segunda-feira, 11 de junho de 2018

Um amor que deixou de sonhar-se

Um amor que deixou de sonhar-se







Um amor que deixou de sonhar-se


Rogel Samuel


O "Largo Lamento" de Pedro Salinas é uma extraordinária reflexão sobre o sonho, a natureza do sonho. Os sonhos não são apenas sonhos, desprezíveis sonhos, se sonhamos, se continuamos sonhando a realidade é um sonho, como o que corre sob as águas dos rios de nossos sonhos, porque os sonhos se disfarçam de realidade, se deixarmos de sonhar a realidade morre, e principalmente o amor que só em sonho se sustenta.

E assim traduzimos:


Não despreze os sonhos por serem apenas sonhos
todos os sonhos podem
ser reais, se não se acaba o sonho.
A realidade é um sonho. Se sonhamos
que a pedra é pedra, isso é a pedra.
O que corre nos rios não é a água,
é o sonhar, a água, cristalina.
A realidade disfarça
seu próprio sonho, e diz:
"Eu sou o sol, os céus, o amor".
Porém nunca se vai e nunca passa,
se fingimos crer que é mais que um sonho.
E vivemos sonhando-a.
Sonhar é o modo que a alma
tem para que nunca se lhe escape
o que escaparia se deixássemos
de sonhar que é verdade o que não existe.
Só morre
um amor que deixou de sonhar-se
feito matéria que se busca na terra.

sete dias serão

sete dias serão


Sete dias serão, Manaus, ó sete amadas,
Por que se integre à terra este cantor.
Ó monstruosas noites desamparadas
De mim se aparte a porta dessa dor.
O espelho dágua ostenta a aranha alada
Que me arrasta o interno aeroplano,
Tresloucada vespa, cristalizada
Inoculando o inferno do engano.
Mas chega de canção, Amor, que neste canto
As finas rimas dessa ladainha
Escondem teus morenos ombros de arpejos.
Ó franca zona! Do Teatro o manto!
Por sete dias tua canção é minha
Na invenção literária dos teus beijos.

ROGEL SAMUEL

quarta-feira, 6 de junho de 2018

METAMORFOSES DE OVIDIO

METAMORFOSES DE OVIDIO




Metamorfoses em Tradução


Raimundo Nonato Barbosa de Carvalho

Livro I (TRECHO)




Faz-me o estro dizer formas em novos corpos
mudadas. Deuses, já que as mudastes também,
inspirai-me a empresa e, da origem do mundo
ao meu tempo, guiai este canto perpétuo.
Antes do mar, da terra e céu que tudo cobre, 5
a natureza tinha, em todo o orbe, um só rosto
a que chamaram Caos, massa rude e indigesta;
nada havia, a não ser o peso inerte e díspares
sementes mal dispostas de coisas sem nexo.
Inda nenhum Titã iluminava o mundo, 10
nem Febe, no crescente, os chifres renovava,
nem a terra pendia no ar circunfuso,
suspensa no seu peso, nem, por longas margens,
os seus braços havia espraiado Anfitrite.
E como ali houvesse terra e mar e ar, 15
instável era a terra, a onda inavegável
e o ar sem luz; a nada aderia uma forma,
e cada coisa obstava outras, pois num só corpo
o frio combatia o quente, o seco o úmido,
o mole o duro, e o peso o que não tinha peso. 20
Deus ou douta natura esta luta sanou,
pois do céu separou a terra, e desta as ondas,
e do ar espesso um céu límpido discerniu.
E depois que os tirou do disforme conjunto,
cada qual num lugar ligou, em paz concorde. 25
Do céu convexo, força ígnea e sem peso
surgiu e se alocou no mais alto da abóbada;
o ar, dela, se aproxima em leveza e lugar;
mais densa, a terra atrai os elementos grandes
e é premida por seu peso; a água circunfluida 30
40
ocupou o restante e cercou o orbe sólido.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Ler é uma busca













Ler é uma busca

Rogel Samuel

Leio uma página brilhante de Ascendino Leite. “Sementes no espaço”. Ler este autor tornou-se um vício, para mim. Seus diários. Neles encontro postagens que ele faria se escrevesse virtualmente.
A vida também é algo virtual. A vida evanescente como uma nuvem. A vida é tempo que passa, o passado está perdido como num sonho, o futuro é para não se pensar, o presente é para deixar que passe.
Não sei se ler é alguma busca.
Talvez seja a busca de mim mesmo.

domingo, 3 de junho de 2018

balada para todo amor



balada para todo amor


rogel samuel


todo amor é assim, plágio
cópia de cópia de si, no mesmo
sim na sua visibilidade
no seu sexo. Porque todo amor
é aquela alegre repetição
doença de sonho e de tensão
acontecimento que tanto faz
se desfaz. De que não posso
dizer o que quero, ou o que vale
nem mesmo vale a pena
[O amor, seu troco.]
O caro, o espaço, o caroço
o que sobra o que falta e o falho.
Todo amor falece. Não cresce.
Não é o que se espera.
Dele nada sobra. Além do gozo.
Da calma, da cama, do colo
da palavra: só as notas altas
o cantam. As baladas mais.
A exultação mais plena.
Pois todo amor é outra vez
o mesmo amor. É sempre. É pouco.
E só se estabelece quando
impossivelmente fala a falta
do tolo amor, que já é lembrança
excessiva. Que todo amor costura
um tédio. E tem a surpresa da morte.
Somos suas presas em suas levezas.
Corre o fundo tempo por seus lodos
mostra a sua sede à noite morta.
Quem me crê sabe o que digo:
o amor já vem perdido, pois perder-se
é o destino amante. Dele vem logo
o mote o trote o corte a espada
que o amor tem em seus dentes
pois sua loucura é o nada. 


FOTO DE R. SAMUEL: BIARRITZ

[Em 14 de maio de 2.000]

terça-feira, 29 de maio de 2018

SHAKESPEARE NO TEATRO AMAZONAS EM 1899

O SHAKESPEARE DE GIOVANNI EMANUEL NO TEATRO AMAZONAS EM 1899

O SHAKESPEARE DE GIOVANNI EMANUEL
NO TEATRO AMAZONAS EM 1899

Rogel Samuel

Em «Fastígio e sensibiliudade do Amazonas de ontem», conta Genesino Braga que ele desembarcou no cais da Ponte dos Catraieiros, em Manaus, no dia 12 de maio de 1899, acompanhado de «formosíssima dama», Nella Montagna, primeira atriz da Companhia Italiana de Dramas e Tragédias, ele o famoso Giovanni Emanuel (Morano Po, Casale, 1848 – Torino 1902).
Quem era?
            Tinha sido um ex-empregado do Ministero dell'Agricoltura que, depois de assistir a uma récita de Ernesto Rossi, sentiu-se atraído pelo teatro e acabou tornando-se tão famoso quanto Sarah Bernhardt.
            Livros há, hoje, e teses sobre ele. Como o recente estudo, de Armando Petrini, «Attori e scena nel teatro italiano di fine Ottocento. Studio critico su Emanuel e Giacinta Pezzana» (Torino, DAMS Università degli studi di Torino, 2002).
            Grande intérprete de Shakespeare, Giovanni Emanuel revolucionou a cena italiana. Pela década 1882-93, enveredou no modo do naturalismo poético de representar, alcançando sucesso máximo de crítica e de público, apreciado como diretor e como ator. "Um ator só faz escadaria de si mesmo", dizia ele, e teve várias fases na sua gloriosa carreira.
            Em carta para Felice Cavallotti, de novembro de 1886, ele diz: " Eu estou usando os ombros, o cérebro e o coração de Otello, e com isso tenho um trabalho enorme, estudo a fé de um mártir. Quero fazer a sua mais polêmica interpretação»: e as críticas sobre o modo de recitar o Otello assumem imediatamente o tom de réplicas; provavelmente como muitos é esta a circunstância na qual com grande efetividade assume a cena o seu aspecto poético naturalista: e isto em parte se explica por julgamentos contraditórios na arte da representação.   
Diz–se dele ter «a consciência de quem sabe ter levado a todos via artística nova, de elemento distintivo, realmente em seu caráter de "novidade", naquele modo de recitar que ele diferencia claramente - pelo menos nas intenções», «o caráter original e todo especial do seu talento, o ecletismo curioso do seu método fazem algo incomparável». Ele era inconstante e descontínuo, de forma que parecia absolutamente   
insuperável». Ele passava dos cumes mais luminosos da sua arte subitamente para entrar como um meteoro em uma noite serena. Pois suas interpretações pecavam por ímpetos súbitos; mas seus momentos bons eram tão bons que indeléveis permanecem gravados na mente do público e dos companheiros» (UM. De Sanctis, Caleidoscópio glorioso, Florença, Giannini, 1946, pp.23-24).  Contraditório, dizia  Emanuel: " Eu sou o contrário do modo de recitar e interpretar Shakespeare de Ernesto Rossi e de Thomas Salvini. O primeiro faz de Hamlet algo romântico, e o segundo faz de Otelo um caráter trágico".  O ator, diz, nunca tem absolutamente que ser um romântico na recitação trágica, mas tem que recitar com a verdade. Shakespeare não tem nenhum romantismo nem tragédia, sua grandeza está na capacidade de criar verdadeiros caracteres; Shakespeare punha a verdade maior na literatura dramática, e por isto será eterno. Emanuel começava a traduzir-se a si mesmo, deixando toda a crueza do idioma shakespeariano; exagerava bastante a modernidade vulgar de certas expressões que faziam um efeito diferente. Ele era reconhecido como o líder do naturalismo teatral na Itália. Era um ator experimentalista, do que aparecia ser uma escola nova. «O artista dramático tem que representar todo o caráter do homem, banindo da cena as fantasias e o   
teatralismo». Sua preocupação principal consistia em humanizar o herói trágico. Dirigindo-se aos atores jovens, Emanuel escreve, em 1887: você estuda bem a parte, as paixões, o caráter e não se deixa intoxicar da teoria barroca e ridícula ... você deve ser uma estrela e chorar, mas com naturalidade e verdade. Nele, «a idéia de uma naturalidade interpretativa, a chamada para a simplicidade da natureza como forma nova de sublime, o recorrer a um antropomórfico procedimento e a uma lógica simétrica, fundada na relação confidencial, sensual e horizontal era o forte». Ele promoveu uma luta contra o convencionalismo «teatral». Mas, como todos os artistas, sabia que mesmo no naturalismo o teatro não é capaz de simplesmente de reproduzir a realidade para qual ele mesmo olhava como fonte de inspiração para sua recitação. Por isso escreve: «Minha arte é uma harmonia entre verdade e beleza. Se fosse mais verdadeiro seria naturalismo, se não verdadeiro aquela beleza seria idealismo». Contudo, como Zola, mantém a tarefa da nova geração de artistas para os quais pretende substituir o «homem fisiológico» ao «homem metafísico»: «nós imitamos, nós imitamos o homem» - Emanuel escreve - «e levamos o processo para a natureza». Em outra carta Giovanni Emanuel coloca mesmo o equilíbrio contraditório entre a consciência da impossibilidade do teatro de uma reprodução «fotográfica» e a defesa do naturalismo, polêmica interessante que se acendeu  na «Gazeta Literária», em 1887, com o jornalista Giuseppe Benetti, que defendia o novo método naturalista contra as velhas escolas clássica e romântica. «Giovanni Emanuel faz a arte neurótica que, para nós, reflete o verdadeiro da vida que se vive. Nosso Teatro - Benetti escreve - precisa de atores que recitem a fala como falamos nós», ao que se replicou que aquilo «era fotografia da vida ordinária, que reduzia a grande arte à pobreza de uma reprodução». A isso respondia que a arte realista não pretendia a reprodução fotográfica de uma parte da vida, mas da vida inteira, de toda nossa vida. De onde emerge com comprovação contraditória de que o fundamento de uma poética naturalista era estabelecer e retirar do cotidiano da vida  o que é contemporâneo, fazendo uma interpretativa síntese dos elementos típicos da vida cotidiana» - um equilíbrio instável entre o processo de reprodução e a tensão do trabalho elaborado do estilista. Isso é o bastante para observar que a compreensão de Emanuel era entendida pelo menos para  parte do público, evidente pelo seu sucesso. Por isso Domenico Lanza diz na «Gazeta»: «Emanuel não recita, mas fala, e grita como um homem, não como um ator. Isso é tudo aquilo que se pode dizer dele. Uma recitação de Emanuel pretende representar a vida e ser capaz de abandonar o "convencionalismo" teatral, Emanuel passa então pela ênfase, a pomposidade, a afetação e a frieza. Seu processo poético de ator se revela aqui dentro das convicções artísticas de Émile Zola, o líder do movimento naturalista europeu. Um dos objetivos principais disso é sentir realmente sua luta contra as convenções artísticas. Zola escreve que o naturalismo é o retorno à natureza do homem, à observação direta, a anatomia exata. Que é representar? «O artista, de acordo com Zola, não é exatamente um criador de obras, pelo contrário o que ele faz é registrar alguns "fatos":  O trabalho é o mesmo para o escritor e para o cientista: ambos tiveram que substituir as abstrações pela realidade, o empirismo de fórmulas por análises rigorosas. De tal modo não mais o caráter abstrato das obras, não mais falsas invenções, não mais o absoluto, mas revelar reais caracteres, a verdadeira história de cada um, o relativo, o quotidiano da vida. E ainda «passar pela pressuposição de que a natureza se basta, que é bastante e necessário aceitar sem modificar. Que é bela em si mesma». Paradoxo que faz Zola afirmar preferir «a vida à arte», e tem eco em Emanuel: em uma entrevista ele diz: «Otello parece para mim um homem, realmente humano, vivo, de carne como nós dois». Ao que o outro respondeu: «Ah! ah!... você quer os verdadeiros homens no teatro, meu Amigo? ... teatro é convenção». «Sim, respondeu Emanuel, mas Shakespeare não é teatro, é vida». E então, ao interpretar Otello, se esforça Emanuel o mais possível para evitar tudo aquilo que era reconhecido como convencional. O repórter da «Gazeta de Turin» disse: «Qualquer pessoa, sem concessão para o efeito, sem qualquer redundância; sem declamações, sem vôo, sem desesperos violentos, nenhum grito nem rugido. [...] Ele era simples, fundo, terminal, sóbrio, efetivo, verdadeiro, mas com grande efetividade. E «O trabalhador» em 1887 informa de uma récita em Buenos Ayres: «Ele não deu mais ao caráter aquilo que só é percebido na cena de um teatro, ele era antes um Otello dos nossos dias, não somente no solo trágico, carregado, possível somente num palco e cenário; o caráter que nos deu o Emanuel, que nós vimos agir, era como se estivesse real em carne e osso, ele estava lá, realmente, em cena».   

                                               &         &         &
           
            Diz Genesino que Emanuel desembarcou do «Rio Amazonas» e foi levado para a sede do «Sport Clube Amazonense», na Rua Municipal, onde foi homenageado. Houve discursos. Emanuel escreveu no livro de visitas: «Vivamente impressionato dell´accoglienza dello Sport Club nel giorno Del sua arrivo. Manaus, 12 de Maggio de 1899. Giovanni Emanuel». Seguiu-se um almoço, oferecido ao ator no Hotel Cassina, onde se hospedou (como eu gostaria de saber do cardápio...). Manaus, diz Genesino Braga, era uma cidade de 50 mil habitantes «encravada no meio da mais densa, vasta e indomável floresta, mas tinha uma sociedade de nível cultural elevado». Na realidade, tinha muito dinheiro (da extração da borracha): o governo estadual custeou a viagem de toda a Companhia e pagou duzentos contos de réis para que ela se exibisse, uma fortuna!, em língua italiana, ao preço de sete mil réis a cadeira!

            Concluo citando Genesino Braga:     «A Companhia Italiana de Dramas e Tragédias deu vinte e nove espetáculos no Teatro Amazonas, representando as seguintes peças: «Kean», Dumas, pai; «A morte civil» (3 vêzes), Giacometti; «Otelo», Shakespeare; «O grande industrial» (3 vêzes), Ohnet; «O senhor diretor», Bisson e Carré; «Hamlet» (3 vêzes), Shakespeare; «Carnaval de Turim» (2 vêzes), Vato; «Os dois sargentos», D'Aubigny; «O mercador de Veneza», Shakespeare; «Niobe», Paulton; «Nero», Cossa; «As duas órfãs» (3 vêzes), D'Ennery e Cormont; «O casamento de fígaro» (2 vêzes), Beaumarchais; «Pátria» (2 vêzes), Victorien Sardou; «O rapto das sabinas» (2 vêzes), Moser e Schontan; «Rei Lear», Shakespeare; «O Duelo», Ferrari; «A Dama das Camélias» (2 vêzes), Dumas, filho; e «Romeu e Julieta», Shakespeare.»

E parafraseando Genesino: Giovanni Emanuel e sua Companhia partiram de Manaus a 6 de julho do mesmo ano de 1899 no vapor «Continente». Ele ficou quase dois meses em Manaus. O seu nome está gravado em uma placa de mármore, nos corredores do Teatro Amazonas, como a pedir mais respeito e mais veneração para aquela casa ilustre, que soubera entender e aplaudir, mais assombroso dos teatros: o shakespeareano !»

segunda-feira, 28 de maio de 2018

A ESTRADA



A ESTRADA

Rogel Samuel

Da sinuosa estrada entre as montanhas verdes vem uma barreira horizontal. No alto, um céu brilha como um cristal fosco e imóvel. Estamos na Mantiqueira. E passamos a divisa dos Municípios de Delfim Moreira e Venceslau Brás. Os rios do Brasil estarão todos poluídos? Dia virá em que vamos ter falta de água potável. O Rio Sapucaí está ameaçado pelo lixo. Mas os bois, no grande pasto, parecem em paz. À margem, um caminhão tombado. É um gigante morto. Leio um poema de Guillén, traduzido por Thiago de Mello. As estrofes, os versos se embaralham na minha mente. Guillén, um dos poetas preferidos de certo aluno de literatura no Colégio Estadual. Eu já vinha lendo poesia desde que encontrei Camões num livro de primeiro grau:

Oh! lavradores bem-aventurados,
se conhecessem seu contentamento.
Aqueles versos cantam agora, vendo os bois no pasto. Até hoje ouço o compasso daqueles versos. A estrada sinuosa e verde continua. Um dia chegarei ao fim.
Mas o deserto está crescendo. Na serra da Mantiqueira, região de Piquete, desapareceram as florestas. As montanhas despontam, secas, nuas. Isso até parecia natural na Via Dutra, mas ali é novidade. Dali até o vale de Itajubá a devastação avançou em poucos meses. À direita da estrada pode-se ver um lixão às
margens do rio que vai cortar a cidade de Itajubá e onde poucos quilômetros abaixo crianças tomam banho e adolescentes nadam. De Itajubá até Poços de Caldas as antigas vilas se transformaram em cidades que, sem planejamento, estão plantadas no meio da planície deserta de avermelhado de barro. Na próxima grande chuva o rio que corta a cidade de Itajubá pode transbordar, entulhado. O nosso país caminha para um desastre ecológico: o rios se transformaram em esgotos escuros, e os riachos se transformaram em valas negras. “O deserto está crescendo. Desventurado quem abriga desertos”.

Mas eu festejo solitariamente os 58 anos de minha poesia. O primeiro poema que publiquei na vida foi no dia 8 de fevereiro de l959 em O jornal de Manaus.
Não um poema de que me envergonhe de todo, afinal eu tinha 16 anos e aparecem versos até razoáveis como:

o vento
o córrego entre as
montanhas
a lua líquida
sobre a superfície

Havia todos os lugares-comuns da tradição poética, ou seja, poetizando a "poesia" com todos os chavões conhecidos de que não me libertei até hoje.
Sim, festejo silenciosamente os 58 anos de minha poesia. Não escrevo isto com tristeza, mas até com certa vitória. Afinal, bem ou mal foram 58 anos de produção literária. Há quem não tenha tido nem isso de vida.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

O POEMA PROFÉTICO



O POEMA PROFÉTICO

Rogel Samuel

Mithrídates Correa é o poeta mais desconhecido da Amazônia. No entanto, muito escreveu. Em jornais, revistas, Manaus. Não publicou um só livro. Era um bom poeta. Poucos se interessaram por sua obra. Um dos poucos foi o grande piauiense Assis Brasil, que fez muito mais pela cultura brasileira do que um ministério da cultura. Devemos à persistência de Assis Brasil a melhor coletânea da poesia no Brasil em livro.
Mithrídates Correa nasceu em Manaus, em 1904 e lá faleceu, em 1968. Foi juiz no interior e professor Catedrático de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas. “Promotor público, advogado, militante, poeta”, escreveu Assis Brasil.
Ele morreu no dia primeiro de janeiro de 1968.
Um dia antes de morrer, publicou no “Jornal do Comércio” de Manaus um poema profético, falando de sua morte: “não pode o coração sofrer engano, / ainda que seja um coração de aço”.
Apesar de não ter publicado nenhum livro, entrou em antologias e na Academia Amazonense de Letras, onde ocupava a cadeira Olavo Bilac.
Seus textos em prosa são excelentes, como li nos poucos fragmentos que nos sobraram. Seu testamento poético foi encontrado depois de sua morte. Um poema longo, do qual extraio alguns versos, que dizem: “Quando eu já não for / ... / que se abra o chão / e à voracidade da terra / minhas carnes atirem / vida em movimento, alma em ação / que eu volte a ser nada / como fui outrora / da vida um acontecimento / em trajetória para o esquecimento / e o que deixei de mim como lembrança / que sirva de alimento”.
Está o poema na revista da Academia Amazonense de Letras, n. 12, de 1968. Pouco depois de sua morte. Mas, como ele escreveu, em outro poema:
“Não morre o que transforma a força em pensamento
e desta arranca a cor e o movimento
e tudo que de belo o pensamento encerra”.
Fui o primeiro a colocar na Internet os poetas amazonenses antigos, no meu deletado “Site do Escritor”, que a Geocities teve o cuidado de tirar do ar, até hoje não sei por quê. Talvez porque excedia o limite do espaço on line. Mas não estava lá o poeta Mithrídates Correa.
Como ele escreveu, todos nós estamos “em trajetória para o esquecimento”.

terça-feira, 22 de maio de 2018

O grande tesouro

O grande tesouro

(Coroa de esmeraldas que pertenceu à Rainha Vitória)
 
O grande tesouro

Rogel Samuel


"Conheço agora
este tesouro da verdadeira liberdade,
inesgotável não só para mim
mas também para todos outros:
a lua brilha sobre a água do rio
o vento sopra nos pinheiros
fresca e pura sombra de uma larga noite.
Qual é a causa?"

Yoka Daishi. "O canto do satori imediato"



Yoka anuncia a decoberta de um tesouro, de um tesouro da liberdade, libertaçao verdadeira, inesgotável tesouro, para ele, para todos, e qual é esse tesouro? onde reside este tesouro? lá, na lua que brilha sobre o rio sem causa, no vento que sopra nos pinheiros sem causa, na fresca e pura sombra sem causa, de uma noite sem causa, de uma larga noite sem causa. A descoberta de que nada tem uma causa, de que tudo é gratuito no Universo, é a libertação absoluta, é o tesouro máximo da liberdade absuluta.

D. PEDRO II FOI O ÚNICO EM TODAS AS 3 AMÉRICAS A RECEBER A ORDEM DA JARRETEIRA

D. PEDRO II FOI O ÚNICO EM TODAS AS 3 AMÉRICAS A RECEBER A ORDEM DA JARRETEIRA




D. PEDRO II FOI O ÚNICO EM TODAS AS 3 AMÉRICAS A RECEBER A ORDEM DA JARRETEIRA

Ordem da Jarreteira em todo o mundo apenas 258 pessoas a receberam, ela é a mais alta ordem da Inglaterra. No hemisferio sul, somente o ultimo imperador do Brasil, D. Pedro II a recebeu. Ela lhe foi entregue pela rainha Vitoria, após a "Questão Christie", quando o Brasil quase entrou em conflito com a Grã-Bretanha, chegando a expulsar o diplomata saxão das terras brasileiras.

RECENTEMENTE O PRÍNCIPE WILLIAM CASOU-SE COM A FAIXA DA ORDEM. É A FAIXA AZUL NO SEU TÓRAX.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

havia uma igreja no alto


havia uma igreja no alto
de lá se descortinava
o grande mar o asfalto
por onde a estrada passava
ficava o mundo em pedaços
a praça os recomeços
as cartas de teu regresso
ficavam nas pedras os passos
a esquiva glória de amar
os pedaços de si mesmo
o meio a linha os traços
o espetáculo no espaço
a glória curta no ar
havia uma igreja no alto
e o plano do grande mar

ROGEL SAMUEL

quinta-feira, 17 de maio de 2018

TRÊS LIVROS

Obrigada pelo envio caríssimo
Rogel Samuel
Encheste-me de fortuna

FRANCISCA DE LOURDES LOURO

A 3ª REIMPRESSÃO DA 6ª EDIÇÃO

A 3ª REIMPRESSÃO DA 6ª EDIÇÃO NA SUA LIVRARIA...

quarta-feira, 16 de maio de 2018

A calota polar

A calota polar














"






A calota polar

Rogel Samuel





A calota polar está desaparecendo. Isto pode ser um gravíssimo acontecimento. Pode haver de tudo: aumento do nível das águas, deslocamento da massa das águas, eliminação do nível que hoje os oceanos têm, mudança de clima, etc. etc.

Não sei se isto pode eliminar a vida na Terra, mas o desequilíbrio pode ser grande.

Diz o jornal Publico, de Portugal: "Temperaturas do solo sempre congelado na Antárctida estão a subir durante o Verão.

Até aqui não havia muitos dados a nível mundial sobre o que se está a passar na Antárctida com o solo sempre congelado, o permafrost. Mas, graças às investigações na região da Península Antárctica, nos últimos nove anos, de uma equipa coordenada pelo Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, começa a ter-se uma ideia: a parte superior dopermafrost tem vindo a aquecer.

Estes resultados foram apresentados numa sessão de divulgação no Centro de Estudos Geográficos (CEG), na segunda-feira. "Já sabíamos que havia um aumento das temperaturas do ar, que foi de 2,5 graus [Celsius] nos últimos 50 anos. Não se sabia era nada do que se passava no solo, não havia dados", explica ao PÚBLICO Gonçalo Vieira, coordenador do Grupo de Investigação em Ambientes Antárcticos e Alterações Climáticas do CEG".

Dizem que "o derretimento da calota Polar do Ártico não teria nenhuma influência no nível do mar, pois se trata de gelo flutuante. Isso significa que, em estado sólido ou não ,ele eleva o nível do oceâno igualmente. Nenhum aumento ocorreria no nível do mar, por motivo do derretimento dessa camada de gelo".


Mas o solo é que está esquentando.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

O livro secreto

O livro secreto








O livro secreto

Rogel Samuel


Quase frio. A tarde fria, úmida. Sem sol. Paira uma tristeza no ar. Sinto falta de um gole de café, viciado que sou. Quantos cafés tomo por dia? Li uma página de Montello sobre o Diário secreto de Humberto de Campos. Montello diz que ali estão algumas das mais belas páginas de Humberto de Campos. E das mais sofridas. Montello diz que não fala mal de ninguém em seus diários. São imensos volumes. Li dois deles. “O silêncio é também uma sentença”, conclui. Ascendino Leite relata a sua dificuldade de achar uma editora. Teve de pagar seus próprios livros, na maioria das vezes. A Itatiaia o publicou. Pedro Paulo, da Itatiaia, publicou muitos belos livros que não venderam. Encalhe enorme, que não preocupava Pedro Paulo: “Acabam vendendo”, dizia ele. Não fazia liquidação de seus livros. Editava com amor. Tinha mais de 5 mil títulos no catálogo.

domingo, 13 de maio de 2018

MINHA MÃE E O BUDISMO


MINHA MÃE E O BUDISMO

ROGEL SAMUEL


Minha mãe participou ativamente do budismo em certas ocasiões.
Um dia estava no Rio e lhe disse que não podia eu ir a um retiro budista para não deixá-la só.
- Eu vou junto, disse-me ela.
Era numa floresta belíssima com um córrego na montanha e o orientador era o Bikkhu Annuruddha, monje theravada já falecido do Ceilão.
No fim, ela me dizia:
- Foram os melhores dias de minha vida...
Depois, em Manaus, eu organizei o primeiro grupo budista da cidade e ela teve participação fundamental na organização...
Mais tarde fizemos uma longa prática em sua casa e ela convidou os vizinhos.
Era devota de Tara: Quando um monstruoso cão raivoso a atacou, ela só teve tempo de dizer: TARA TARA TARA – e o animal se apaziguou.
Espero que hoje ela esteja no universo de Tara. Na floresta de sândalos perfumada...


Thank you Henry Chia for your image

sábado, 12 de maio de 2018

DIA DAS MÃES



Dias das mães

Rogel Samuel


Que dirá no dia das mães?
Que ou como fazer a releitura em desenho da mãe?
Mãe protetora ou geradora mãe da vida?
Mãe que dá o leite da existência, a mãe fonte da onda, do tempo, da luz, da força?
Mater dolorosa do Cristo, mãe de todos nós...
Mãe-terra, mãe-água, mãe do universo...
Mãe anjo da guarda, mãe das coisas divinas e terrenas,
Mãe morta há muito tempo mas muito viva, mãe viva, mãe vida!


FOTO R. SAMUEL: BIARRITZ

sexta-feira, 11 de maio de 2018

MINHA MÃE



MINHA MÃE: "NÓS nos despedimos na Cancela sob a primeira luz da madrugada do Natal de 1897 - eu de minha mãe, nunca mais a vi - na presença de todos que ali estavam e de quem me não quero lembrar, no povoado de Patos em Pernambuco, de onde parti com duas mudas de roupa na mala, amarrada, costurada, com um cosmorama onde se avistavam as paisagens de Manaus, Belém, Paris, Londres, Viena e São Petersburgo."

jardim antigo

jardim antigo



um fato aconteceu
no silêncio das flores do jardim abandonado
entre os arbustos
e folhas secas

aumentaram as cores
a vivacidade variada
libertaram
não sabem a nenhum
germinam grandes entre pedaços de
estatuária
debaixo de pedras
dentro dos tanques surdos

somente perdidos anjos
e o cão preto
aquelas aves desgarradas
aquelas murtas velhas
não a vêem

à noite um lagarto verde
entre as estrelas azuis

as flores dormem

as flores há muito tempo lá estavam
elas dormem

ROGEL SAMUEL

quarta-feira, 9 de maio de 2018

uivo longo noite escura vento

uivo longo noite escura vento

uivo longo noite escura vento
o vento evoca suas vozes
longas e ecos cavernas fundas
por que parece que morri?
uivo longo, muitas vozes
silenciadas
madrugada escancarada
prata ouro lanterna mágicas
calma nos arredores e arrepio
uivo longo na murada
volto a sonhar

ROGEL SAMUEL