sexta-feira, 11 de julho de 2014

ESTRASBURGO, PARIS, MANAUS

ESTRASBURGO, PARIS, MANAUS
 
Rogel Samuel
 
 
       A caminho do Aeroporto. De volta ao Brasil. Passando pelo Metrô, ali passamos sempre. A feira, estação Duplex. Paris cinzenta, fria, elegante. Minha estada em Estrasburgo decepciona. Cidade cheia de mendigos.  Na Praça Kleber, um MacDonald e outras novidades escandalosas. Placas de anúncios coloridos. Um prédio moderno agride a arquitetura. É a FNAC. Decadência. Desemprego. Prostituição. Dificuldade. A cidade anoitece deserta. Sem alma, sem vida. À noite as cidades exibem suas entranhas.
A catedral continua um esplendor...
Em Paris, uma  chuva fina molha o chão das ruas, põe as folhas das árvores pensativas.
Como amazonense,  adoro Paris. Manaus, que era miniatura parisiense. Na minha infância, a Casa Louvre, A la ville de Paris, Café da paz, Au  bon marché, Livraria Palais Royal, Casa Sorbonne, Bijou . "Manaus, pequena Paris". No 'Café da paz', no 'Siroco', sorvetes de creme, em bolas. Taças finas. Em frente, o Teatro Amazonas, um monumento ao esplendor, à glória, ao grandioso e adágio do passado, com seus mortos, suas sobrecasacas, seus vestidos de seda rósea, as luvas, deslumbramento dos múltiplos reflexos das quinquilharias de cristal, janelas e bandeiras das portas transformadas em lúcidas placas de reluzente e vívido ouro muito louco, Manaus rica, copia Paris. Comerciantes riquíssimos. Ostenta o Teatro Amazonas os seus reflexos de cristal. Milionários dedos jogam cartas com anelados dedos pesados de diamantes, arriscando fortunas no Hotel Cassina, no Alcazar, no Éden, no Cassino Julieta. Telhas de Marselha ao luar na Rua dos Remédios, na Rua da Glória. Arquitetura art-nouveau do palácio de Ernest Scholtz. Arandelas, bandeiras, implúvio. Intercolúnio. O cunhal, o lambrequim, a voluta, o capitel, a cornija. Arquitrave. Barrete de clérigo, adufa, muxarabi, água-furtada, muiraquitã, envasadura, atleta, estípite. O enxalso, o frontão de canela. Galilé. Lojas, magazines, charutarias, livrarias, alfaiatarias, ourivesarias. Bissoc. Pâtisserie. Du sucre, des fruits, de la crème. A la ville de Paris, Au bon marché, Quartier du temple, Casa Louvre, Livraria Palais Royal na rua Municipal, n0 85,  Livraria Universal, Agência Freitas, Casa Sorbonne dentro do Grande Hotel, a Confeitaria Bijou, a Padaria Progresso. Faroletes de pedra de morona e de puraquequara. Villa Fany. Cais dos Barés, Biblioteca Provincial. Um Serviço Telefônico serve a cidade. Manaus, a  primeira cidade brasileira a ter eletricidade. Calçadas da Praça São Sebastião, em pedras portuguesas pretas e brancas, em ondas, alegorizavam o 'encontro das águas' Negro e Solimões (posteriormente imitadas na praia de Copacabana). Bondes elétricos da Manaus-traways. Veuve Clicquot, truffes, champignon. Huntley & Palmers, Cross & Blackwell. A Cork, a Pilsen, o Bordeaux, o fiambre, o Queijo da Serra da Estrella. Lagostas, a Goiabada Christalizada. Charteuse, Anizette. Champagne Duc de Reims. O Vermouth. Água de Vichy. Leite dos Alpes Suíços. Casacas inglesas, o H. J., o pongê, o filó. Bengalas, castão de ouro. Cartolas, luvas, perfumes franceses, lenços de seda. Pistolas de prata e cabo de marfim. Gramophones de Victor. Discos duplos de Caruso. Casas aviadoras. Manaus-Harbour. Tabuleiro de Xadrez. Óperas. Diariamente. Prostitutas importadas. A Cervejaria Miranda Correia. A Praça da Saudade. O Roadway, o Trapiche. Sífilis. Malária. Vidros de Quinino Labarraque. Óleo de Fígado de Bacalhau. Vinho Silva Araújo. Regulador da Madre. Pílulas Rosadas. Café Beirão. Winchesters, cabo encerado de mogno. Asilo de Mendicidade (construído pelo Comendador). Ponte da Imperatriz, Igarapé da Cachoeira Grande. A Serraria, no Igarapé do Espírito Santo. Banhos de no Igarapé das Sete Cacimbas. Buritizal. Jogos, no Parque Amazonense. Ida a Barcelos. Noite no Jirau. Muro do Leprosário do Aleixo. Vista da Bomba d’Água. Manaus-Belém, Manaus-Santa Isabel, Manaus-Iquitos, Manaus-Marari, Manaus-Santo Antônio do Madeira, Manaus-Belém-­Baião. Gonçalves Dias no Hotel Cassina. Coelho Neto no palacete da rua Epaminondas. Euclides da Cunha no chalé da Villa Municipal. Vaticanos, gaiolas e chatas. Inaugura-se o Teatro Amazonas, em 1896 - a mais cara e inútil obra faraônica da História do Brasil, milionária, importada, com painéis, centenas de lustres de cristal venezianos, colunas de mármore de várias cores, estátuas de bronze assinadas por grandes mestres, espelhos de cristal visotados, jarrões de porcelana da altura de um homem, tapetes persas - tudo o que, aliás, em 1912 desapareceu, esvaziando-se o Teatro para transformá-lo num depósito de borracha de firma americana. Ali o erário público foi enterrado em 10 mil contos de réis: o Teatro Amazonas custou o preço de 5 mil mansões luxuosas.  Por 900 contos de réis se constrói o Palácio da Justiça. E por 1 mil e seiscentos contos de réis se constrói o Palácio do Governo; nunca concluído. O Teatro custou 10 mil vidas. Em 1919 no Amazonas já tinham chegado 150 mil emigrantes. A borracha naqueles anos foi tão importante quanto o café. O Amazonas exportou 200 mil contos de réis em borracha, contra 300 mil contos do café paulista na mesma época. Em 1908 é fundada a mais antiga universidade do Brasil,  com cursos de Direito, Engenharia, Obstetrícia, Odontologia, Farmácia, Agronomia, Ciências e Letras...
Annie quis passear no Jardin du Luxembourg, no dia de minha partida. No caminho, passando pela feira livre, debaixo da estação Duplex do Metrô, encontro um CD desconhecido de Nelson Freire. Andamos pelo bosque. A música dos tempos me hipnotizam, me transfiruram, me atordoa. Em pleno delírio, vôo. O Brasil logo ali, ao alcance da mão.

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