terça-feira, 21 de abril de 2009

A beleza aruinada





Rogel Samuel


Graças a Amelia Pais conheci o poeta português Rui Pires Cabral, nascido em 1967 em Vila Real. Publicou:

Geografia das Estações, edição de autor, Vila Real, 1994
A Super-Realidade, edição do autor, Vila Real, 1995
Música Antológica & Onze Cidades, Presença, Lisboa, 1997
Praças e Quintais, Averno, Lisboa, 2003
Longe da Aldeia, Averno, Lisboa, 2005

Ele trabalha seus textos e os modifica, mesmo depois de publicados, como neste:





Gostava dessa espécie de beleza
que podemos surpreender a cada passo,
desvelada pelo acaso numa esquina
de arrabalde; a beleza de uma casa devoluta
que foi toda a infância de alguém,
com visitas ao domingo e tardes no quintal
depois da escola; a beleza crepuscular
de alguns rostos num retrato de família
a preto e branco, ou a de certos hotéis
que conheceram há muito os seus dias de fulgor
e foram perdendo as estrelas; a beleza condenada
que nos toma de repente, como um verso
ou o desejo, como um copo que se parte
e dispersa no soalho a frágil luz de um instante.
Gostava de tudo isso que o deixava muito a sós
consigo mesmo, essa espécie de beleza arruinada
onde a vida encontra o espelho mais fiel.

Esta é a beleza crepuscular ou velha, suburbana, gasta. Pobre, cansada. Anônima. "Com visitas de domingo e tardes no quintal depois da escola". Esta a beleza de rostos e paisagem, em preto e branco, a dos hotéis decadentes, como a das estrelas no chão de um copo partido, aquilo que o deixava a sós consigo mesmo, a beleza fiel a si mesma, a beleza da vida em si.

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