quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O VESTIDO VERDE




O VESTIDO VERDE
Rogel Samuel
         Sim, toda vez que eu passava pela avenue de la Motte Picquet tinha de dar uma paradinha naquela loja de roupas caras, exclusivas, para ver o vestido verde. Era bom de ver, alegoria de nossa, da minha Amazônia. Era bom ver o traje, a indumentária transformada em arte. A toillette, coisa de arte francesa ou não, arte parisiense ou não, lembrava Burda, o magazine que ainda existe em se não me engano língua alemã com aquelas belas mulheres sob uns leves chapéus que sempre tinham o gosto das rendas desmaiadas das mantilhas das espanholas e rainhas.
         Sim, ao lado havia uma casa, talvez de doces, espécie de pâtisserie, e mais um pouco um café. Um elegante café. Em frente se ostentava a fachada da École Militaire, construída por Luiz XV, em frente ao du Champ de Mars, onde Napoleão estudou. E ficava no VIIe arrondissement, rica região de prestígio e alta burguesia. Lá atrás estava a UNESCO, que Eduardo Portella dirigiu, e várias embaixadas.  
         Por que gostava tanto eu da alta costura daquele vestido verde, exclusivo, eu que me visto tão mal, que ando pelas ruas do Rio de Janeiro como mendigo, de chinelo de dedo e uns blusões fora de moda?
         Por quê?
         Talvez porque, quando menino, minha mãe costurava e recebia o magazine Burda, em alemão, que meu pai traduzia para ela.
         Meu pai era francês de língua alemã, pois cresceu em Strasburg e ali foi educado. Sua língua “materna” era o alemão, não o francês.
         Eu vivia folheando aquelas revistas de minha mãe. Minha primeira “literatura” foi aquela, que minha mãe, enquanto costurava, me fazia ver.
         Minha mãe costurava muito bem. Durante um tempo, ela costurava “para fora”. Lembro-me de que ela estudou com a modista carioca que fazia os vestidos de Teresa de Sousa Campos, com quem minha mãe se parecia. Aquela modista, que morava na Prado Jr., esquina com Av. Atlântica, viveu um tempo em Manaus porque seu marido teve negócios por lá.
         Minha mãe era uma mulher elegante. Foi uma das “10 mais elegantes de Manaus”, apesar de não ser rica. Mas costurava excelentemente.
         O vestido verde permanecia sempre lá, caríssimo e exclusivo, como no outro lado do rio Negro aquelas árvores. Na outra margem do Igarapé do Inferno, do meu “Amante das amazonas” estão elas, vejo-as, entre as colunas das folhas, vêm da curva descendente que sai do verde-escuro para o verde-cré, até a fímbria da saia de aço da fria lâmina do rio. Como nessa matéria nada é absoluto, começo afirmando que o vestido era todo feito de pedacinhos de pano verde emendados uns aos outros pela parte de cima, e os retalhos caíam como folhas das árvores, como da copa das árvores, arriadas pelo pesado sol e forte, o chão liquido filtrado pelos raios através do verde escuro, as minúcias das luzes em redes de cobertura fofa, arriscada, acamada da folhagem seca como patê silvestre, pavê molhado, folheado, cremoso, marrom, onde se deitavam flores selvagens - sim, aquilo era a vestimenta do Igarapé do Inferno re-visitado, depois de tanto tempo, invadido, muito além do ponto onde a minha imaginação e o meu delírio anterior tinha chegado, nos limites do fim do mundo.
         Aqueles tecidos escondiam a mata molhada, literária. Um observador de bom olho nada veria ali, além de um vestido, mas algo havia, por trás da glorificação daquele esplendor de veludos e de sedas de um vegetal amazônico em plena Paris. As rendas da saia eram o que se podia chamar de solares, e penetravam minhas retinas ensandecidas como lâmina de faca, sincopadas e intrusas, compridas, naquele parque aquático de gigantes antigos, insatisfeitos por serem incomodados, dignos, altaneiros. Então era o rumo ignoto do arcaico, do mítico, do inominável, do distante, da paragem dos seres mágicos como Numas. Dir-se-ia que as estruturas antigas do mundo estavam escondidas ali, que lá o mundo terminava, nos seus desconhecidos motivos...
         E súbito eu via, na margem do rio, aparecer uma mulher vestida de verde com aquele vestido, e dançava na parte mais elevada do terreno, e com o braço erguido sustentava um vaso ritual, de onde partia uma seringueira já crescida. O tronco da árvore passava por trás dela, e era a estátua, agora verde, que D. Ifigênia Vellarde tinha trazido da Europa no fim do Século passado.
         Atrás daquela mulher congelada estava - magnífico, supremo, inominável, majestoso - o Palácio Manixi!
         E aquela mulher desfilava pelos salões do palácio, e das janelas abertas saíam grossos e longos galhos de árvores frondosas, nascidas por dentro, e assim parecia que o Palácio tinha criado asas e ia começar a voar. O Palácio se cobrira de uma pátina de beleza extraordinária, de uma vitalidade monumental - estava ali, vivo, lavado, enlouquecido marco de seu tempo. Era um santuário, dominava o ambiente, um templo antigo, perdido no meio da floresta, de uma outra era. Toda a luz ao redor irradiava dele, de uma civilização de um outro século, de um outro mundo desconhecido, limite vivo do luxo e do esplendor da borracha do fim do Império.
         A floresta avançava contra ele, construindo um estranho cerco sobre a moldura e irisação de sua arquitetura antiga coberta de cipós e de galhos de uma folhagem abundante que vinha de dentro dos salões requintados e criavam a aura de um extasiado espetáculo.
         Mas era no “Amante das amazonas” que aquilo se dava, não em Paris.
         Pois todos os suntuosos fantasmas exsurgiam dali. Toda a História desfiava o seu curso. O tempo ali se congelava, inerme, no meio dos amplos salões, desaparecendo ao longo daqueles mesmos corredores, escorrendo ao longo das paredes pesadas de estuque, lúgubres, de uma decoração barroca. Eram seres invisíveis todos mortos que despontavam, uma vez mais, arrastando longos e pesados vestidos de veludo verde, envergando reluzentes casacas, esquálidos, saídos daquele sepulcro do luxo daquele tempo, através daqueles amplos espaços povoados de símbolos, dentro daquela enorme construção de um outro mundo, do fim de um mundo de onde todos tinham fugido, povoado de demônios, culpados, expiando suas culpas mortas.
         E à noite desfilavam, ao longo daqueles corredores, através da seriação de janelas e portas, refletindo suas sucessivas silhuetas nos espelhos apagados, misturando-se com figuras pintadas nas paredes, e famintos, gélidos, sem ousar sair ao jardim abandonado, aquém do porto as ornadas figuras de fino e feroz olhar que não permitiam a ninguém penetrar naquele santuário do desperdício da riqueza antiga e condenada, ninguém pudesse subir aquela escadaria e atravessar aquelas salas além daqueles mármores trazidos há incontáveis anos para ladear-se com o cinzento e o estilizado. Era como se dissessem: “Desaparecei!”. Ou como se ameaçassem: “Afastai-vos!”.
         E à noite a figura do antigo e descamado dono poderia ser vista, através das janelas, como se o iluminasse uma catedral, mostrando-lhe a face horrível e desesperada, os olhos mergulhados no escuro, à procura de algo, à procura do tempo, à procura de si - e passando sem que ninguém o visse na sua infinita miséria. E todo o esplendor daquele luxo antigo era uma tortura sinistramente mergulhada na destruição de um império ali por fim silenciado.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

EM BUSCA DA POÉTICA DE J. G. DE ARAÚJO JORGE

EM BUSCA DA POÉTICA DE J. G. DE ARAÚJO JORGE

Rogel Samuel


Faço aqui uma breve tentativa de ensaio crítico sobre este grande poeta – e como “ensaio”, algo provisório, limitado a alguns poemas de “Harpa submersa” (1952), para mim reveladores, indicadores daquela arte do poeta acreano, no centenário de seu nascimento.

Até hoje, ele ainda é o poeta mais lido do Brasil, porque popular, fácil, melódico, oral. De certo modo, o maior poeta para o povo brasileiro. Famosíssimo mesmo hoje, tantos anos depois de sua morte (1987), publicou 36 livros, um romance, 2 LPs, várias músicas, manteve programa de rádio, é nome de rua no Rio de Janeiro e em várias cidades brasileiras. Suas músicas foram gravadas por Orlando Silva, Nana Caymmi, Carlos Galhardo, Silvio Caldas, Agnaldo Timóteo, etc.

Foi professor do Colégio Pedro II, no tempo em que lá só chegavam grandes mestres. 

Enfim, uma vida plena e gloriosa.

Morreu aos 73 anos.

A obra literária, sua poética, se confunde com a sua ideologia política, que ele escreveu para povo, para o leitor semialfabetizado, rural, proletário, operário, para as belas normalistas suburbanas, que com elas queria comunicar-se, para as massas, deu voz às massas, como poeta.

Creio que foi o único parlamentar brasileiro moderno que conseguiu eleger-se como poeta, com a fama de Poeta, com a popularidade de seus livros, que eram publicados e vendidos aos milhares, mesmo no interior brasileiro, em papel jornal pela Editora Vecchi. “Amo!” vendeu 80 mil. Ele foi o único poeta brasileiro que vendeu mais de um milhão de livros.

JG por volta dos 18/19 anos.
Foto cedida por Rogel Samuel,
retirada de livro do poeta.
Nasceu em 20 de maio de 1914, em Tarauacá (que na época devia ser uma pequena vila na beira do rio), no Acre.

Curso primário no Acre, secundário nos Colégios Anglo-Americano e Pedro II do Rio.

Em 1931, ainda estudante, publicou um poema no “Correio da Manhã”, depois transcrito no popular “Almanaque Bertand”, em 1932.

Em 1932, no Externato Pedro II, foi escolhido “Príncipe dos Poetas”, saudado por Coelho Neto.

Estudou na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.

Foi orador oficial do CACO, da União Democrática Estudantil, precursora da UNE, da Associação Universitária. 

Foi locutor e redator da Rádio Nacional, Tupi e Eldorado.

Em Coimbra, recebeu o título de “estudante honorário” e na Alemanha fez Curso de Extensão Cultural na Universidade de Berlim.

Elegeu-se Deputado Federal em 1970, pela Guanabara, reelegendo-se para o terceiro mandato em 1978.

Ocupou a vice-liderança do MDB e a presidência da Comissão de Comunicação na Câmara dos Deputados.

Só não foi reeleito pela 4ª vez devido na uma greve dos Correios, que (dizem) o deixou endividado e deprimido, morrendo anos depois, em 1987, creio que em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro.

Ele adorava Friburgo.

Politicamente, era homem de esquerda, desde estudante, quando combateu o “Estado Novo”. Preso e perseguido várias vezes. Deixou de ser orador de sua turma por estar detido na Vila Militar, em 1937.   

Ficou famoso como Poeta do Povo e da Mocidade, pela mensagem socialista da sua obra lírica.

Um dia, uma pessoa querendo me ofender, me disse:

- Sabe quem gostou do seu livro?... A minha empregada!

Isto não seria problema para o grande J. G. de Araújo Jorge, que se dirigia à massa proletária!

Ele mesmo tem um livro que se chama “O poeta na praça” (1981).

Sua poesia é oral, livre, espacial, fácil.

Como não compreender sua poética?

“O diabo é que não sou complicado / sempre sei o que sinto, o que quero, / pelo menos no momento que passa. // Por isso não tenho dificuldade em meu verso, / na verdade, não tenho nenhum trabalho, / ele vem e me diz: aqui estou! / Pois bem: que cante!” (“Harpa Submersa” 1952 )

No seu “Canto Banal”, ele diz:

“Não te quero dizer palavras difíceis e deformantes / nem inventar imagens que embelezam talvez / mas que não reconheces. // Não tocarei música para os teus ouvidos / nem criarei poesia para a tua imaginação, / nem nada esculpirei que já não esteja em ti... // Nesse instante serei banal, / não respeitarei nem mesmo o silêncio, / nada que nos eleve além do plano em que estamos, / não serás estrela, não serás a nuvem, não serás a flor... // Quando chegares, e eu tomar teu corpo em meus braços nervosos, te direi apenas: / - meu amor!” (“Harpa Submersa” 1952).

Ele também sabia dizer coisas como:

“Meu coração, como uma harpa submersa, / jaz no fundo de que ignorado oceano? / Que estranhas correntes arrancam de suas cordas / sons líquidos e redondos que se perdem côncavos / antes de chegar à tona?... // Que peixes cegos tiram notas imprevistas / e se vão tontos na ondulação do canto que despertam / entre espectros calcários e verdes algas trementes? // Que músicas borbulhantes se agitam, nascidas / de que movimentos sem origens, incognoscíveis, / marcando um tempo morto e imensurável? // Meu coração é como uma harpa submersa, / sem dedos, sem cordas, tocando sozinha / uma canção que desvenda os mistérios da vida / para os peixes ouvirem.” (“Harpa Submersa” 1952).

Que significa Harpa Submersa?

Harpa Submersa “/ Este retardatário gosto de pureza, / que me vem à boca do fundo coração, / não sei se é tédio ou o sinal de alvoradas renascentes. / Na areia branca onde a onda tenta apagar/ vestígios de pés e levar todas as conchas, / me deixo à espera de outras vagas carregadas de conchas / ou de passos que tatuem novas marcas / na epiderme do coração. / Pobre coração marinheiro, tão marcado, / de que canto obscuro desenterras imprevistamente / esta harpa cheia de algas e de sons submersos?” (“Harpa Submersa” 1952).

A água é signo feminino. Ele sabe tocar o âmago da mulher, tocar a sua Harpa, o seu ventre submerso.

O canto lhe vem à boca, do fundo do mar do coração. O canto nasce imprevisto do obscuro das algas, do som submerso daquela harpa cheia de algas, de pureza retardatária, do seu itinerário, das marcas na areia do chão de sua vida.

Harpa Submersa significa “ventre submerso”. Ele é o poeta do sentimento, do amor, do itinerário da vida. Ele era um “poeta popular” sim.  E a depender dos leitores, o poeta da Harpa Submersa vai se tornar eterno.

Ele não entrou na Academia Brasileira, mas se sentia “Imortal”:

“Me sinto na academia, me sinto “imortal” / Não sei bem de que academia / nem sei a que morte me refiro / sei que neste momento me sinto como as crianças / e os animais / para quem a morte não é nem mesmo, / uma palavra que se lê.”

Por que deputado?

Por que o grande poeta do povo entrou na política?

Por que foi um grande político de esquerda, tão grande que morreu pobre e endividado?

Porque toda poesia é uma política. Política entendida como a arte de mudar o mundo. Era no mundo grego a “arte da polis”. A consciência comunicativa vigorava na polis grega, entre os homens livres. Mas a poesia só manifesta “arte” na medida em que está a serviço da “polis”. O mundo poético é o mundo da sociedade. A poesia, tal como ele a praticou, resume uma grande força política em prol do desenvolvimento espiritual dos povos.

O poeta dá voz aos povos, como um profeta, as massas se identificam com ele.

Ele não era porta-voz da classe dominante, da elite intelectual dominante, que combateu e por isso ela se vingou, apagando o seu nome das histórias da literatura.
Mas ele não precisava disso.

Sua legitimação vinha do povo.

Ele fez política, fez política com a sua poesia de amor. Quando canta: “meu coração é como uma harpa submersa, / sem dedos, sem cordas, tocando sozinha / uma canção que desvenda os mistérios da vida / para os peixes ouvirem” – tais peixes atuam, nadam no subconsciente revolucionário das massas proletárias.

Poucos como ele sabem que a poesia pode mudar o mundo.

Por isso ele não consta das histórias literárias e a crítica o ignora.

O seu público é outro: JG escreveu para a massa proletária dos “homens tristes” (de que ele sempre fala), para o verdadeiro Brasil operário.

Hoje ele seria aceito?

Não sei. Talvez. Mas não pela mídia, que a elite dominante continua a mesma e mais entrincheirada. O Brasil está cheio de grandes poetas esquecidos da mídia e da crítica.

Mesmo assim JG colecionou prêmios acadêmicos, como o “Prêmio Raul de Leoni”, para o melhor livro de poesia do ano, prêmio oferecido pela Academia Carioca de Letras, com o livro “Eterno motivo”, em 1943.

E até agora ele vende muito: seus livros são os primeiros a vender nos sebos, quando aparecem.

Suas obras estão quase todas na Internet.

Mas em Tarauacá, onde nasceu o poeta, não existe nenhuma livraria...

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ROGEL SAMUEL é doutor em Letras e professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. Poeta, romancista, cronista, webjornalista. É autor, entre outros, de O Amante das Amazonas (2005, 2a edição), Novo Manual de Teoria Literária (2013, 6reimpressão); Teatro Amazonas (2012); e Modernas Teorias Literárias: breve introdução (2014). Visite a página pessoal do autorliteraturarogelsamuel.blogspot.com

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

OS RATOS



OITO: RATOS.
CHEGAMOS ao ponto deste caminho em que digo que, certa vez, eu me lembro bem que vi primeiro um risco preto entre as tábuas do chão. Era algo que passava como uma linha reta móvel preta. Um traço cinematográfico, contínuo. Depois se pareceu com minúscula cobra reta que se infiltrava entre as frestas da construção carcomida, algo que percorria o tempo, que atravessava o mundo, fluindo como se deslizasse para furar e vazar a terra. Aí então chegou a aparecer como um corpo maior, um corpo duro - um cabo, um rabo. Sim, aquilo era um rabo de rato.
TALVEZ que uma ratazana saísse dali diante de mim, de sua ratada. Talvez. Ratânia-do-Pará. Talvez um ratão, um rato enorme, como ratão-d’água, ratão do banhado, roendo, moendo sob a terra, corroendo a casca, mascando e carcomendo a crosta, consumindo, devorando por baixo de numa mastigação constante. Ou mais. Ou o dorso preto, ou cinza escuro, de quase 15 centímetros de rabo, couro, rabo-de-couro e arganaz, murídeo - e atrás vinham outros, catitas, ratinhos, e mais um rato preto, de pilosidade eriçada, um camundongo quase gordo, coró, toró, curuá, sauiá, e mais. E mais. E eram muito mais ratos vindo chegando entrando no barracão, imburucus, gabirus, dezenas, centenas, milhares - o Manixi estava sendo consumido por ratos, e não só de noite como a qualquer hora do mesmo dia.
Revelo que isso se passou naqueles anos, depois, em 1925. Quando presenciei o processo de decadência e morte do Manixi. Para tudo descrever do que então vi direi que os ratos, atrevidos, vorazes, famintos, se multiplicavam, agressivos. Todo o empenho de João Beleza, que administrava o espólio, toda a sua luta contra os ratos de nada adiantava, os ratos não desapareciam e aumentavam, dia a dia, não havia como salvar nada, nem quando conseguiu gatos, os gatos nada puderam fazer, acabaram mortos, os cadáveres dos gatos saqueados e comidos por ratos famintos, ávidos, múltiplos, como se fosse o Juízo Final.
Dominado pelo furor, João Beleza arranjou uma jibóia para espantá-los, aos ratos, e salvar o barracão, mas a cobra sumiu e aí apareceu o regatão Saraiva Marques, homem que valia por muitos, e que recomendou e vendeu para João Beleza um veneno de rato a base de verde-da-Prússia. João Beleza passou a assim proceder, alimentando os ratos, todas as noites, servindo-lhes comida num tacho. Os ratos comiam um purê de mandioca, durante dias, cada vez mais, cada vez mais, até que se empanturraram que no último dia comeram purê envenenado.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

O AMANTE DAS AMAZONAS


- Boa noite - foi o que disse o Padre Pereira ao dar o primeiro passo dentro da sala onde o aguardava o Comendador Gabriel Gonçalves da Cunha, que jogava xadrez.

O Comendador levantou os olhos do tabuleiro e fixou o padre.

Gabriel ainda era um homem rijo, magro e elegante. Usava sempre uns temos de linho branco que combinavam com seus cabelos de prata. Indicou a cadeira, em frente, onde o padre se sentou.

Gabriel jogava xadrez sozinho. Ficaram os dois por um momento em silêncio, como se pensassem no que dizer. Ouviam-se os sons da cozinha, ouviam-se os passos de alguém num cômodo próximo, ouviam-se sons da rua.

Apareceu uma criada e o Comendador lhe deu o tabuleiro, que ela tomou com cuidado para que o jogo não se desfizesse.

O calor daquela sala era brando, as carapanãs zumbiam. A mobília era discreta. Rara. Moderna.

-  E o nosso homem? perguntou o Comendador. Via-se logo o tema da visita. Padre Pereira, muito a contragosto, tinha pedido um encontro com o Comendador para tratar do delicado assunto. Gabriel aceitou. Convidou-o para jantar. Teriam oportunidade de conversar.

-  Menos mal, respondeu o padre. Parece que lhes chegaram uns pedidos do interior. E ele conseguiu vender alguma coisa

-  Está enganado! - gritou-lhe o Comendador, ríspido. O senhor não sabe de nada!

O Comendador nunca perdera o sotaque português, apesar de estar no Amazonas há décadas.

-  As dívidas de Juca das Neves somam muito mais do que vale o seu patrimônio!

Há poucos dias Padre Pereira tinha ouvido de Juca das Neves aquela frase: “Só o senhor pode-me salvar”.



segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A BOLA NÃO É A INIMIGA - ROGEL SAMUEL

A BOLA NÃO É A INIMIGA - ROGEL SAMUEL



EU me lembro de alguns indiozinhos Cambebas (ou Omáguas) que inventaram a bola, o futebol, a Copa, no Amazonas de 1744.
Quando La Condamine, em meados de 1744, descia o Rio Amazonas por inteiro, desde as montanhas peruanas, Jaén de Bracamoros, até Bélem do Pará, viu uns indiozinhos jogando bola de látex, balata, na praia.
Maravilhou-se ele e trouxe a bola para a Academia das Ciências de Paris. Lá, triunfante, jogou a bola no chão, num escândalo, para todos os sábios.
No dia seguinte, publicaram: "Estranho objeto desafia a lei da gravidade".
Ao látex La Condamine chamou de "caoutchouc", dizendo viria a ser de grande valor industrial, e que os portugueses aprenderam dos omáguas, discípulos dos Incas, que já o conheciam, sua extração e beneficiamento.
É verdade que alguns autores dizem que Colombo já a conhecera no Haiti, diz o Mestre amazonense João Nogueira da Mata, em "Biografia da borracha", de 1978, que tenho com dedicatória.
Lembro-me de Ademir da Guia. Não o jogador, mas o poema de João Cabral.
O látex é uma gosma grudenta como cola.
Era calculado o jogo, estudado, “desafinado” pelo jogador brasileiro, que dava a ele o ritmo pessoal, o tempo, o chumbo, a câmara de pesadelo lento, transformando o adversário no cúmplice de sua vitória, atando-o, na atadura hospitalar da doença que Ademir inoculava no irrequieto adversário, como aranha, hipnotizando-o, inutilizando o ímpeto, com a anestesia do jogo pesado, encharcado, sobre areia, ou no alagado, na lama, nos baixios da alma, de um peso morto, de um psicológico, psicótico lastro do espírito, da langorosa alma, da materialidade da larva, da lesma, da gosma, da goma, dos líquidos pegajosos, espermáticos e seminais, grude, esparadrapo, óleo podre.
"ADEMIR DA GUIA":
Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.
Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o.
Ritmo morno, de andar na areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando
o mais irrequieto adversário.
Não há vitória, mas "não-perda" do jogo. Falta Romário. Mesmo quando joga mal, sua presença ameaça o adversário. Não foi à Copa porque tem voz, é sujeito, não objeto. Todo sujeito é suspeito. Opina, critica. Brasileiro não pode, não está acostumado à fala, à liberdade, à democracia. Mas à submissão, ao mandonismo, ao autoritarismo. O "povo" quis Romário? Scolari não quis. O povo? Aqui? Democracia? O Brasil das Capitanias Hereditárias vive agora uma onda de denúncias contra os representantes do povo.
Em outro poema, diz Cabral no "TORCEDOR DO AMÉRICA F.C.":
O desábito de vencer
não cria o calo da vitória;
não dá à vitória o fio cego
nem lhe cansa as molas nervosas.
Guarda-a sem mofo: coisa fresca,
pele sensível, núbil, nova,
ácida à língua qual cajá,
salto do sol no Cais da Aurora.
Cabral lembra os Ronaldos europeus:
A bola não é a inimiga
como o touro, numa corrida;
e embora seja um utensílio
caseiro e que se usa sem risco,
não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho,
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão.
A bola, a vida, a alma. As eleições. Não inimiga, mas amante. A bola de futebol, malícia, manha, reações perigosas, não se usa sem risco. Como a nudez da mulher, ou do touro. Cabral, nordestino, machista. Jogador toureiro, amansa a bola. Futebol machista. O time perdedor não corta o afiado. Não o Jogador, o Clube, o time, mas a bola. O orbe. O mundo. O calo da vitória. O calo do verbo calar. A bola algo que rola, rebola, imprevista, perigosa, nervosa, telegrama, aerograma, míssil, ogiva nuclear, torpedo:
Não é a bola alguma carta
que se levar de casa em casa:
é antes telegrama que vai
de onde o atiram ao onde cai.
Parado, o brasileiro a faz
ir onde há-de, sem leva e traz;
com aritméticas de circo
ele a faz ir onde é preciso;
em telegrama, que é sem tempo
ele a faz ir ao mais extremo.
Não corre: ele sabe que a bola,
telegrama, mais que corre voa.

É só reler: BRASIL 4 X ARGENTINA O (Guayaquil 1981)
Quebraram a chave da gaiola
e os quadros-negros da escola.
Rebentaram enfim as grades
que os prendiam todas as tardes.
Nos fugitivos, é a surpresa,
vendo que tomaram-se as rédeas
(dos técnicos mudos, mas surpresos,
brancos, no banco, com medo).
Estão presos os da outra gaiola,
que não souberam abrir a porta:
ou não o puderam, contra o jogo
dos que estavam de fora, soltos,
De certo também são capazes
de idênticas libertinagens
uma vez soltos, porém como
se liberar daquele tronco
em que os aprisionaram os táticos
argentinos, também gramáticos.
E enquanto os fugitivos seguem
com a soltura, a sem lei que os regem,
nos bancos é uma a indignação:
dos que vão vencendo e dos que não:
“Voltamos ao futebol de ontem?
Voltou a ser um jogo dos onze?
Voltou a ser jogar de pião?
Chegou até cá a subversão?
Como é possívela haver xadrez?
Sem gramática, bispos, reis?”
Sem subversão. Culpa daqueles indiozinhos cambebas, que inventaram o futebol por volta de 1744.
Os Cambebas, entretanto, foram exterminados!

O AMANTE DAS AMAZONAS

Não, nada recebeu em troca, nunca teve dinheiro, nunca teve onde morar, nunca bajulou os poderosos nunca os aturou, sempre os irritou. Depois de quarenta anos de trabalho só colhera inimizades. E o calor e os mosquitos, as noites sufocantes. Varara florestas impenetráveis cheias de cobras, aranhas e escorpiões. E como reconheciam? Com a calúnia, com a degradação do nome. Aqueles crápulas não podiam compreender a vida no meio dos índios sem ser por algum sórdido motivo, nascido da doentia imaginação deles. Ninguém acreditava que ele servira naquele inferno quarenta anos em troca de nada. Aquilo roía sua alma. Havia cartas dos superiores com acusações, o Provincial veio com falas ... Ah, que o tirassem dali, que ele já se ia para sempre - se o matassem lhe fariam um grande bem ... Ele estava sobrando naquele mundo, certamente gostaria de morrer a aturar o paroquial, que detestava. Ninguém gostava daquele homem feio, que de padre só tinha o hábito. A voz, grossa e entediada, as mãos rudes e fortes, a expressão feroz. Frei Lothar odiava a classe dominante, odiava a religião e a fé, que para ele eram a medicina e a prática. Não falava de coisas piedosas, coçava o saco, rezava de má-vontade, irreverente, lacônico, sincero, agressivo, grosseiro com as autoridades, primitivo e rude. Frei Lothar, na Amazônia, era um militar irritado, um fiscal de Deus, armado.

A noite já andava densa quando a alvarenga ficou cheia.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

O AMANTE DAS AMAZONAS

A sala de música estava vazia. Eram poucos os móveis ali, o pequeno Pleyel, de cauda, a mesa, quatro cadeiras e o armário dos violinos, fechado. Pierre ofereceu um charuto e disse: “Até que, naquele ano, apareceram os Numas ...“. Aquele aposento ocupava uma posição separada do Palácio. Ninguém podia entrar, sobretudo quando Pierre tocava. Os dois homens fitavam a mesa que os separava. Havia uma garrafa em cima da mesa, dois copos. Pierre suspirou. Os seus olhos idosos estavam perturbados com a reflexão a respeito do passado remoto. Sua face alongava-se. Levantou os braços para o alto, permaneceu em silêncio e olhou o outro de maneira ausente:
- As histórias que lhe vou contar são absurdas, não lidam com problemas humanos, mas com um reino diferente do nosso.
Ferreira esforçou-se para pegar o copo e beber. Foi sentindo o luxo do bacará daquela taça que ouviu o que se segue:
- Em novembro de 1905 os Numas apareceram e começaram a caçar os Caxinauás. Apareciam todos os dias. Nunca houvera aquilo, nunca os Numas, tão próximos, e ferozes. Era a seca, a vazante. Tive de tomar providências enérgicas. Agrupei os Caxinauás no Quati, desloquei homens armados. Depois de mansos, os Caxinauás ficaram indefesos. Eles vieram logo, esconderam seus pertences. São mestres nisto, na arte de guardar, de esconder, de camuflar. Podem fazer desaparecer canoas inteiras, enterrando-as debaixo d’água, que mesmo depois de anos desenterram. Todo Caxinauá tem sempre um tesouro escondido.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

O AMANTE DAS AMAZONAS

A aldeia Caxinauá se espremia entre os Numas imprevisíveis e a parte civilizada e conhecida do Rio Juruá, lá onde só era possível encontrar seringueiros perdidos, gente ficada da expedição de 1852. Os Caxinauás tiveram contato com Romão de Oliveira. Os Numas não. Reagiram violentamente desde 1847, quando o sábio Francis de Castelnau por ali passou e os descreveu na Expedition dans les parties centrales de l’Amerique du Sud, raro exemplar na biblioteca de Pierre Bataillon. Também Travestin, em Le fleuve Juruá, se refere àquelas lutas que tiveram contra os Numas. Em 1854, João da Cunha Correa, no cargo de Diretor dos Índios, subiu o Tarauacá, descobrindo o Gregório e o Mu, sem contato. Pierre Bataillon chegou em 1876. É o que digo. Naqueles anos os Numas não estavam. Passaram-se vários anos sem eles. Pierre estabeleceu o seu domínio com facilidade, sobre as terras dos Caxinauás pacíficos. Aquela era uma das inúmeras aldeias Caxinauás da Amazônia. Pierre impôs a paz, a ordem. Destruiu a cultura Caxinauá pelo progresso, novo deus que era, e a quem eles se submeteram sem reclamos, quase alegres. A partir de então as mulheres e os rapazes Caxinauás se transformam em objetos do Seringal, pela força da tropa de guerra do Coronel. E a pequena aldeia, empestada de tifo, malária, sarampo e sífilis quase desapareceu: uma epidemia de gripe, em 91, dizimou um terço da população. Os Caxinauás se reduziram a 84 viventes agricultores, servos da gleba do Coronel.

domingo, 5 de janeiro de 2020

O AMANTE DAS AMAZONAS


A Caxinauá depois do morticínio escondeu-se e permaneceu algum tempo num capão de mato perto do Palácio sem ninguém. Pensasse morrer e não queria ser mais vista. Pierre tinha nas imediações cerca de 500 homens, caçadores, mateiros, caucheiros, balateiros, toqueiros, comboieiros, homens de campo, mariscadores, lavradores, empregados e aias. Ninguém. Ninguém a viu. Ser invisível quando quer fica mesmo invisível. Que somos alvos fáceis de suas cobras mandadas, de suas flechas, dardos e zarabatanas. A zarabatana solta um dardo muito pequeno e muito rápido, que não se vê no ar, e é muito preciso, mortal, envenenado por um tipo de curare feito do cipó uirari e dos venenos de cobras, moscas, aranhas e escorpiões misturados num tipo de ritual. Paralisa o sistema nervoso e mata por asfixia. Alguns índios usam cobras como armas. Certo Othoniel das Neves, do Juruá, famoso por suas crueldades e matanças, morreu picado pela cascavel encontrada debaixo do seu travesseiro. Pintados com ervas especiais, os índios enganam os melhores cães de caça. No morticínio Numa só se encontraram corpos carbonizados. Quase morta, Maria teve de ser levada às pressas para Manaus, com Frei Lothar e Zequinha juntos. Foi a pior guerra da região até hoje. Depois disso, Pierre Bataillon, que gostava das frases de espírito, e para levantar o moral da tropa, que começava a respeitar e a temer a força de resistência dos guerreiros Numas, apesar da incomparável diferença das armas que utilizavam, passou a chamar os índios de “novos ajuricabas”, referência ao herói dos Manaús que, em 1723, enfrentou e venceu os soldados da coroa portuguesa, sob o comando de Manuel Braga.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Assis Brasil e Guimarães Rosa

Assis Brasil e Guimarães Rosa
















Assis Brasil e Guimarães Rosa


Rogel Samuel



Assis Brasil foi um dos primeiros a reconhecer a qualidade da invenção da linguagem de Guimarães Rosa. Li com prazer sua entrevista para Francigelda Ribeiro, em Entre-textos. É curioso também saber que ele frequentou em 1956 o "Restaurante dos Estudantes, no Calabouço, perto do Aeroporto Santos Dumont", onde eu almoçava, a partir de 1961. Aliás fui professor ali, num curso para estudantes do Calabouço, naquela época.

Eu já tinha lido os artigos de Assis Brasil no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Quando estava pesquisando para minha tese de doutorado, em 1983, frequentei diariamente a biblioteca da OLAC, ou Oficina Literária Afrânio Coutinho. E lá havia umas pastas com tudo o que se tinha publicado sobre Guimarães Rosa, até então.

Afrânio, que era amigo de Rosa, guardava tudo, todos os recortes. Nunca se viu um pesquisador como aquele.

Muitos criticavam Rosa e seu estilo brabo. Chegaram a dizer que ele, primeiro escrevia direito, depois complicava.

Eu conversei com Rosa, na Academia. Mas isso já outro assunto.


Assis Brasil também escreveu um precioso ensaio, que li: 



BRASIL, Assis. Guimarães Rosa. Ensaio. Rio de Janeiro, Simões, 1969. 148p.
Grande romancista, em "O prestígio do diabo” (São Paulo, Melhoramentos, 1988) Assis Brasil apresenta o panorama da vida da pequena classe média daquela época com maestria, pois o personagem Lázaro é escriturário, bem comportado, humilde, correto, calmo, preocupado com as aparências (“o que vão pensar?”, “começaram a olhar”, “podiam pensar que fosse um ladrão”), cuidadoso com a mãe e a irmã, tímido (nunca se declarou para Cacilda) e de repente, depois de algumas “quedas” (em que sentia que algo o empurrava ao chão) perde o emprego e começa a mudar. A alteração é lenta, quase imperceptível, mas vai assim até o seu surpreendente fim. O livro é muito bem construído, como todos os de Assis Brasil, e exibe a sociedade carioca das décadas de 60/70, o clima, o cotidiano, o centro da cidade, o subúrbio, no caráter humilde e bem comportado do jovem Lázaro (cujo nome é significativo). Sua mudança lenta e terrível, assim como foi a transformação moral da sociedade carioca. Há no livro um velado questionamento da luta do Bem contra o Mal, onde o “prestígio” do Mal vence.
O principal personagem, porém, é a sociedade carioca, a classe média pobre do Rio de Janeiro, a rua, a decadência das ruas, a vida, a corrupção do meio urbano. O romance é pessimista. Descreve com sutileza a loucura das grandes cidades. Abre a vida sem sentido, o aviltamento da moral brasileira, não só dos políticos ou da classe dominante, mas da sociedade como um todo, e principalmente a perda dos valores morais da classe média, o desvalorizar generalizado da vida privada, a sua favelização. O que está em jogo não é só vida pública, mas a contaminação do familiar, pois o mundo somos nós. O mestre Assis Brasil desse modo se faz herdeiro do romance machadiano.