segunda-feira, 14 de junho de 2010
Jorge de Lima
Jorge de Lima
INVENÇÃO DE ORFEU
CANTO 1, 26
Qualquer que seja a chuva desses campos
Devemos esperar pelos estios;
E ao chegar os serões e os fiéis enganos
Amar os sonhos que restarem frios.
Porém senão surgir o que sonhamos
E os ninhos imortais forem vazios,
Há de haver pelo menos por ali
Os pássaros que nós idealizamos.
Feliz de quem com cânticos se esconde
E julga tê-los em seus próprios bicos,
E ao bico alheio em cânticos responde.
E vendo em tôrno as mais terríveis cenas,
Possa mirar-se as asas depenadas
E contentar-se com as secretas penas.
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Sonâmbulas as flores
conservam pelo dia
as noites.
Os ouvidos das pétalas,
e seus lábios de olor
recordam-se
transidos e orvalhados,
indiferentes, frios,
tão frios.
Jamais os dias quentes
poderão aquecer-lhes
os seus sangues noturnos
tão frios.
Agora nos jardins
espalham
nos silêncios intactos
suas presenças frias, tão frias.
São beijadas, porém
volvidas
à lembrança das noites
permanecem veladas
e frias.
(Invenção de Orfeu, Livros de Portugal S. A., Rio de Janeiro, 1952,
pág. 47)
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