domingo, 28 de setembro de 2008

A CRISE DA POESIA

A CRISE DA POESIA

Rogel Samuel


A crise americana me lembra um poema de Xavier Placer, poeta que pessoalmente conheci quando eu era jovem:

A ERIKA
Não desesperes, Érika
da sorte

Um a um os teus deuses
mudaram-se pra América
do Norte?

Toda-poderosa –
dança! voa! ri da morte

O poema está em "Minipoemas" (Rio de Janeiro: Edições Xagorá, 1978). Placer (1916-2008) era professor, bibliotecário, trabalhava na Biblioteca Nacional onde on conheci. Nasceu em Niterói e escreve ensaio, poesia e prosa. Publicava uns livrinhos muito finos (nos dois sentidos) e conversávamos muito sobre poesia. Ele era um mestre, muito culto e sempre disposto ao um bom papo:

... Porque para esse recalcitrante vivente, o homem,
a poesia importa pouco.
Mas está-aí. E assume muitas formas, silentes,
insidiosas, submarinas.
A poesia sabe-se destino, a poesia
sabe-se a íntima do ser, e lá
- selva não, grande senhora –
dobra a alva túnica-sem-costura e ajoelha todas as horas.
Aqui a poesia empresta aos mármores a matéria de seu rosto.

Ele me deu uma coletânea de seus livros, com dedicatórias. Eram minipoemas e miniprosas como esses:

O GESTO
Junto às coisas somos
que nem dão por nós

Vertigem e fúria –
tudo na voragem
fenece e perece

Só o gesto, o claro
gesto, funda
morre nunca

ESCRITO NUM VOLANTE


O QUE VOCÊ AMA
em alguma parte fica e vivifica
não implode, revem de-longe
tempo puro
O QUE VOCÊ AMA
vê em caixa alta com todas as letras
partilha ou passa ao papel
seu bem de raiz
O QUE VOCÊ AMA
ninguém te tira

Nenhum comentário: