sábado, 30 de junho de 2007
PÓS-HUMANISMO: SEXUALIDADE, REPRESENTAÇÃO E TRANSGRESSÃO
Estudos recentes exploram as complexas relações entre sexualidade, desejo, violência e modos de representação popular e transgressiva na arte da representação, e os limites conflitantes entre a realidade dos fatos e a ficção.
Através dos filmes, das media ou dos textos escritos o tema focaliza a noção de ficção como drama que tem escalas explícitas de aproximação da «vida real» em particular. Explora a tendência crescente de obscurecer o documentário e o «drama» para apontar as questões repensadas sobre as ligações entre sexualidade e representação, violência e cultura popular, entre corpo e texto. A representação do sexo e da violência serve a uma função social ou é mera exploração? O que é a relação entre o espetáculo e a representação de violência, o crime e o trauma sexual? Leitura de eventos de mídia, ficção popular e filmes é fundamentada então em discussão teórica relativo às ligações entre realidade e representação, fantasia e reais eventos. O módulo também trata de assuntos como o corpo «pós-humano» em cultura contemporânea. Divisões convencionais entre a realidade dos corpos e o discurso da ficção são crescentemente conflitantes em muitas áreas de do desempenho tecnológico e experimental, filmes-debates de teoria nos efeitos de cultura visual em relações sociais. Sexualidade se torna um termo que podem descrever como um estado de a priori existente e uma forma de auto-expressão da media com influências como do filme, da teoria e da tecnologia, mais de contudo inextricável de gênero, raça e história. O módulo coloca o gênero, a materialidade corpórea, a sexualidade e a política como termos voláteia usados para definir e quebrar as noções tradicionais de agir, volição e auto-representação. Em que sentido esses termos são importantes quando se pensa o futuro do corpo, do gênero e da sexualidade?
A tensão entre uma memória ética de opressão passada e um modo de pensar futuros criativos e responsáveis para o corpo em vários estéticas e representações epistemológicas informam nossa compreensão de si, da media e do mundo.
- Os temas fundamentais incluem, por exemplo, debates relativos à violência da representação e da representação como violência.
- São explorados os assuntos da violência e de gênero «a sangue frio» pelos produtos culturais e práticas como o «verdadeiro crime história de...»
- A representação de sexo, violência e identidade de transgridir é explorada, por exemplo, em os Meninos não Choram (Kimberley Peirce, 1999).
- De ficção popular filmar–sexualidade feminina em O Peso de Água (Kathryn Bigelow, 2000)
- A elevação de teoria esquisita.
- O monstruoso outro na cultura post-moderno cultive.
- Subversão ou retenção? O corpo perverso e o poder de diferença.
1. demonstra uma compreensão crítica de debates complexos por uma gama de disciplinas em sexualidade, violência e representação em cultura popular;
2. independentemente avalia aproximações alternativas a sexualidade e gênero na forma de argumento contínuo;
3. negocie as implicações políticas e éticas de posar futuro post-humano para histórias de corpos de opressão;
4. criticamente junta o estético, o social e o político, contextos de representações visuais e textuais de assuntos que pertencem a sexualidade na cultura contemporânea;
5. posição dentro do contexto de debates nas relações entre subjetividade e desejo, corpo e texto, e o obscurecer de limites entre fato e ficção.
quinta-feira, 28 de junho de 2007
Theorizing Memory
by Johanna Drucker
Columbia University Press
Due/Published January 1996, 224 pages, paper
ISBN 0231080832
Theorizing Modernism is a rereading of the modernist tradition in the visual arts that provides a unique view of the history of modern art and art criticism through a psychoanalytic and poststructuralist stance. Concentrating on canonical critical texts and images, the book examines modern art through a rhetoric of representation rather than through formalist criticism or the history of the avant-garde. Three themes organize the work: attitudes toward the space - social, literal, and metaphorical - of modernism as representation; assumptions about the ontology of the object (from aesthetic formalism to deconstructionist interpretation); and theories of the production of subjectivity (from artist and viewer to subject position). The first section reviews the spatial metaphors used to describe modern life, from Baudelaire on the work of Constantin Guys, through Jean Baudrillard on the paintings of Peter Halley. The second section examines the writings of such modernist critics as Clive Bell, Roger Fry, and Clement Greenberg on the object as a formalist construction. The final section explores concepts of the artist as a producing subject and of the viewer as a produced subject with respect to such artists as Pablo Picasso, Marcel Duchamp, Andy Warhol, and Sherrie Levine. This book is a major contribution to the study of modern art history. Theorizing Modernism, in Professor Drucker's words, "is not an analysis of modern visual culture, nor of modernity through the visual arts. It is a study of the changing strategies of visual arts and critical writing according to a rhetoric of representation through three themes that examine concerns central to the cultural production known as modern art."
by Johanna Drucker
Columbia University Press
Due/Published January 1996, 224 pages, paper
ISBN 0231080832
Theorizing Modernism is a rereading of the modernist tradition in the visual arts that provides a unique view of the history of modern art and art criticism through a psychoanalytic and poststructuralist stance. Concentrating on canonical critical texts and images, the book examines modern art through a rhetoric of representation rather than through formalist criticism or the history of the avant-garde. Three themes organize the work: attitudes toward the space - social, literal, and metaphorical - of modernism as representation; assumptions about the ontology of the object (from aesthetic formalism to deconstructionist interpretation); and theories of the production of subjectivity (from artist and viewer to subject position). The first section reviews the spatial metaphors used to describe modern life, from Baudelaire on the work of Constantin Guys, through Jean Baudrillard on the paintings of Peter Halley. The second section examines the writings of such modernist critics as Clive Bell, Roger Fry, and Clement Greenberg on the object as a formalist construction. The final section explores concepts of the artist as a producing subject and of the viewer as a produced subject with respect to such artists as Pablo Picasso, Marcel Duchamp, Andy Warhol, and Sherrie Levine. This book is a major contribution to the study of modern art history. Theorizing Modernism, in Professor Drucker's words, "is not an analysis of modern visual culture, nor of modernity through the visual arts. It is a study of the changing strategies of visual arts and critical writing according to a rhetoric of representation through three themes that examine concerns central to the cultural production known as modern art."
domingo, 24 de junho de 2007
A GARÇA
Rogel Samuel
O sol na linha do horizonte é uma bola de fogo.Do outro
lado está a Ilha do Fundão. E a lua. Estou indo para o
aeroporto. O mar estende seu manto por toda parte. Uma
leve aragem vem vindo devagar. Mas o calor se anuncia.
Pássaros pelo ar sujo. Quando jovens, nadávamos naquela
praia, hoje vala negra. No caminho do Galeão havia uma
praia que desapareceu. Diziam que ali estavam as
perigosas aranhas viúvas negras. Mortais. Meu amigo pescava ali.
Fomos, pelo meio do capim, até uma outra ilha, hoje
desaparecida. Na Freguesia havia um cinema de espelhos.
Era o mais belo cinema do Rio. Havia espelhos de cristal
até no teto. Os astros. À noite:
A gentileza da lua
no espelho das águas
brilha, nua.
Quando eu cheguei ao Rio, vindo do Norte, passei por ali.
Trazia esperanças e a juventude dos dezoito anos.
Tinha uma carta para o Diretor Comercial da TV Rio,
escrita por sua irmã e minha amiga Alice Senna. Logo
ganhei um emprego na Redação da TV, onde trabalhavam
vários rapazes desconhecidos, hoje famosos. Mas não
fiquei muito tempo no emprego, porque o trabalho era de
noite e eu tinha aula na Faculdade pela manhã. A TV ficava
no Posto Seis, defronte do mais belo mar. Foi lá que vi
Juscelino pela primeira vez. Alguns anos depois ele falou
na nossa FNFi. Entrou sob vaia. Demorou para conseguir
iniciar. Sua fala durou uma hora. Depois respondeu às
perguntas, todas contra. Não perdia o sorriso, a gentileza.
Foi o homem mais educado que conheci. Saiu dando
autógrafo.
Naquele mesmo salão devia falar Lacerda, como paraninfo
da ala da Direita que se formava. Nós o impedimos de
entrar. Fechamos as portas. Lá de cima, gritávamos:
"assassino!" Lacerda, impaciente, do outro lado da rua,
mandou que a PM arrombasse a porta. Nós chamamos o
Exército... de Jango. Foi terrível: de um lado o Exército,
armado. Do outro a PM, com o Governador Lacerda.
Penso que o Golpe de 64 nasceu ali, no meio da rua, em
frente ao prédio da Faculdade Nacional de Filosofia, hoje
Casa de Itália. Depois, os dois comandantes se
encontraram e evitaram o pior. O Exército se retirava, e a
PM também se retirava, mas sob grande vaia. Lacerda,
inconformado, queria briga. Pouco tempo depois a tropa invadiu o prédio, quebrou tudo, bateu e prendeu. Ainda bem que, naquele dia, eu não estava ali.
Mas perdemos a máquina datilográfica do centro de
estudos, e os discos clássicos da discoteca. Até mulher
grávida apanhou.
A política daquele tempo era assim. Assisti a Jânio
Quadros em Manaus, na sua campanha à Presidência.
Havia um palanque montado em frente à nossa casa, na
Getúlio. Primeiro falou Plínio Coelho, hoje ainda vivo. Tinha
a voz nasal e era um famoso orador. Depois Jânio. Os
grande olhos abertos, a voz rouca. Alucinado, abria os
braços com que dominava tudo. Como Hitler, batia
frenético na plataforma: "O Brasil... já tem idade... de
deixar de viver... da caridade internacional!" Era um
delírio.
Impressionante foi ouvir o velhíssimo Sobral Pinto na
abertura das "Diretas-Já!" Já estava curvado, já era muito
frágil. "Silêncio!", ele disse. "Peço silêncio! Quero falar em
nome do povo do Brasil!"
A branca e bela garça sobrevoa e baila, alcançando o
escuro campo onde reina. Será mesmo uma garça? Ou
será uma deusa tecida de estrelas? A massa de sua luz no
céu subitamente se abre e desce, sobre a penumbra do
Universo. E eu me esqueço. Me esqueço.
sexta-feira, 22 de junho de 2007
quinta-feira, 21 de junho de 2007
O MORRO DO AMOR
Rogel Samuel
Coro dos Policiais: No dia 23 de outubro, a PM ocupa o Morro do Amor, no Lins.
Dois traficantes morrem.
Coro dos Justiceiros: 'Se eu falar as línguas de homens e anjos, mas não tiver amor, sou como bronze que soa, ou o tímpano que retine'. [Coríntios, I, 13,18].
Corifeu: No morro D. Cláudia entregou o filho de 16 anos à polícia.
Hierofante: 'E se eu possuir o dom da profecia, e conhecer todos os mistérios e toda a ciência e tiver tanta fé que chegue a transportar montanhas, mas não tiver o amor, nada sou'...
Coro das faveladas: - Diz, ó desvairada Cláudia, para onde estás indo, com teu filho pelo braço?
- Estou indo a levar o meu filho para os policiais...
Na delegacia, o menor confessa que matou o empresário X, de 65 anos, na madrugada de quinta-feira, em Copacabana.
Coro dos Justiceiros: 'E se eu repartir todos os meus bens entre os pobres e entregar meu corpo ao fogo, mas não tiver amor, nada disso me aproveita' (ibidem).
Grita o Coro das Faveladas:
- Ó Claudia, mulher enlouquecida de dor, aonde estás indo? A quem estás levando?
- Levo, ó Amigas, o meu único filho para a condenação...
[O garoto confessou o crime à mãe, após ler notícia na imprensa do dia seguinte.]
Coro dos Justiceiros: 'O amor não é descortês, não é interesseiro, não se irrita, não guarda rancor; não se alegra com a injustiça mas regozija-se com a verdade' (idem).
D. Cláudia, pobre, cansada, entregou o filho à polícia. Disse que tinha princípios. Disse que tinha, por princípio, a Justiça, - reza, em surdina, o Coro dos Policiais.
Coro dos Justiceiros: 'O amor é paciente, o amor é benigno, não é invejoso; o amor não é orgulhoso, não se envaidece' (idem).
Hierofante: D. Cláudia entregou o filho aos policiais. Disse que era assim que devia de ser.
Faveladas: 'O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta' (idem).
Corifeu: Mas os amantes já não sobem o Morro do Amor...
Parcas: O empresário parou seu Mercedes na esquina de Bulhões de Carvalho com Rainha Elisabeth, em Copacabana, e foi abordado por dois rapazes armados...
Vocifera o Coro das Faveladas:
- Isso não poder ser, ó desgraçada mulher! Isso não poder ser! A quem levais desta sorte?
- Sim, desgraçada sou, diz a Mãe, a quem a Justiça a tudo obriga.
- Porque 'o amor não se alegra com a injustiça mas regozija-se com a verdade', responde, em surdina, o Coro dos Policiais.
Parcas: O Empresário fugiu da morte escura com seu carro, e por isso foi baleado na cabeça.
- Mas ninguém foge dos Senhores da Morte... - reza em surdina o Coro dos Policiais.
Grita o Coro das Faveladas:
- Acorrei, Irmãs, acorrei, que D. Cláudia leva seu filho para a desgraça...
Hierofonte: Ao combate que a PM fazia ao tráfico de drogas, os marginais do Morro do Amor contra-atacaram com o fogo...
Coro dos Justiceiros: Mas sem dinheiro, sem advogado, sozinha no mundo armado, D. Cláudia levava o filho pelo braço...
Corifeu: Já a Unidos do Cabuçu no Morro do Amor cala seus tambores...
O Vingador: Pois no dia 23 de outubro a PM ocupou Morro do Amor.
Parcas: Traficantes morreram e era 23 de outubro; 'as línguas emudecerão; a ciência terminará; mas o amor jamais acabará'.
Hierofante: Porque D. Cláudia entregou o filho de 16 anos à polícia.
Faveladas: Oh, era um garoto...
(Cai o pano).
sábado, 16 de junho de 2007
CANTARES
CANTARES
Rogel Samuel
Canto primeiro
Decorrido o tempo a imagem dela
entre as pessoas da rua começa a linear-se
ou desaparecia ou próxima e inteira
como um coice se via a variada
aspergida dispersa sua figura
de tordo e metal desconhecido
enfurecia o comando deste povo
que habita diretamente todos nós
acelerava a parte e sobre a sarça obscura
certo da sua atitude disciplinar
amanhecia ainda e um mapa de cores
à disposição. Oh sinto-me levado
pela demonstração a coisa o folhear
porque mostrar é o meu único refúgio
e o meu desenlace transacto imposto tenso
nunca passava de róseo amarelo azul
nenhuma cor. As pernas estendidas sobre o
fundo, espero e fico como que mais surdo
às expectáveis palavras dos velozes
quem podia me reanimar: era sozinho
e ela faiscações rebrilhos Potestade
conseguia tocar os dedos transferidos
para outros compromissos plataforma
mais alta mais velada alada e aérea
fala fatalidade irmã da morte
quem se aformoseie e se transfere em quê
argila topográfica caminhada
caminhemos convictos, caminhemos
e sedimentares que ali não eram certos
de pálida derrota senão estava
dizer de cláusulas alfandegárias trapaceadas
oh irmãos da morte vigiai
as inúteis bandeiras abas leques
queimam gasolina controlada
computada pelos contornos senhoriais
arrendai-me oh grande queima verde
recém saída de altos fornos cerimoniosos
que pegando o tecido e examinando a cor
discutem entre si sacudindo os olhos
penduricalhos pingentes quedados
superiorizados pagos trepados: à tintura
o consolida moço de consciência
proletário pulsar dos pulsos que seguravam
nos sustentando famintos e opressores mitos
umas leves camadas de barro que se espoliavam
aos duros golpes do inimigo devotos
gaivotas gotas de Infinito acaso a morte
parda e morna e paliçada ardia
mas estando refrigeradas e atadas
eram pingentes constelações turbinas tubulares
que se aprofundavam em congelamentos e orgias
Era a guerra. Endereçadas populações marginais
nutrizes de servidiços trabalhos
a imitação - que é minha - sempre aberta
olhos elétricos candelabros enodoados
se apagavam em cores para a visão final
cadeirinhas carreiras tremulina dons
a placa de metal sobre o alto assoalho
sobretudo os altíssimos raios sacramentais
e contínuas marés de compridas nuvens
alvuras para que passemos sobre as suas
cabeças sensuais de não afago
mais que a trama o permitir e então
no frígido planeta estereotipado
sentido pintado o fim do mais querido
sonho, adeus, foi só um momento aquele
o tapume os jogadores o pólo verde
ainda entrevejo, débil coração
conexa a minha memória esgarçada
já vigiava o céu, velho e severo
céu que era pleno de estrelas assassinas
em baixo da minha pouca paliçada
o rol de meus amigos mortos aprisionados
camuflados traidores feitores dores
fugiam todos por um curso usual
1963, lembro era de tarde
- traspassada dividida, lentamente
andávamos através daquela rua
o lugar grave passos tardos convulsão
resumida o contato nossas mãos
- toque de dedos, rápido e desperto
eu não conseguia narrar, ó musa descoberta
evanescente irrecuperável ocorrendo
por onde passava inteiramente aberta
a presença frente a tela de cinema
e implantado aquilo não me era triste
pois tudo começou no dia lembro bem
quando acordei o teto do meu quarto
desmaiado vinha de amanhecer um outro
sol do outro lado do mundo, aberta a janela
labirinto abastardado claro suavíssimo
marítimo emanava aquele ponto horrível
horizonte que entrando um azulado
vento do mar oleava lembro-me das linhas
retas cruzes ruas úmida cidade indiferente
da quase madrugada que chegava a forte
perfeita aterradora ambígua assassina
as persianas que batendo viam
que desesperavam para a morte
a minha confiança e a minha lembrança
o aroma de café entrante o espaço lerdo
subia até ali. o esquecido, eu pensei:
devo amá-la. e olhei pela janela
na espera de encontrá-la: mas um grupo
policiais à paisana e eu... súbita felicidade
vinha da calma da praça em que estávamos
na borda daquela raça ela subiu pedestal
vazio frio cabeceira tanque retangular para o ar
sumiam seus braços seus brados espalmados
para o céu como voasse ameaçava
dizia que o vento intenso era sensual
recolhia para si própria aquele medo
e levava ao majestoso ao largo olhar
mar que soando forte aos nossos gritos
órgão a sua voz de meus cristais
a salsugem penetrava e da camisa
nua sobre seus cabelos ressoava
e entrando como por um túnel me atava
nadava me entristecia ainda mais
da sua essa passageira aparição demora
o momento montante o interior imensurável
os rápidos retardos que é para sempre
adormeciam e sinto espécie nova
um som um estilhaço longo momentos
de certeza inteiramente perdição
depois na praia ela se deitava
e se largava na areia matutina
e era suave aquela branca nua
visto de longe no mar era certeza
espécie de vedação alta azul e informe
as coisas se dissolviam em explosões
cristas e covas cintilações sonoras
luminosidades que a ela me contavam
naquele dia ela no convés da chuva
quase todo o tempo o ruído nascia
da ondulação das dobras das estrelas
esbeltas circulares e misteriosas
Nós dois. Nós dois ríamos muito
de face recebendo gélida chuva
gotas algumas da tarde e haviam dito
- ouvíamos som de gaivotas mares
que ela andava como um adorno multicor
ela se precipitava entre as coisas vivas
que depois os soldados invadiram
bombas rebentavam no meio da sala
não havia rádio nenhuma comunicação
eu ainda não passava de matar a esperança
amada e ela morta certamente
a porta da frente onde estávamos
talvez aberta talvez fechada rebentou
eu passava a mão sobre sua cintura
e mordia-a na nuca ternamente
a porta começava a chave introduzida
na fechadura como ainda me lembro a outra porta
bem defronte os azulejos brancos a pia branca
a geladeira branca e lá fora chovia e a clara voz
nos dizia que era o fim de tudo
e que ouviríamos certamente o nosso algoz
como para poder fugir para o fundo de nós mesmos
tomamos de súbito os sinais
e entravam e se apoderavam os policiais
de toda a casa que um dia tinha sido minha
jogamos o nosso conteúdo fora
e fomos engolidos pelo meu silêncio
fugimos dali. Aquele golpe vitorioso
nos deslocava para a clandestinidade
fomos nos ver numa estação suburbana
olhávamos a planície e estávamos sós
quase uma centena de esperados iam
no bojo do mesmo trem. Mesmo ali naquele isolamento
desmilitarizados passavam policiais e viaturas
e nós éramos distraídos vendedores
Val era linda. Palavras cheias de angústia
fome medo perdição: Que fazemos aqui? Para onde ir?
Novo grupo de policiais chegava
nas imediações campos de guerra
e a porta cedia a pancadas a invasão
começou. O garoto olhava espantado. E começava
a lavrar um incêndio.
sexta-feira, 15 de junho de 2007
O MAR AZUL
Rogel Samuel
Volto de Copacabana, onde o vi. O mar, aquele mar azul.
"Vontade de cantar, mas tão absoluta, que me calo, repleto", escreveu Drummond ao vê-lo. Ao vê-lo belo. E azul. Tão azul.
O problema do mar, de sua beleza, é que sua beleza é infinita, é azul, azul profundo.
Oh, sim, estamos, entramos no Verão. Voltemos ao Verão. Que venha o verão. Como no início dos Cantos, Ezra Pound diz:
E pois com a nau no mar,
Assestamos a quilha contra as vagas
E frente ao mar divino içamos vela
No mastro sobre aquela nave escura,
Levamos as ovelhas a bordo e
Nossos corpos também no pranto aflito,
E ventos vindos pela popa nos
Impeliam adiante, velas cheias,
Por artifício de Circe,
A deusa benecomata.
Que mar é esse? Este é o mesmo mar de Ulisses, o mesmo mar de Pessoa, de Camões, que canta:
Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As marítimas águas consagradas,
Que do gado de Próteo são cortadas
Desconhecido embora, um poeta amazonense, Sebastião Norões, escreveu, há décadas, em 1956, um soneto perfeito, exemplar, único, sobre o mar. Seu título, "Mar da memória":
Eu quero é o meu mar, o mar azul.
Essa incógnita de anil que se destrança
em ânsias de infinito e me circunda
em grave tom de inquietude langue.
O mar de quando eu era, não agora.
Quando as retinas fixavam tredas
a incompreensível mole líquida e convulsa.
E o pensamento convidava longes,
delimitava imprevisíveis rumos
viagens de herói e de mancebo guapo.
Quando as distâncias fomentavam sonhos.
Rebenta em mim essa aspersão tamanha
que a imagem imatura concebeu
de quando o mar era meu, o mar azul.
No verão, o brilho intenso, os ares claros, as nuvens brancas. O calor é pegajoso, pecaminoso.
Quando jovem, morava perto do Arpoador. Domingos de sol, festivos, de verão extremo.
O sol ficando forte, vem a vida, as canções. O metalizado brilho do passado estandartiza, nos ares, as claras visões dos cânticos do sol. É o verão do mar, que para o amor se vai abrir. Quando amar se espera. E o mar, o mar azul, "essa incógnita de anil que se destrança / em ânsias de infinito e me circunda / em grave tom de inquietude langue".
É langue todo verão, e assim esqueço, me esqueço, penso que ainda jovem. Me lembro dos dias de verão do Pier. Quem tem sonhos não morre. "O mar de quando eu era, não agora. / Quando as retinas fixavam tredas / a incompreensível mole líquida e convulsa. / E o pensamento convidava longes."
O mar convida longes. Atravessa o longe, a linha, o afastado horizonte. Delimitando 'imprevisíveis rumos / viagens de herói e de mancebo guapo."
Naquele tempo, acampávamos nas praias desertas, e em desertas praias amávamos.
Um dia, em Búzios, um grande e luxuoso barco ancorou na praia onde acampávamos, na noite de Reveillon. De longe podíamos ver mulheres elegantes, os garçons, as champanhas. Fogos de artifícios. Ao nascer do sol, alguns vieram, num bote menor, até a praia. Algumas mulheres, de vestidos longos e brancos, ainda com as jóias, jogaram-se no mar. Outras, completamente nuas. Era a Era de 60, onde tudo se permitia, mesmo o ser feliz, nas « marítimas águas consagradas, / que do gado de Próteo são cortadas." E «nossos corpos também no pranto aflito, / E ventos vindos pela popa nos / Impeliam adiante, velas cheias». Sim, sim. « Por artifício de Circe, / A deusa benecomata."
Norões nasceu no dia 7 de março de 1915, em Humaitá, Rio Madeira, Amazonas. Mas estudou em Fortaleza, daí sua fixação no Mar. Aos 18 anos voltou para Manaus, fez Faculdade de Direito. Foi meu professor no Colégio Estadual. Chefe de Polícia do Estado, onde protegeu o comunista Jorge Amado. Era professor de Geografia.
A geografia do Mar.
Quando éramos jovens, Norões foi nosso professor e Mestre. Posso vê-lo, atrás das baforadas de cigarro. As lentes grossas. Norões impressionava, carismático, culto. Nunca pensei que faria sua "apresentação", anos mais tarde, quando escrevi um prefácio para a segunda edição de seu livro "Poesia Freqüentemente", de 1956. E é uma surpresa sempre que releio seu livro, sua poesia está mais viva ali, sua poesia é azul, lá onde o horizonte mergulha. E desponta.
O mar azul.
terça-feira, 12 de junho de 2007
A ESTRADA
A ESTRADA
Rogel Samuel
Na sinuosa estrada das montanhas verdes vem uma barreira horizontal. No alto, o céu brilha como um cristal fosco e imóvel. Estamos na Mantiqueira. E passamos a divisa dos Municípios de Delfim Moreira e Venceslau Brás. Os rios do Brasil estarão todos poluídos? Dia virá em que vamos ter falta de água potável. O Rio Sapucaí está ameaçado pelo lixo. Mas os bois, no grande pasto, parecem em paz. À margem, um caminhão tombado. É um gigante morto. Leio na Folha um poema de Guillén, traduzido por Thiago de Mello. As estrofes, os versos se embaralham na minha mente. Guillén, um dos poetas preferidos de Farias de Carvalho, nosso professor de literatura no Colégio Estadual. Farias aparentemente não dava aula formal. Ou fazia um ditado teórico. Mas não conheci melhor professor do que ele. Mais tarde fui aluno de Mestre Alceu etc. Mas foi Farias que me fez amar a literatura, não poder passar sem ela. A aula era uma conversa interminável. Um descompromisso. Farias deixou escola. Eu já vinha querendo ler poesia, depois que encontrei Camões num livro de primeiro grau:
Oh! lavradores bem-aventurados,
se conhecessem seu contentamento.
Aqueles versos cantam agora, vendo os bois no pasto. Até hoje ouço a gargalhada de Farias, a voz empostada, os grandes olhos graúdos, as mãos teatrais. A estrada sinuosa e verde continua. Um dia chegarei ao fim.
Mas o deserto está crescendo. Na serra da Mantiqueira, região de Piquete, desapareceram as florestas. As montanhas despontam, secas, nuas. Isso até parecia natural na Via Dutra, mas ali é novidade. Dali até o vale de Itajubá a devastação avançou em poucos meses. À direita da estrada pode-se ver um lixão às
margens do rio que vai cortar a cidade de Itajubá e onde poucos quilômetros abaixo crianças tomam banho e adolescentes nadam. De Itajubá até Poços de Caldas as antigas vilas se transformaram em cidades que,
sem planejamento, estão plantadas no meio da planície deserta de avermelhado de barro. Na próxima grande chuva o rio que corta a cidade de Itajubá pode transbordar, entulhado. O nosso país caminha para um
desastre ecológico: o rios se transformaram em esgotos escuros, e os riachos se transformaram em valas negras. “O deserto está crescendo. Desventurado quem abriga desertos”.
domingo, 10 de junho de 2007
TAO THE CHING
sábado, 9 de junho de 2007
sexta-feira, 8 de junho de 2007
quinta-feira, 7 de junho de 2007
segunda-feira, 4 de junho de 2007
domingo, 3 de junho de 2007
Poluição ameaça o futuro da China
Maior fábrica do mundo, o país contamina demais o ar, a água e o solo e compromete o mar e os lençóis freáticos
Ricardo Gandour, Enviado especial
Pequim - Em dias de mái, o sol brilha fraco em Tang Paradise, e o céu não é azul, mesmo num domingo ao meio-dia e sem nuvens. Construído em homenagem à Dinastia Tang (618-907), símbolo de prosperidade e excelência, o belíssimo complexo de lazer fica na cidade de Xian, centro-norte da China. Ali, como em diversas partes do país, volta e meia tem mái: uma névoa espessa que torna os dias mal iluminados e cinzentos.
O fenômeno ocorre da futurista Xangai à tradicional capital, Pequim. E tem se tornado tão freqüente que nos últimos anos surgiu no cotidiano a palavra mái, ideograma que combina os símbolos de 'nuvem' e 'animal' e na boca do povo quer dizer 'poeira ruim'. Mais do que apropriado para designar a mistura de fumaça, poeira, gases e elementos químicos em suspensão que varre boa parte dos 9,5 milhões de quilômetros quadrados do país e cujos efeitos, registrados em fotos no site da Nasa, já chegaram a atravessar o Oceano Pacífico e foram sentidos na costa da Califórnia.
A China, a maior fábrica e o maior canteiro de obras do mundo, enfrenta, na corrida pelo crescimento econômico, um gigantesco desafio: o impacto ambiental. A China está poluindo demais o ar, a água e o solo.
A questão ambiental chinesa ganhou na semana passada um dado alarmante. Estudo divulgado pela Academia Chinesa de Ciências Médicas revelou que o câncer, turbinado pela poluição, acaba de assumir a liderança no ranking de motivos de morte no país. 'A principal razão é a poluição da água e do ar, pior dia após dia', disse o médico e cientista Chen Zhizhou.
O governo tem lidado abertamente com a questão. O ministro da Informação, Cai Wu, vai direto ao ponto: 'Temos severos problemas com poluição do ar, água e solo. Nossas empresas poluem demais', disse Cai em entrevista na semana passada (leia na página seguinte).
No ar, pairam gases, poeira, fumaça e principalmente a substância formaldeído e seus derivados, usados na construção civil. As partículas sólidas penetram irreversivelmente nos pulmões, conforme o estudo divulgado por Chen e publicado no jornal estatal China Daily. 'Muitas indústrias lançam resíduos nos rios. E o uso excessivo de fertilizantes e pesticidas contamina os lençóis freáticos', acrescentou. Passar longe da água da torneira, mesmo tratada, é uma recomendação feita pelos guias turísticos. Até gelo eles recomendam evitar.
A situação piora bastante quando ocorrem as já familiares tempestades de areia, parte integrante do cotidiano e das previsões meteorológicas. Não é difícil encontrar um cidadão de Pequim que explique que as sandstorms vêm com os fortes ventos que sopram da Mongólia, ao norte do país, arrastando a poeira gerada pelos crescentes desmatamentos. É o caso da guia e intérprete Olívia Duan, 22 anos, que mora com os pais em Pequim. Olivia não menciona onde obteve essa informação, mas o fenômeno é citado no livro China S.A, de Ted Fishman, publicado em 2005.
Outro estudo divulgado na semana passada em Pequim mostrou o comprometimento da água do mar. A análise realizada em 75 estações de medição em 13 cidades litorâneas acusou a presença de arsênico, mercúrio, cádmio e cobre, entre outros metais e poluentes.
A pesquisa do dr. Chen foi feita em 30 cidades e 78 condados. Mas, além das estatísticas, basta andar e observar o batalhão de guindastes e gruas trabalhando 24 horas por dia e 7 dias por semana, demolindo prédios velhos e sujos e abrindo terrenos para megaconjuntos residenciais e empresariais.
Num movimento gigantesco de urbanização, cuja magnitude e velocidade não têm precedentes na história, a China busca incessantemente construir infra-estrutura e fazer a economia girar para acomodar os mais de 100 milhões de trabalhadores rurais em processo de migração interna, nas estatísticas oficiais - analistas ocidentais falam em números maiores. Para isso, precisa construir todos os meses infra-estrutura equivalente a Houston, cidade americana com 2 milhões de habitantes, segundo estudo de Fishman.
Além da pressão do movimento migratório e de urbanização, que aumenta a demanda por quase tudo, Pequim se prepara para sediar, em 2008, a 29ª Olimpíada - o que quer dizer mais obras.
Em Xangai, dezenas de construções velhas à margem do Rio Huangpu estão vindo abaixo para abrir um terreno de 6 quilômetros quadrados, onde já se batem as estacas do megacomplexo que vai sediar a Feira Mundial em 2010 (leia na pág. 27). Segundo o governo, as atuais 5 linhas de metrô de Xangai vão virar 11 até 2010, o que equivale a construir 200 novas estações.
O debate sobre o meio ambiente é aberto e cada vez mais freqüente na China - ótimo sinal num país ainda com muito a avançar em termos de liberdade de expressão. Mas há uma descoordenação entre os níveis de governo. Fortalecidos após as reformas de Deng Xiaoping (1904-1997) - que a partir de 1978 tirou a China dos anos traumáticos da Revolução Cultural (1966-1976) de Mao Tsé-tung (1893-1976) e iniciou a abertura da economia -, os comandos locais nem sempre obedecem ao governo central.
Numa economia planejada, com planos e metas definidos anualmente pelo Partido Comunista Chinês e ratificados pela Assembléia do Povo, há um alinhamento geral de objetivos, mas o governo aponta falhas na execução. 'Alguns distritos e condados, para cumprir suas metas de desenvolvimento, não cumprem diretrizes centrais ligadas à qualidade e eficiência de projetos', disse ao Estado um graduado funcionário do governo central. 'Pelo interior, tem muita usina a carvão que precisa ser urgentemente modernizada ou fechar, tamanha a poluição.' E completa: 'A questão ambiental está parando no discurso do governo central.'
No dia 15 de maio, um grupo de moradores se mobilizou para interromper a demolição de uma vila hutong (pequenas residências formando corredores) da Dinastia Ming (1271-1368), obra autorizada pelo distrito local para dar lugar a um conjunto comercial. A área, em Pequim, é declarada de preservação pelo governo da província. O caso foi motivo de irados editoriais nos jornais.
Mesmo o governo querendo - e discursando -, a China não tem conseguido mostrar que é capaz de desacelerar seu crescimento, alavanca do risco ambiental que hoje assola o país asiático. Em 2006, não cumpriu as metas de redução de consumo de energia, baseadas num índice, associado ao PIB, de 4% - ficou em apenas 1,2%. E na redução da emissão de gases nocivos, ficou longe da meta estabelecida, 2%. Em março deste ano, quando esses números vieram a público, o primeiro-ministro Wen Jiabao apontou o 'descaso das autoridades locais' como a principal causa.
No consumo de carvão, outra frustração. Divulgadas pela primeira vez também em março, as estatísticas do setor mostram que a China consumiu 2,5 bilhões de toneladas de carvão em 2006, 9,3% acima do consumo de 2005. A meta de redução, de 4%, ficou longe.
Na Província de Shaanxi, demolições de dezenas de casas e fábricas antigas estão abrindo espaço a um campus de 60 quilômetros quadrados para abrigar a Cidade da Aviação, um cluster para atrair empresas e joint ventures do setor de engenharia de aeronaves e que tem como meta suprir até 30% da crescente demanda por aviões para uso doméstico nos próximos dez anos. Seria uma excelente oportunidade para tocar no assunto sustentabilidade - mas a apresentação do projeto não aborda o tema.
Um dos principais motores desse 'mau' desempenho - no aspecto ambiental - , a construção civil segue crescendo a dois dígitos. Na semana passada o governo divulgou que, de janeiro a abril, o investimento no setor cresceu 27,4% em relação ao mesmo período do ano passado. As vendas de imóveis ao comprador final subiram 15,5%. Os números saíram na semana em que o esqueleto do Xangai World Financial Center atingiu 400 metros e o 91º andar. Quando pronto, em setembro, o prédio terá 101 andares e será o mais alto da China.
Há iniciativas que saem do discurso e viram realidade. O Estado visitou uma bem-sucedida vila rural que produz alimentos orgânicos, livres de agrotóxicos. Localizada no condado de Xyaniang, Província de Shaanxi, antes uma área militar e considerada o berço da agricultura chinesa moderna, a vila de 2.063 habitantes produz milho, tomate e outras hortaliças irrigadas. O setor de alimentos orgânicos chinês planeja crescer 30% este ano, segundo dados do governo.
Na semana passada, a empresa China Power International anunciou um investimento de US$ 4 bilhões, até 2010, em projetos de energia renovável, o que inclui usinas eólicas e solares. A China é o segundo consumidor mundial de energia, atrás apenas dos Estados Unidos. A prefeitura de Pequim anunciou planos de incentivo fiscal para estimular empresas a instalar-se em distritos satélites, como forma de conter a deterioração do trânsito na capital. E acordos de cooperação nas áreas de energia limpa e de redução de emissão de gases estiveram na pauta da visita da vice-premiê Wu Yi aos EUA, dia 23 de maio.
O ministro Cai bate na tecla de que o problema da poluição não é de hoje, nem é só da China: 'O impacto ambiental vem de dois séculos de industrialização. Os países desenvolvidos têm de assumir sua responsabilidade, usar sua tecnologia para ajudar os países em desenvolvimento.' Cai ecoa a discussão que ocorreu em abril no Conselho de Segurança da ONU - uma espécie de batata-quente acerca da responsabilidade pelo aquecimento global - e na semana passada foi tema de contundente editorial no mais importante jornal chinês, o Diário do Povo, reproduzido em inglês no site do periódico.
O que impressiona o mundo é o impacto gerado pelo movimento de uma sociedade daquele tamanho - 1,4 bilhão de habitantes, ou cerca de 20% da população mundial - em sua busca por infra-estrutura para poder crescer e sustentar-se. Mas como compatibilizar o processo de crescimento com seus efeitos colaterais num país em que, numa vila a 30 minutos da futurista Xangai, ainda se lava louça e roupa na água dos rios?
O professor Jiang Lin, atualmente trabalhando na Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA), comenta, em artigo recente, que em estágios primários de desenvolvimento o aumento do uso de energia tende a ser mais rápido do que o crescimento econômico. Isso colocaria em xeque as metas públicas do 11º Plano Qüinqüenal chinês: reduzir em 20% o consumo de energia, em proporção ao crescimento do PIB, até 2010.
'A prioridade sem dúvida é o desenvolvimento', afirmou Cai ao Estado. 'Não há como combater a pobreza sem crescimento. A meta é dobrar o PIB per capita até 2020', disse, referindo-se ao plano revisto anualmente pela Assembléia do Povo, à luz das diretrizes do Partido Comunista. Para tanto, nas estimativas do ministro, o PIB teria de ir dos atuais US$ 2,6 trilhões para US$ 6 trilhões em 2020.
No ano passado, a China reconheceu não ter conseguido conter o ímpeto do crescimento. Ela fechou o ano com crescimento de 10,7%, um ponto porcentual acima da média de 9,7% que o governo chinês vem divulgando como meta oficial. Segundo o ministro Cai, não há como o país alcançar suas metas de infra-estrutura sem crescer, no mínimo 7%, todo ano, até 2020.
Uma questão para o mundo acompanhar, e um nó para a China desatar com paciência e dedicação confucianas. Enquanto isso, o sol segue peneirado pela mái em Tang Paradise.
TRAGÉDIA AMBIENTAL
>20 das 30 cidades mais poluídas do mundo estão na China
>70% dos lagos chineses e 5 dos 7 maiores sistemas fluviais do país são poluídos
>US$ 300 bilhões, equivalente a 12% do PIB, é o prejuízo anual causado pela poluição
>30% do território da China sofre com chuvas ácidas causadas pelo rápido crescimento econômico
>700 milhões de chineses, metade da população, consomem água que não corresponde aos padrões mínimos da Organização Mundial da Saúde
FONTES: GOVERNO CHINÊS, BANCO MUNDIAL e
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE
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"Ainda que ofereçam apenas um centavo, as pessoas deveriam ter a motivação de acrescentar uma gota de água ao oceano. Uma gota de água por si mesma evapora facilmente, mas no oceano ela permanecerá".
DZONGSAR KHYENTSE RINPOCHE
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