quinta-feira, 3 de julho de 2014

Morre Ivan Junqueira

Morre  Ivan Junqueira

Desde 2000, Junqueira era o titular da cadeira nº 37 da Academia Brasileira de Letras, antes ocupada por João Cabral de Melo Neto
         

Morreu nesta quinta-feira, 03, o poeta, crítico literário e ensaísta carioca Ivan Junqueira, aos 79 anos. Desde 2000, Junqueira era o titular da cadeira nº 37 da Academia Brasileira de Letras, antes ocupada por João Cabral de Melo Neto. Junqueira teve falência múltipla dos órgãos.
O acadêmico nasceu em 3 de novembro de 1934 no Rio, onde estudou medicina e filosofia, mas acabou no jornalismo. Durante a carreira, ele passou por vários dos principais jornais da cidade como "Correio da Manhã" e "O Globo", e também trabalhou no meio editorial.
Como ensaísta e crítico literário, também contribuiu para diversos veículos do País, inclusive "O Estado de S. Paulo". Detentor de muitos prêmios literários, sua poesia já foi traduzida para o inglês, alemão, espanhol, francês, italiano, dinamarquês, russo e chinês.

Meditações na corda lírica
Ivan Junqueira
 


É O VENTO
É o vento que vem uivando
pelas frinchas do infinito
é o vento que vem gemendo
na espinha do plenilúnio
é o vento que vem rolando
como um cascalho de treva

É o vento que vem quebrando
as vidraças do silêncio
é o vento que vem abrindo
as cicatrizes da véspera
é o vento que vem pulsando
nas veias murchas do tempo

É o vento que vem mordendo
a carne tenra das nuvens
é o vento que vem regendo
a sinfonia das águas
é o vento que vem varrendo
a nostalgia dos túmulos

É o vento que vem trazendo
teu sorriso embalsamado
é o vento que vem despindo
a salsugem de teus seios
é o vento que vem moldando
tua gótica nudez

É o vento que vem brincando
de roda com minha infância
é o vento que vem tangendo
meus pensamentos sem rumo
é o vento que vem traçando
o mapa de minha face

É o vento que vem roendo
o pergaminho das horas
que monótonas gotejam
sobre as escarpas herméticas
do abismo turvo insondável
que me separa de mim


RITUAL
Fecho as janelas desta casa
(seus corredores, seus fantasmas
sua aérea arquitetura de pássaro)
fecho a insônia que inundava
meu quarto debruçado sobre o nada
fecho as cortinas onde a larva
do tempo tece agora sua praga
fecho a clara algazarra plácida
das vozes sangüíneas da alvorada
fecho o trecho taciturno da tocata
a chuva percutindo as teclas do telhado
as sombras navegando pelo pátio
                                               e o bambuzal

Fecho as torneiras da memória

Fecho também a tumultuosa torrente de vida
que poderia ter rompido o cerco das paredes
e feito explodir a argamassa de calcário e solidão

Fecho ainda as lentas pálpebras da amada
o mofo acumulado entre seus lábios
o limo que vestiu sua carne desolada

Fecho tudo e depois me fecho

Estou cansado
                 estou triste
                                     estou só
                         De Os Mortos (1956-64)

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