quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Com fúria e fulgor










Com fúria e fulgor



NEUZA MACHADO

O instante narrativo do narrador pós-moderno, por ora, exige o aparato do brilho mítico. A maacu Ivete, a copeira da bandeja de prata incandescente, como deusa propensa a reinar em todos os elementos, recebeu uma alegre “auréola” temporária, e uma ígnea matéria (temporariamente apaziguada, não letal), para iluminar um trecho de uma narrativa repleta de sofrimentos históricos. Ela irrompeu “com fúria e fulgor”, exigindo para si um contraponto, apenas para realçar aviltadamente a figura lunar de Maria Caxinauá. Todas as palavras do parágrafo, valorizando a índia Ivete e valorizando o ambiente sexualizado, foram “pescadas” cuidadosamente dos míticos rios diurnos, com suas águas ensolaradas, porque, a noturna figura feminina, principal, há muito, já caíra em ostracismo, já habitava a “meia-noite psíquica” do narrador reflexivo, necessitando, por tal motivo, de um sol extraordinário que a iluminasse. A maacu Ivete foi instada, no trecho narrativo, a ser esse sol, foi convidada a “participar da alegria divina da ação diurna que é sempre uma ação brilhante”. O dia estava aprazível, magnífico, e Antônio Ferreira, o comensal solicitado para o régio almoço de Bataillon, merecia, no ato, uma visão/aparição fulgorosa. Foi então que a índia Ivete apareceu. Não é o fogo mítico um sinal de transformação narrativa? O sol não é, portanto, um poderoso símbolo do fogo mitificado? “O igarapé esmalta em velocidade invisível”, porque o Sol, “o Febo no horizonte”, está ali, naquele momento, a iluminar-lhe.





E eis a índia Maria Caxinauá, o contraponto infelicitado da maacu Ivete, se aproximando, como se fosse uma personagem das trevas, para servir o almoço ao convidado Antônio Ferreira.





A Lua, em qualquer de suas aparições semanais, insólita, noturna e representativa de mistério, poderá ser refletida como “a figura da morte”. Não é a Maria Caxinauá a “figura da morte”? Não é a noturna Lua que tem suas fases distintas, às vezes se esconde, às vezes aparece pela metade, outras vezes, revela-se em todo o seu esplendor, quando iluminada inteiramente pelo diurno Sol? Não são suas pupilas, digo, as pupilas de Maria Caxinauá (“dadas por incompreensível aura branca”) referentes lunares? Não é a Lua o signo inconteste dos lunáticos? Maria Caxinauá, por ventura, não poderá ser interpretada como referencial mítico-lunar? Não é a assombrada noite, dignificada pela Lua Cheia principalmente, um reposteiro de ódio, medo e incontrolável pavor? Maria Caxinauá é o símbolo do ódio reprimido das inúmeras tribos tragicamente pacificadas por europeus, naqueles sítios amazonenses, símbolo do “exército de massas proletárias”, originárias de todos os “índios massacrados no Brasil” (os verdadeiros donos deste imenso país). E eis novamente a minha apreciação teórico-reflexiva aderindo-se às “lágrimas”/palavras de um especial narrador: “vinte milhões de índios massacrados no Brasil se corporificavam ali, no gesto cego de Maria Caxinauá”[xlix]. Mas, por enquanto, surgem perguntas: Qual é o papel de Maria Caxinauá nesta narrativa rogeliana? A representação de uma “multidão inumerável de índios [amazonenses] massacrados”? As respostas virão em seu devido tempo. 

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