terça-feira, 12 de junho de 2007

A ESTRADA


A ESTRADA

Rogel Samuel

Na sinuosa estrada das montanhas verdes vem uma barreira horizontal. No alto, o céu brilha como um cristal fosco e imóvel. Estamos na Mantiqueira. E passamos a divisa dos Municípios de Delfim Moreira e Venceslau Brás. Os rios do Brasil estarão todos poluídos? Dia virá em que vamos ter falta de água potável. O Rio Sapucaí está ameaçado pelo lixo. Mas os bois, no grande pasto, parecem em paz. À margem, um caminhão tombado. É um gigante morto. Leio na Folha um poema de Guillén, traduzido por Thiago de Mello. As estrofes, os versos se embaralham na minha mente. Guillén, um dos poetas preferidos de Farias de Carvalho, nosso professor de literatura no Colégio Estadual. Farias aparentemente não dava aula formal. Ou fazia um ditado teórico. Mas não conheci melhor professor do que ele. Mais tarde fui aluno de Mestre Alceu etc. Mas foi Farias que me fez amar a literatura, não poder passar sem ela. A aula era uma conversa interminável. Um descompromisso. Farias deixou escola. Eu já vinha querendo ler poesia, depois que encontrei Camões num livro de primeiro grau:
Oh! lavradores bem-aventurados,
se conhecessem seu contentamento.
Aqueles versos cantam agora, vendo os bois no pasto. Até hoje ouço a gargalhada de Farias, a voz empostada, os grandes olhos graúdos, as mãos teatrais. A estrada sinuosa e verde continua. Um dia chegarei ao fim.
Mas o deserto está crescendo. Na serra da Mantiqueira, região de Piquete, desapareceram as florestas. As montanhas despontam, secas, nuas. Isso até parecia natural na Via Dutra, mas ali é novidade. Dali até o vale de Itajubá a devastação avançou em poucos meses. À direita da estrada pode-se ver um lixão às
margens do rio que vai cortar a cidade de Itajubá e onde poucos quilômetros abaixo crianças tomam banho e adolescentes nadam. De Itajubá até Poços de Caldas as antigas vilas se transformaram em cidades que,
sem planejamento, estão plantadas no meio da planície deserta de avermelhado de barro. Na próxima grande chuva o rio que corta a cidade de Itajubá pode transbordar, entulhado. O nosso país caminha para um
desastre ecológico: o rios se transformaram em esgotos escuros, e os riachos se transformaram em valas negras. “O deserto está crescendo. Desventurado quem abriga desertos”.

Um comentário:

Isaias Malta disse...

Nossos desertos são a lusitana omissão que nos faz eternos predadores da nossa própria terra.