de espanto dominada, quando segurança e conforto estou de ti esperando”?
- “Vamos, - disse-me ela, sem se deter – essa jornada exige pressa, porque o abismo a estreitar-se já começa - e escutei, vibrando no ar, do espaço inteiro os murmúrios longínquos de bombas que estrugiam, e eu vi que no meio da selvagem terra nós fugíamos da guerra, sem parar, pela selva penetravamos e longe ainda divisando o hemisfério das trevas que clarões alumiavam, dali distante de onde nos achávamos, mas não tanto que não discerníssemos o céu súbito brilhante e o rumor que nos chegavam, como que saíssemos de um fúlgido castelo de aspecto majestoso cujos altos muros eram cercados por sombras inimigas e malévolas.
terça-feira, 9 de junho de 2020
traductionmartacortesao.blogspot.com
Frey Lothar se levantó con esfuerzo, salió de allí y fue al camarote de donde vino con el violín. Se sentó. Iba a estudiar hasta que le llegara el sueño. Era la Segunda Partita de Bach, que sabía de memoria, pero nunca conseguía superar ciertas dificultades. Tocaba sin la partitura. Estudiaba sin la partitura, en la oscuridad, dentro del viento veloz. Solo. Sin partitura y sin luz, sin nadie. ¡Oh! era asíen el Amazonas. El Amazonas no tenía partitura, no tenía luz, ni a nadie. El Amazonas era una inmensa llanura de miseria. La depresión económica gravitaba en su monstruoso silencio. La música le salía casi perfecta de los artríticos y viejos dedos. Nunca tuvo tiempo de estudiar, nunca tuvo condiciones, tampoco comodidad. Viajaba con el violín en barcos y canoas, en los ríos y lagos, y por poco no seleperdió el violín junto con los escorpiones: aquel era un violín precioso, simbolizaba lo que él no había sido. El mal cura, el mal médico, el mal violinista. Nunca había hecho nada bien. Nada entero.Ahora era viejo, débil, tenía poca fe, poca ciencia, poca técnica. ¡Oh, peor que la muerte es la mediocridad! Frey Lothar pensaba, el violín gemía, cantinelas, recitaciones, reflexiones. Asistió a los enfermos sin recursos, había dicho misas sin pasión, y ahora tocaba mal la música. Sin medicinas, sin partituras, sin higiene, sin conocimiento. Frey Lothar tocaba con imaginación. El violín era un Guarnerius. Había sido un regalo de Juca das Neves, uno de los pocos hombres con quien Frey Lothar tuvo amistad. En realidad, los Guarnerius no son imitación. Son perfeccionamiento de los Stradivarius mucho más sonoros, apropiados a las salas de ensayos y grandes orquestas, mientras que los Strad eran camerísticos. Ayudado por la inspiración, ya casi le iba saliendo mejor la Partita. El Barão avanzaba en medio de la noche. De repente, el Frey se acordó del Concierto Doble –¡qué belleza! – y enmendó la Partita en uno de los fragmentos de su parte. En el Concierto Doble todo era ansia, sublimidad.Él se imaginaba en medio de la orquesta, recordaba los sueños de ser músico, y no sacerdote, se sumergía en el concierto oyendo el violonchelo y toda la gran orquesta. Veía las galerías repletas, de donde emergía el éxito, el aplauso, todo aquello muy lejos del Amazonas, muy lejos de la muerte. Él se dejó llevar en sus devaneos. ¿Por qué? Del antiguo misticismo no sobraba nada. ¿Por qué? Tocaba Brahms cortando al medio la selva amazónica. ¿Por qué? La noche corría en el altísimo, y el cielo de la Amazonia de repente se quedó transparente y claro y cubierto de estrellas que parpadeaban, y todo se le apareció de una sola naturaleza, en un bloque en el que no existía sino que estaba integrado en un todo – y Frey Lothar, parando de tocar, corrió hacia la barandilla con lágrimas en los ojos, y de repente vio, en éxtasis, que la Inmensidad y la Eternidad aparecían súbitamente allí delante de él, viniendo y llegando a él, amplias, entrando por sus ojos, por sus oídos, y todo era solamenteInconmensurable... – y él, integrado, eterno, soltó un grito y se sintió incomprensiblemente feliz.
https://traductionmartacortesao.blogspot.com/
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sábado, 6 de junho de 2020
A PESTE
Naquela mesma noite Ribamar de Souza se instalou no porão. Encontrou abandonado o Armazém, e durante todo o dia em que ali esteve não se fez nenhum negócio. Era como se a peste desabasse sobre Manaus. A crise se demonstrava naquele silêncio quente, ao pôr-do-sol, luzes moribundas, o apagar do apogeu capitalista. A Amazônia ficou sem 80% da sua economia, um deserto morto, estéril, sobre a planície encharcada numa crise que durou meio século. As famílias ricas partiam para Paris, Lisboa. Quem ficou, estava como que morto. Fortunas colossais se reduziram a pó. Maurice Samuel, um dos ricos, perdeu até os móveis de sua casa, penhorados, e mudou-se para uma pequena casa alugada na Silva Ramos. Jóias eram vendidas a qualquer preço. Mulheres ficavam viúvas, passavam a costurar, para sobreviver. O capital desapareceu. Tudo o que era sólido se desfazia no ar e ruía como um castelo de cartas. O Teatro Amazonas foi abandonado, transformado em depósito de borracha velha. O que sobrou foi muito pouco, mas era o que eu mais amava.
D. CONSTANÇA tinha sido educada para ser uma boneca inútil. Exagerara e ficou louca. Magrinha, baixinha, nervosinha, logo que a beleza desapareceu, parecia uma bruxa, ogra, rosto pálido e plano no centro do qual avultava o nariz curvo e o risco de faca reto da boca, aberta a golpe fino, sem lábios. Os olhos graúdos piscavam muito, muitíssimo. D. Constança se abanava com o leque, como se a queimasse um fogo interior. E tinha péssimo caráter, bastava a pessoa dar as costas para que ela começasse a retaliação. Voz fina, língua viperina. Olhar de fuzilante ódio. Os seres das classes inferiores eram “gentinha“, não existiam. Pedro Alonso, no dia em que perdeu a Inspetoria do Tesouro, foi cortado da lista de um jantar quando já tinha saído de casa (soube no caminho). Ela era o ponteiro da seleção social: Aristides Lourenço, pessoa a quem nunca cumprimentou, viu-se um dia com um inesperado convite nas mãos pois que eleito para o Conselho Municipal. D. Constança, cheia de amabilidades durante todo o seu mandato, voltou-lhe as costas quando ele não foi reeleito e retomou ao humilde cargo de revisor na Imprensa Oficial. D. Constança discriminava abertamente, sem disfarce.
Nunca teve uma amiga. Começava a falar de todas logo que fechava a porta da rua. Falava para Juca das Neves, falava muito rapidamente, a voz nervosa, fina, angustiada. Passava horas e horas em fofocas, maledicências, escondendo-se atrás de portas para ouvir, entreabrindo janelas para espiar. Vestia as pessoas com tudo o que pensava a respeito, a todos nutrindo um ódio que a corrompia por dentro. Era mesmo capaz de longa viagem pelo prazer de «saber». Sua face então se irradiava, seus olhos brilhavam, ela delirava. “Não me diiiiga, querida ...“. As novidades a mantinham viva. E o que ela não sabia a torturava, contratava pessoas para saber - “tenho de saber, juro que vou saber” - a sua vida dependia de informações, assim que diziam que Juca das Neves era meio surdo por causa da fina e incessante voz, que feria os tímpanos, com seu timbre cruel dissimulado na vozinha de menina indefesa. E durante o almoço D. Constança falava ininterruptamente, sem pausa, sem respirar, como se as palavras lhe queimassem a boca, o patati-patatá metálico, falando da vida alheia, e abanando-se, frenética, falando, e abanando-se, e falava junto ao marido, sussurrando-lhe ao ouvido, cutucando-o por baixo quando alguém se aproximava, e abanava-se, e era gentil e educada. O leque e a tagarelice maledicente alcançaram o seu maior esplendor na pessoa magra e franzina de D. Constança!
Pois à medida que foi envelhecendo foi ficando pior. Começou a falar e abanar-se sozinha, sentada na cadeira de balanço onde se abanava e falava até tarde da noite. E sozinha falando, falando, e abanando-se, abanando-se, os olhos se fixaram numa característica sua, que era o “rabo de olho”, como ela dizia, já não olhando de frente para ninguém, não encarando ninguém, o olhar fixo nos lados e cantos das órbitas como se sempre procurasse ver e ouvir algo que se passava pelos lados e atrás, um olhar congelado numa expressão de ódio, e até hoje me lembro dela assim sentada, olhando para os lados e para trás, como cercada de inimigos, abanando-se frenética e falando aflita, falando mal de seres imaginários, de pessoas que já tinham morrido há muito e sozinha, esquecida...
quinta-feira, 4 de junho de 2020
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