A CRISE DA POESIA
Rogel Samuel
A crise americana me lembra um poema de Xavier Placer, poeta que pessoalmente conheci quando eu era jovem:
A ERIKA
Não desesperes, Érika
da sorte
Um a um os teus deuses
mudaram-se pra América
do Norte?
Toda-poderosa –
dança! voa! ri da morte
O poema está em "Minipoemas" (Rio de Janeiro: Edições Xagorá, 1978). Placer (1916-2008) era professor, bibliotecário, trabalhava na Biblioteca Nacional onde on conheci. Nasceu em Niterói e escreve ensaio, poesia e prosa. Publicava uns livrinhos muito finos (nos dois sentidos) e conversávamos muito sobre poesia. Ele era um mestre, muito culto e sempre disposto ao um bom papo:
... Porque para esse recalcitrante vivente, o homem,
a poesia importa pouco.
Mas está-aí. E assume muitas formas, silentes,
insidiosas, submarinas.
A poesia sabe-se destino, a poesia
sabe-se a íntima do ser, e lá
- selva não, grande senhora –
dobra a alva túnica-sem-costura e ajoelha todas as horas.
Aqui a poesia empresta aos mármores a matéria de seu rosto.
Ele me deu uma coletânea de seus livros, com dedicatórias. Eram minipoemas e miniprosas como esses:
O GESTO
Junto às coisas somos
que nem dão por nós
Vertigem e fúria –
tudo na voragem
fenece e perece
Só o gesto, o claro
gesto, funda
morre nunca
ESCRITO NUM VOLANTE
O QUE VOCÊ AMA
em alguma parte fica e vivifica
não implode, revem de-longe
tempo puro
O QUE VOCÊ AMA
vê em caixa alta com todas as letras
partilha ou passa ao papel
seu bem de raiz
O QUE VOCÊ AMA
ninguém te tira
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