quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Hino à vida?
Hino à vida?
Rogel Samuel
Bilac faz a fenomenologia da tarde, no melhor estilo de Bachelard. Pois que em imagens de uma psicologia da luz e da escuridão, do que nasce e do que prenuncia, Bilac diz diz que ele é noturno, num sentimento próprio dos seres que vivem na escuridão das ruas: os bêbados, as prostitutas, os devassos, os bandidos, a população noturna. Bilac, que hoje se diz que era homossexual, aí se desnuda em sua alma noturna, dos seres que vivem nas sombras.
Vida em glória de ouro e sol, de luz que nasce - não, diz Bilac, não, não te amo. Ele ama a noite, a tumba, o luto, o esplendor da morte, o luxo da mortalha em crepe e auriflamas. Bilac ama a triste tarde, a chegada das estrelas, o mistério da noite que se aproxima, o vir da sombra úmida da noite, da noite da volúpia, do sono, da vida, do nada. Bilac, nosso poeta surpreende no nada.
Hino á Tarde
Glória jovem do sol no berço de ouro em chamas,
Alva! natal da luz, primavera do dia,
Não te amo! nem a ti, canícula bravia,
Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!
Amo-te, hora hesitante em que se preludia
O adágio vesperal, - tumba que te recamas
De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas,
Moribunda que ris sobre a própria agonia!
Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que, entre
Os primeiros clarões das estrelas, no ventre,
Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada,
Trazes a palpitar, como um fruto do outono,
A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,
Perpetuação da vida e iniciação do nada.
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