sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco

Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco

“Harpa do caçador”

Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco, autor da “Harpa do caçador”, nasceu em Barras, em 8 de fevereiro de 1829 e faleceu no dia 10 de julho de 1891.


O CANTO DO CAÇADOR

Sou filho das selvas, sou tosco, grosseiro,
Sou brusco, selvagem; não sou trovador;
Eu tenho outras lidas, eu tenho outro emprego,
Que em tudo me ajusta: - eu sou caçador.
Se a lira hoje empunho, se solto este canto,
Não queiram tornar-me por um trovador:
Eu canto inspirado das cenas sublimes
Que encantam, que enlevam quem é caçador.
Certeira clavina carrego com arte,
E as aves persigo por longa floresta:
Matreiros veados, ligeiros, sagazes,
Que gosto que eu acho, matá-los à sesta!
Meus simples prazeres, por bailes, teatros,
Torneios e jogos dos homens da praça,
Não troco; não valem torneios e jogos,
Teatros e bailes, os gozos da caça.
A margem de um lago, nas noites de lua,
Com todo o sossego na rede deitado,
Eu gozo o sussurro da aragem no bosque,
Contemplo os encantos dum céu estrelado.
Mas logo desperto do enlevo sublime,
Ouvindo as pisadas, sutis, do veado;
Na rede me sento, preparo a clavina;
Em torno reparo, - com todo cuidado.
Até que dos bosques, a praia do lago,
Eu noto-o saindo com todo o vagar:
- Aponto a clavina, desfecho sobre ele,
E ei-lo de envolta co'as morte a lutar!
Apenas preparo de novo a espingarda,
Na rede, em sossego, me tomo a deitar:
Contemplo as estrelas, no lago brilhando,
E as nuvens correndo, brincando ao luar.
Eis nota uns estalos ao longe soarem;
Um surdo ruído, que imita o trovão;
Recresce'os estalos, - recresce o ruido:
- Mil vultos descubro, da lua ao clarão.
São porcos bravios, - queixadas chamados,
Que os dentes estalam, qual bomba ao quebrar-se;
Correndo e roncando, do lago - na lama,
A grande manada ja vejo deitar-se.
O tiro certeiro de novo rebenta;
Seu eco retumba no vasto sertão!
Que gosto que sinto, - ao ver estendidos
Três porcos, e mais, dum tiro, - no chão!
Então a clavina eu limpo de novo;
Depois a carrego com todo o vagar;
Arrumo a patrona , num ramo a penduro,
E torno, em sossego, na rede a deitar.
Contemplo os mais doces, mais simples momentos
Que levo na vida, sem ter que invejar
Recolhe-se a noite; sucede-lhe o dia:
As caças, correndo, vou logo apanhar.
Dum porco roliço, - com a faca cortante,
Retalho, com gosto, mui larga papada;
E noto a gordura, que excita apetite,
E eu como a costela, nas brasas assada.
As peles das caças com varas espicho;
Ao sol as estendo, depois, p'ra secarem;
E quando curtidas, de roupa me servem,
Privando os espinhos meu corpo arranharem.
Meus simples prazeres, por bailes, teatros,
Torneios e jogos dos homens da praça,
Não troco; não valem torneios e jogos,
Teatros e bailes, - os gozos da caça.
De longa cabaça - buzina preparo,
Que em tudo arremeda da onça o roncar;
Com ela, de noite, da casa distante,
E os cães amarrados, me vou emboscar.
Troando a buzina na vasta planície,
Seu eco responde - dos morros além...
Que grato alvoroço! - que gosto indizível!
- Eu ouço que a onça responde também!
Eu deixo que a noite seu manto recolha;
Que a aurora derrame seu frouxo c1arão;
Que o astro do dia, do leito se erguendo,
Inunde com luzes o vasto sertão.
Alegre contemplo da aurora a beleza;
O hino que entoam-lhe as aves - cantando;
O zéfiro branda, que - ledo - vagueia,
Das flores - no prado - perfume espalhando.
E eu calço as perneiras de peles macias;
Depois de calçá-as, eu tomo o gibão;
No ombro a clavina e a rígida lança;
No cinto, de um lado, penduro o facão.
De medo despido, com passos seguros
Com os cães companheiros, - amigos fiéis,
Eu parto, me rindo de vê-los pulando,
Alegres, brincando, em tomo a meus pés.
Eu sigo no rumo que a onça roncava;
Seu rasto diviso gravado na lama;
Os cães a perseguem correndo, latindo:
Exploram-lhe o faro, cheirando na rama.
E eu corro com pressa, gritando após eles,
A fim de excitar-lhes coragem, bravura:
Com animo forte, nas brenhas me interno,
Não temo no bosque medonha espessura.
Eu puxo de um lado, do cinto pendente,
Facão afiado, com ele picando;
Eu subo dos morros - ao cimo elevado,
Eu desço p'ra os vales, os cães procurando.
Até que bradarem com força já ouço:
Que chegue, - que é tempo de a onça matar!
Eu corro contente; desprezo o perigo;
E a hórrida fera já ouço o bramar!
É numa medonha sombria espessura
Que a onça tremenda se acha emboscada;
Dos ramos pendentes das hirtas tabocas
O orvalho desprende-se a cada passada.
Então - de gatinhas - com toda a cautela,
Tomando chegada, na ponta do pé;
Espio no rumo que a ouço rosnando,
Estendo o pescoço, p'ra ver se dou fé.
Mas - ei-la que parte com fúria, bramindo,
Aos cães acossando, querendo-os tragar!
E eles, - coitados! –lá vejo-os correndo:
Com medo, gritando, - vão longe parar!
A onça persegue-os a longa distância,
Rosnando e batendo co'as patas no chão;
Seus roncos medonhos retumbam no vale,
Tal como estampido de horrendo trovão!
Redobra com fúria seus fortes bramidos,
E o orbe em seus eixos parece oscilar;
Os tinidos brutos - do bosque desertam,
E a terra percebo nos pés me faltar! ...
Eu vou de mansinho, p'ra ela me chego;
Parando, - examino ... me tomo a chegar;
Ate que a descubro, deitada, me olhando,
A cauda movendo, já quase a saltar!
E logo que a vejo, que aponto a clavina,
- Na boca terrível, que a morte vomita,
O cão satisfeito, pulando, contente,
Encrava-lhe os olhos, a vista lhe fita.
Até que, de envolta com chamas o fumo,
A morte rebenta, - voando lá vai: -
A hórrida fera, que sangue respira,
- Rugindo, convulsa, sem forças já cai! ...
Então, dum só pulo, chegando-me a ela,
A lança lhe embebo no rígido peito:
O sangue espadana da larga ferida;
Já ela experimenta da morte o efeito! ...
E os cães, quando ouvem do tiro o ribombo,
Arrojam-se à fera, e cravam-lhe os dentes;
Mil vezes a mordem, com raiva, com gana,
Até que - já morta, - se mostram contentes.
Que gosto indizível de mim se apodera! ...
Que gosto que sinto, na casa ao chegar!...
Alegre, cercado de muitas pessoas,
O horrível combate começo a contar.
Teus bailes, teatros, torneios e jogos
Desprezo, - não quero-os, ó homens da praça!
Só quero que deixes que eu goze em sossego
Dos gratos prazeres que encontro na caça.



O CAÇADOR METAMORFOSEADO EM SOLDADO
(A Franklin A. de Meneses Dória)



O rude caçador, que outrora armado
De certeira clavina e rija lança,
De afiado facão, pendente ao cinto,
Nas brenhas, sem temor, seu passo avança;
O rude caçador, que outrora errante
Por ínvias, ermas selvas vagueava
Rodeado de cães, trajando peles,
As feras nos seus antros atacava;
O rude caçador, que mal cuidava
Em fazer consistir sua grandeza
No gozo dessas cenas majestosas
Que nos bosques ostenta a natureza;
O rude caçador, que mal buscava
Concentrar seu sentir, seu gosto e vida
Nessa vivenda descuidosa e grata,
Que não será jamais dele esquecida;
Já de macias peles não se adorna,
Nem do cinto, o facão lhe pende ao lado,
Nem no ombro a clavina e rija lança,
Nem e de um cão, sequer, acompanhado!
Fundiu-lhe o coração, fundiu-lhe a alma,
Ao seu todo fundiu-lhe ardente chama
Desse sagrado fogo, que o devora,
- Do amor da pária, - que a guerra o chama.
Não trepidou sequer um só momento
Ao reclamo da pátria, ao seu chamado:
Desprezou suas selvas majestosas,
Seus cães amigos, - e se fez soldado!...
Ei-lo que parte; - não vacila o passo:
Vai a morte afrontar em campo armado! ...
Ei-lo que parte; não de cães seguido,
Mas sim de heróis da pátria rodeado!
Uma esperança só lhe assoma ao peito;
Uma esperança só - sua alma encerra:
É ver da pátria a glória aurifulgente,
Ou cair com os seus, - ficar por terra! ...

O CANTO DO VOLUNTÁRIO

Em pobre choupana de folhas coberta,
De galas despida, foi onde nasci;
No centro das selvas, num bosque sombrio,
De imensas palmeiras foi onde cresci.
Em luta co'as feras nos antros medonhos,
La onde se abrigam mil tigres sedentos,
Os risos, as graças me foram constantes:
Gozei os mais doces, mais gratos momentos.
Do mundo as grandezas, as honras, o luxo,
Seus ricos tesouros jamais desejei;
Com o pouco que tinha, vivia contente,
No peito a cobiça jamais abriguei.
Aos simples prazeres meu peito aspirava;
Na caça encontrei-os; que mais eu quisera?
Mais simples prazeres no mundo não vejo;
Nem mesmo - maiores - o mundo mos dera ...
Gozando os afagos de mãe carinhosa,
No teto paterno vivia contente;
Dum pai ilustrado colhia as lições,
- Ouvia os conselhos dum velho prudente.
Deixei-os! - E certo, - deixei-os com magoa;
Eo pranto saudoso meu rosto banhou!
Deixei-os; que a pátria, se vendo ultrajada,
- "ÀS ARMAS! ÀS ARMAS, MEUS FILHOS!" - bradou.
Corri para as armas; já delas coberto,
- Soldado ofereci-me: - soldado já sou!
E o côncavo lenho , que fumo vomita,
Os mares talhando, - comigo voou!
Em luta co' as ondas, num mar tormentoso,
As nuvens, comigo, parece elevar-se;
Outrora impelido ao centro dos mares,
Parece, comigo, querer sepultar-se! ...
Ao choque continuo das ondas bravias,
Já sinto a cabeça em torno rodar;
Um súbito enjôo de mim se apodera,
Que aos tombos, as quedas ... me faz ir deitar!
Terrível moléstia prostrou-me, abateu-me!
Os gelos da morte - cheguei a sentir!,..
De meus companheiros a muitos, - coitados!
Num leito de dores - eu vi sucumbir!
.............................
Em fim aportamos. As forças perdidas
Recobro de novo; começo a marchar
Em busca do campo do fero inimigo,
Que teve o arrojo de a pátria ultrajar!
Mas sendo a viagem extensa e penosa,
A fim de fazê-la, cavalos comprei;
Fiquei sem cavalos, fiquei sem dinheiro:
Ladrões mos furtaram; a pé caminhei!
Por montes e vales, por lagos imensos,
A pé e descalço por ínvios caminhos,
Caçando, com sede, os pés lacerando
Nas rígidas pontas de agudos espinhos!
Em pobres barracas, as noites chuvosas
Passando - molhado - em péssima cama;
E outras tremendo, tolhido de frio,
Levando-as deitado té mesmo na lama!
Do sol abrasado, os dias levando,
Em duro exercício ou marchas forçadas;
As noites velando, exposto ao relento,
Em rondas contínuas ou guardas pesadas.
Sofrendo desprezo de guascas grosseiros
Que os brios da pátria não sabem prezar,
Que uma só gota do pérfido sangue
A fim de salvá-los se negam a dar!
E tendo somente por triste alimento
O agro churrasco e o mau chimarrão!
Sofrendo privanças de todas as sortes
Sem que gozar possa a menor distração!
Eis quanto hei sofrido, com o riso nos lábios,
Por ti, cara pátria, pois teu filho sou;
E mais eu sofrera por ti - satisfeito,
Que o sangue, que a vida com gosto te dou.
Em premio só peço: - se o fero inimigo,
Em duro combate, meus dias ceifar,
Que a injuria a ti feita, não deixes impune;
Que a morte dum filho tu saibas vingar!
P'ra que reconheça o audaz estrangeiro
Que nos não tememos seus golpes de morte;
Que sabe afrontá-los um bom brasileiro,
Nascido nas plagas ardentes do Norte!


O SELVAGEM

Não cinjo um diadema sobre a fronte,
Nem coroas de louros a guarnecem;
Nem mesmo sobre o peito resplandecem
Ricos emblemas de honra e distinção;
Outras são as vantagens de que gozo,
Outros privilégios que me assistem:
Em quiméricas honras não consistem,
Nem essas quero, que vaidades são ...
Não habito palácios suntuosos,
Onde se nota o luxo deslumbrante;
E onde a prata, o ouro, o diamante,
Por toda parte vê-se em profusão;
Numa humilde choupana abrigo tenho,
Tão pobre, tão singela quanta honrada;
Pelo crime jamais se viu manchada,
Nem teve nela o vicio habitacão.
Amigos tenho alguns, inda que raros,
Porem mais raros um monarca os tem;
Um só dos meus amigos vale bem
Daqueles dos monarcas - um milhão:
São, pois, os meus amigos - verdadeiros,
Francos, leais, sinceros, dedicados;
Os seus pelo interesse são guiados:
Por ele, seus amigos venderão! ..
E minha pátria a selva majestosa,
Onde pude encontrar felicidade,
Onde, comigo, impera a liberdade,
Donde foi desterrada a escravidão.
Dos homens não me oprimem vis cadeias:
Sou livre quanto é livre o próprio vento,
As asas solto livre ao pensamento,
Livre conservo sempre o coração.
Desfruto a doce paz, gozo e sossego;
Dos ricos não invejo áureas riquezas;
Do mundo não me cegam vas grandezas;
Nem de seus vícios temo a corrupção.
Sou pobre; porem vivo a meu contento;
Sacio meus desejos moderados,
Enquanto aos ricos noto - atormentados -,
Sem poderem conter sua ambição!

2 comentários:

Valdemir Miranda disse...

Sou parente de Teodoro, fui o responsável pela 2ª ed. de seu trabalho em 2006. (primeira edição 1884)Lamentavelmente poucos aqui conhecem o poeta e valorizam sua poesia.

Obrigado pela sua divulgação.
Como fazermos para tirar uma 3ª edição do autor para que cai no gosto do grande público.

Valdemir Miranda de Castro.

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

espero que saia a terceira edição...