ESTRASBURGO, PARIS, MANAUS
Rogel Samuel
A caminho do Aeroporto. De volta ao
Brasil. Passando pelo Metrô, ali passamos sempre. A feira, estação Duplex.
Paris cinzenta, fria, elegante. Minha estada em Estrasburgo decepciona. Cidade
cheia de mendigos. Na Praça Kleber, um
MacDonald e outras novidades escandalosas. Placas de anúncios coloridos. Um
prédio moderno agride a arquitetura. É a FNAC. Decadência. Desemprego.
Prostituição. Dificuldade. A cidade anoitece deserta. Sem alma, sem vida. À
noite as cidades exibem suas entranhas.
A catedral
continua um esplendor...
Em Paris,
uma chuva fina molha o chão das ruas,
põe as folhas das árvores pensativas.
Como amazonense, adoro Paris. Manaus, que era miniatura
parisiense. Na minha infância, a Casa Louvre, A la ville de Paris, Café da paz,
Au bon marché, Livraria Palais Royal,
Casa Sorbonne, Bijou . "Manaus, pequena Paris". No 'Café da paz', no
'Siroco', sorvetes de creme, em bolas. Taças finas. Em frente, o Teatro
Amazonas, um monumento ao esplendor, à glória, ao grandioso e adágio do
passado, com seus mortos, suas sobrecasacas, seus vestidos de seda rósea, as
luvas, deslumbramento dos múltiplos reflexos das quinquilharias de cristal,
janelas e bandeiras das portas transformadas em lúcidas placas de reluzente e
vívido ouro muito louco, Manaus rica, copia Paris. Comerciantes riquíssimos.
Ostenta o Teatro Amazonas os seus reflexos de cristal. Milionários dedos jogam
cartas com anelados dedos pesados de diamantes, arriscando fortunas no Hotel
Cassina, no Alcazar, no Éden, no Cassino Julieta. Telhas de Marselha ao luar na
Rua dos Remédios, na Rua da Glória. Arquitetura art-nouveau do palácio de
Ernest Scholtz. Arandelas, bandeiras, implúvio. Intercolúnio. O cunhal, o
lambrequim, a voluta, o capitel, a cornija. Arquitrave. Barrete de clérigo,
adufa, muxarabi, água-furtada, muiraquitã, envasadura, atleta, estípite. O
enxalso, o frontão de canela. Galilé. Lojas, magazines, charutarias, livrarias,
alfaiatarias, ourivesarias. Bissoc. Pâtisserie. Du sucre, des fruits, de la crème. A la ville de Paris, Au bon marché, Quartier du temple, Casa Louvre, Livraria Palais Royal na rua Municipal, n0
85, Livraria Universal, Agência
Freitas, Casa Sorbonne
dentro do Grande Hotel, a Confeitaria Bijou, a Padaria Progresso. Faroletes
de pedra de morona
e de puraquequara. Villa
Fany.
Cais dos Barés,
Biblioteca Provincial. Um Serviço Telefônico serve a cidade. Manaus, a primeira cidade brasileira a ter
eletricidade. Calçadas da Praça São Sebastião, em pedras portuguesas pretas e
brancas, em ondas, alegorizavam o 'encontro das águas' Negro e Solimões
(posteriormente imitadas na praia de Copacabana). Bondes elétricos da Manaus-traways.
Veuve Clicquot, truffes, champignon. Huntley & Palmers, Cross &
Blackwell. A
Cork, a Pilsen, o Bordeaux,
o fiambre, o Queijo da Serra da Estrella. Lagostas, a Goiabada Christalizada. Charteuse, Anizette. Champagne Duc de Reims. O Vermouth. Água de Vichy. Leite dos Alpes Suíços.
Casacas inglesas, o H. J., o pongê, o filó. Bengalas, castão de ouro.
Cartolas, luvas, perfumes franceses, lenços de seda. Pistolas de prata e cabo
de marfim. Gramophones de Victor. Discos duplos de Caruso. Casas
aviadoras. Manaus-Harbour. Tabuleiro de Xadrez. Óperas. Diariamente.
Prostitutas importadas. A Cervejaria Miranda Correia. A Praça da Saudade. O
Roadway, o Trapiche. Sífilis. Malária. Vidros de Quinino Labarraque. Óleo de
Fígado de Bacalhau. Vinho Silva Araújo. Regulador da Madre. Pílulas Rosadas.
Café Beirão. Winchesters, cabo encerado de mogno. Asilo de Mendicidade
(construído pelo Comendador). Ponte da Imperatriz, Igarapé da Cachoeira Grande.
A Serraria, no Igarapé do Espírito Santo. Banhos de no Igarapé das Sete
Cacimbas. Buritizal. Jogos, no Parque Amazonense. Ida a Barcelos. Noite no
Jirau. Muro do Leprosário do Aleixo. Vista da Bomba d’Água. Manaus-Belém,
Manaus-Santa Isabel, Manaus-Iquitos, Manaus-Marari, Manaus-Santo Antônio do
Madeira, Manaus-Belém-Baião. Gonçalves Dias no Hotel Cassina. Coelho Neto no
palacete da rua Epaminondas. Euclides da Cunha no chalé da Villa Municipal.
Vaticanos, gaiolas e chatas. Inaugura-se o Teatro Amazonas, em 1896 - a mais
cara e inútil obra faraônica da História do Brasil, milionária, importada, com
painéis, centenas de lustres de cristal venezianos, colunas de mármore de
várias cores, estátuas de bronze assinadas por grandes mestres, espelhos de
cristal visotados, jarrões de porcelana da altura de um homem, tapetes persas -
tudo o que, aliás, em 1912 desapareceu, esvaziando-se o Teatro para
transformá-lo num depósito de borracha de firma americana. Ali o erário público
foi enterrado em 10 mil contos de réis: o Teatro Amazonas custou o preço de 5
mil mansões luxuosas. Por 900 contos de
réis se constrói o Palácio da Justiça. E por 1 mil e seiscentos contos de réis
se constrói o Palácio do Governo; nunca concluído. O Teatro custou 10 mil
vidas. Em 1919 no Amazonas já tinham chegado 150 mil emigrantes. A borracha
naqueles anos foi tão importante quanto o café. O Amazonas exportou 200 mil
contos de réis em borracha, contra 300 mil contos do café paulista na mesma
época. Em 1908 é fundada a mais antiga universidade do Brasil, com cursos de Direito, Engenharia,
Obstetrícia, Odontologia, Farmácia, Agronomia, Ciências e Letras...
Annie quis
passear no Jardin du Luxembourg, no dia de minha partida. No caminho, passando
pela feira livre, debaixo da estação Duplex do Metrô, encontro um CD
desconhecido de Nelson Freire. Andamos pelo bosque. A música dos tempos me
hipnotizam, me transfiruram, me atordoa. Em pleno delírio, vôo. O Brasil logo
ali, ao alcance da mão.
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