quinta-feira, 21 de junho de 2007


O MORRO DO AMOR

Rogel Samuel

Coro dos Policiais: No dia 23 de outubro, a PM ocupa o Morro do Amor, no Lins.
Dois traficantes morrem.
Coro dos Justiceiros: 'Se eu falar as línguas de homens e anjos, mas não tiver amor, sou como bronze que soa, ou o tímpano que retine'. [Coríntios, I, 13,18].
Corifeu: No morro D. Cláudia entregou o filho de 16 anos à polícia.
Hierofante: 'E se eu possuir o dom da profecia, e conhecer todos os mistérios e toda a ciência e tiver tanta fé que chegue a transportar montanhas, mas não tiver o amor, nada sou'...
Coro das faveladas: - Diz, ó desvairada Cláudia, para onde estás indo, com teu filho pelo braço?
- Estou indo a levar o meu filho para os policiais...
Na delegacia, o menor confessa que matou o empresário X, de 65 anos, na madrugada de quinta-feira, em Copacabana.
Coro dos Justiceiros: 'E se eu repartir todos os meus bens entre os pobres e entregar meu corpo ao fogo, mas não tiver amor, nada disso me aproveita' (ibidem).
Grita o Coro das Faveladas:
- Ó Claudia, mulher enlouquecida de dor, aonde estás indo? A quem estás levando?
- Levo, ó Amigas, o meu único filho para a condenação...
[O garoto confessou o crime à mãe, após ler notícia na imprensa do dia seguinte.]
Coro dos Justiceiros: 'O amor não é descortês, não é interesseiro, não se irrita, não guarda rancor; não se alegra com a injustiça mas regozija-se com a verdade' (idem).
D. Cláudia, pobre, cansada, entregou o filho à polícia. Disse que tinha princípios. Disse que tinha, por princípio, a Justiça, - reza, em surdina, o Coro dos Policiais.
Coro dos Justiceiros: 'O amor é paciente, o amor é benigno, não é invejoso; o amor não é orgulhoso, não se envaidece' (idem).
Hierofante: D. Cláudia entregou o filho aos policiais. Disse que era assim que devia de ser.
Faveladas: 'O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta' (idem).
Corifeu: Mas os amantes já não sobem o Morro do Amor...
Parcas: O empresário parou seu Mercedes na esquina de Bulhões de Carvalho com Rainha Elisabeth, em Copacabana, e foi abordado por dois rapazes armados...
Vocifera o Coro das Faveladas:
- Isso não poder ser, ó desgraçada mulher! Isso não poder ser! A quem levais desta sorte?
- Sim, desgraçada sou, diz a Mãe, a quem a Justiça a tudo obriga.
- Porque 'o amor não se alegra com a injustiça mas regozija-se com a verdade', responde, em surdina, o Coro dos Policiais.
Parcas: O Empresário fugiu da morte escura com seu carro, e por isso foi baleado na cabeça.
- Mas ninguém foge dos Senhores da Morte... - reza em surdina o Coro dos Policiais.
Grita o Coro das Faveladas:
- Acorrei, Irmãs, acorrei, que D. Cláudia leva seu filho para a desgraça...
Hierofonte: Ao combate que a PM fazia ao tráfico de drogas, os marginais do Morro do Amor contra-atacaram com o fogo...
Coro dos Justiceiros: Mas sem dinheiro, sem advogado, sozinha no mundo armado, D. Cláudia levava o filho pelo braço...
Corifeu: Já a Unidos do Cabuçu no Morro do Amor cala seus tambores...
O Vingador: Pois no dia 23 de outubro a PM ocupou Morro do Amor.
Parcas: Traficantes morreram e era 23 de outubro; 'as línguas emudecerão; a ciência terminará; mas o amor jamais acabará'.
Hierofante: Porque D. Cláudia entregou o filho de 16 anos à polícia.
Faveladas: Oh, era um garoto...
(Cai o pano).

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