quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Que dizer neste fim de ano?









Que dizer neste fim de ano?

Rogel Samuel

Que dizer neste fim de ano? Nada, que a vida, o tempo passa, acaba, se esvai na ampulheta da morte. O tempo, escreveu Bilac, escreveu Pessoa, passa sem princípio, fim ou medida, leva ventura, desgraça, vaidades, corre de segundo em segundo, em minutos, horas, dias, danos, sereno, séculos, a vida é pequena, não há demora, tudo passa, quão cedo passa tudo o que passa, morre tão cedo, tudo é tão pouco, nada se sabe, tudo se imagina...

Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe

E cala. O mais é nada.


Ricardo Reis, 3-1-1923


Sim, mas para mim, 2009 foi ótimo!



A pequena Paris

















A pequena Paris

NEUZA MACHADO

No entanto, “que belo lugar”! Tão “limpo”! “Lembrava Paris”. O Ribamar até então era apenas um “caboclo mal vestido, calças de brim, camisa de algodão cru de dura goma, chapéu de palha na cabeça e mala de madeira enrolada na mão”. Quem estava a se lembrar de Paris ao apreciar a Cidade? O primeiro ou o segundo narrador? Ou um terceiro viajante-narrador, profundo conhecedor da Cidade de Paris? Como poderia o Ribamar de Sousa da “mala de madeira enrolada na mão”, ou mesmo o segundo narrador, lembrar-se de Paris? Seria a Paris decalcada no “Cosmorama”, aquele interessante aparelhozinho ótico que o acompanhou quando de sua peregrinação até ao Seringal Manixi?


Diz o narrador, ao refletir ficcionalmente o declínio sócio-econômico da Cidade de Manaus: “Tudo o que era sólido se desfazia no ar e ruía como um castelo de cartas. O Teatro Amazonas foi abandonado, transformado em depósito de borracha velha. O que sobrou foi muito pouco, mas era o que eu mais amava”. O Teatro Amazonas, mesmo transformado em depósito de borracha velha, era o local que o narrador “amava”. O Teatro Amazonas, o símbolo da Cidade manauara, se estabeleceu no alto, como marca do poder da era da borracha. Posteriormente, “em ruínas”, significou a decadência de um primitivo Império capitalista, o de base familiar. Uma outra forma de Capitalismo Selvagem estava a surgir no mundo: o Capitalismo sem freios das multinacionais estrangeiras. Naquele instante universalmente dinamizado, o Teatro tornou-se um artigo sem serventia para os manauaras, um monumento do passado em ruínas, abrigado em uma Cidade em ruínas sócio-financeiras. No entanto, para o narrador-cidadão do mundo, ainda era o lugar mais “amado” (não seria de se admirar o fato de que, no momento, neste ano de 2008, o narrador aqui realçado esteja a escrever um romance chamado Teatro Amazonas).
O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A grandeza despojada

















A GRANDEZA DESPOJADA

NEUZA MACHADO



Entretanto, apesar do ou graças ao conflito, a partir da página oitenta e nove, um novíssimo narrador rogeliano se obrigou a surgir para revelar aos leitores que, desde o início da narrativa, o interregno capitalista esteve ali presente (o lado capitalista do Manixi), ansioso por destruir a grandeza mítica do lugar. Subitamente, aparecem ratos na narrativa. Os dois poderes não poderão permanecer juntos naquele espaço efervescente de transição. Um deverá destruir o outro. A mudança narrativa instiga o leitor interessado. Ele terá de descobrir (se houver ou não um fecho narrativo tradicional) quem sairá vencedor. Quem está despojando a grandeza da Floresta Amazônica? Como desvelar o Manixi (o Palácio e as terras que o rodeiam) ao longo da narrativa rogeliana? Por que “o sumiço do filho de Pierre Bataillon, um homem que vivia debaixo do ouro no Alto Juruá, permanece encoberto de tal mistério, sempre um acontecimento mitificado na imaginação do povo amazonense e acreano, e todas as hipóteses, levantadas então, não se puderam justificar, nem explicar”? Por que a Cidade de Manaus revela-se, na segunda etapa da narrativa como segundo espaço de mediação ficcional? E os ratos? Por que os ratos? Há ratos na Floresta. Há ratos na Cidade. Há “ratos” entre “as tábuas do chão”, “ratos” como “um traço cinematográfico, contínuo”, um “corroer” que incomoda, ativando a sensibilidade e a inteligência do leitor, demonstrando que, holisticamente, há “ratos” em todas as partes do mundo a abalar os primordiais e puros alicerces da civilização. Não foi o narrador Ribamar (o narrador tradicional das histórias contadas e relidas) que viu os tais ratos, foi o outro narrador (o das histórias lidas, relidas e inúmeras vezes repensadas), porque somente um narrador capacitado para tal função poderia formalizar criativamente o início da decadência da época da borracha (aquele que vê “o risco preto no chão”), ou seja, o início da decadência do plano das exigências conceituais a interagir com um discurso saído da própria “consciência fervilhante” (G. Bachelard).


MACHADO, Neuza. O Fogo da Labareda da Serpente: Sobre O Amante das Amazonas de Rogel Samuel

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O morro da casa grande





O morro da casa grande


Rogel Samuel



Recebo "O morro da casa grande" e mergulho em sua leitura, em suas "letras preciosas", como disse Genésio na página 18, e avanço em sua leitura, deliciado pelo ritmo daquela prosa.

O romance já nasce clássico. Sua prosa é a dos grandes escritores brasileiros contemporâneos, e como disse tem um ritmo, tem uma sonoridade, tem uma imagística própria, como que única.

Eu pretendo comentar este livro.



A FLORESTA DINAMIZADA















A FLORESTA DINAMIZADA

NEUZA MACHADO



A narrativa O Amante das Amazonas apresenta-se (e apresentar-se-á no futuro) como incomum ficção transmutativa. Enquanto houver leitores que visualizem dinamicamente o entrelaçar das mensagens reveladoras, ao interagir com os ditos e os não-ditos de Rogel Samuel, os pecados e as virtudes dos seres humanos, a Floresta Amazonense e a cidade de Manaus sempre se revitalizarão. As “neo-impressões” ficcionais de Rogel Samuel saem de sua inteligência “animada”, saem de seu imenso amor pela terra natal. Nas páginas de O Amante das Amazonas há constante movimento. Há uma Floresta vibrante onde uma sutil música se espraia e os barulhos cotidianos quase se tornam reais (os ruídos da Floresta). Ali, os fatos vão acontecendo paulatinamente. O mesmo se revela quando a criatividade do ficcionista se volta para a cidade de seu nascimento: há movimento no Bar do Bacurau, “no início da João Coelho”, e, “proeminente, bêbado, apoiado no balcão”, Mestre Benito Botelho indagará ad infinitum (ou seja, enquanto houver um leitor incomodado) “o sumiço do filho de Pierre Bataillon no fundo da floresta amazônica”. Quanto a Conchita Del Carmen, esta personagem permanecerá repleta de vida (vida ficcional), comandando a Rua das Flores (enquanto a narrativa existir e houver leitores para oferecerem-lhe dinamismo supravital). Os conflitos entre os espaços sócio-substancial e mítico-substancial se revelam assim em toda a sua grandeza e movimento diante do leitor. O Manixi rogeliano é o lugar da contenda. A Cidade de Manaus, também. Ali (Floresta versus Cidade) os dois espaços (o social e o mítico) se unem e se digladiam (se digladiarão permanentemente nas três dimensões desta incomum ficção, ou seja, nas dimensões da arte ficcional). Ali dois poderes se enfrentam.


MACHADO, Neuza. O Fogo da Labareda da Serpente: Sobre O Amante das Amazonas de Rogel Samuel.

Rainer Maria Rilke










(Foto: Rilke, 1902, de autoria desconhecida para mim).






Rainer Maria Rilke
(enviado por Amelia Pais)


Rogel Samuel


Comentarei depois:


«J'implore tous ceux qui m'aiment d'aimer ma solitude »- Imploro a todos os que me amam que amem a minha solidão»
Rainer Maria Rilke





Herbsttag


Herr: es ist Zeit. Der Sommer war sehr groß.
Leg deinen Schatten auf die Sonnenuhren,
und auf den Fluren laß die Winde los.

Befiel den letzten Früchten voll zu sein;
gib ihnen noch zwei südlichere Tage,
dränge sie zur Vollendung hin und jage
die letzte Süße in den schweren Wein.

Wer jetzt kein Haus hat, baut sich keines mehr.
Wer jetzt allein ist, wird es lange bleiben,
wird wachen, lesen, lange Briefe schreiben
und wird in den Alleen hin und her
unruhig wandern, wenn die Blätter treiben.



Rainer Maria Rilke



Dia de outono

Senhor: é tempo. Foi muito grande o verão.
Nos relógios de sol estira as tuas sombras,
deixa que pelo prado os ventos vão.

Manda aos últimos frutos a espessura,
dá-lhes do sul ainda mais dois dias,
força a plenitude neles, vê se envias
ao vinho forte a última doçura.

Quem não tem casa agora, já não constrói nenhuma,
quem agora está só, vai ficar só, sombrio,
perder o sono, ler, escrever cartas a fio,
e a um ir e vir inquieto nas áleas se acostuma,
vagueando enquanto as folhas lá vão num rodopio.

Senhor, já é tempo; foi tão longo o Verão



Trad. de Vasco da Graça Moura



Dia de outono


Senhor, foi um verão imenso: é hora.
Estende as tuas sombras nos relógios
de sol e solta os ventos prado afora.

Instiga a sazonarem, com dois dias
a mais de sul, as frutas que, tardias,
conduzes rumo à plenitude, e apura,
no vinho denso, a última doçura.

Quem não tem lar já não terá; quem mora
sozinho há de velar e ler sozinho,
escrever longas cartas e, a caminho
de nada, há de trilhar ruas agora,
enquanto as folhas caem em torvelinho







Trad. de Nelson Ascher

Publ. em http://antoniocicero.blogspot.com/



Dia de outono


Estende as tuas sombras sobre as horas solares
E solta os ventos sobre os campos
Ordena aos últimos frutos que se completem
Dá-lhes ainda dois dias de sul
Condu-los à plenitude e encaminha
o açúcar que resta até ao vinho pesado

Aquele que agora não tem casa, já não irá construí-la
Aquele que está só, assim ficará por muito tempo
Irá despertar, ler, escrever longas cartas
e caminhará pelas alamedas, inquieto,
de um lado para o outro,
enquanto as folhas se agitam.

Trad.?

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A rua Barroso


A rua Barroso



NEUZA MACHADO






“Um dia, como se tudo tivesse bem pensado, lhe disse a Caxinauá: - Agora você vai para Manaus.” (Lembro-me agora de que, em certo dia do passado histórico dos brasileiros não-abonados, uma desprotegida mãe pernambucana disse a seu filho caçula: “- Agora nós vamos para São Paulo, você vai estudar na Escola Técnica, para ser metalúrgico, e vencer na vida”. E este filho se tornou, em duas seguidas vitórias eleitorais, Presidente do Brasil. E venceu por seu próprio mérito). E, naquele instante dinamizado, “tudo dentro dele dizia (àquele futuro Presidente) que ele pisava aquele solo (do Estado de São Paulo) para vencer”.


Repenso agora o Ribamar: “Ribamar desceu a Rua Barroso”. Ficcionalmente, poderia ter subido a Rua assinalada e permanecido por lá (a residência de João das Neves era vizinha a de D. Maria de Abreu), se o poder monetário de João das Neves estivesse firmemente se estabelecido no alto. O poder seja de que ordem for se estabelecerá sempre nas alturas, e no Centro, mesmo que o ambiente revele degradação social. Mas, a subida exige esforço físico, trabalho árduo, e um personagem, descendo, já não visualiza trabalho pesado, apenas mental. Descer a ladeira da rua comodamente, e ao longo da descida adquirir uma sólida riqueza (e o tesouro de Maria Caxinauá era sólido, não era roubado, era realmente dela e de Ribamar - ou seja, dos índios dominados e dos retirantes nordestinos escravizado - e não de Ifigênia Vellarde) e um papel de destaque no mundo político seria mais prazeroso. A estadia no Seringal Manixi, como atencioso secretário de Ifigênia Vellarde, abriu-lhe as comportas do conhecimento monetário (e político). Não é por ventura uma função do secretário assessorar e resguardar a fortuna de seu patrão? E, por osmose, não é a partir de tal emprego que se aprende a arte de ganhar dinheiro e socializar-se, ao intermediar as transações pecuniárias do patrão? No entanto, graças ao segundo narrador, antes da aprazível “descida”, o Ribamar de Sousa teria de conhecer e demarcar seu novo ambiente social, o qual já sofria a “estagnação da crise econômica” pós-borracha. Ribamar “se admirava da bela rua, porque Manaus era bela. Calma, profunda, na estagnação da crise econômica”. “Manaus era uma espécie de cidade-fantasma, minimetrópole esquecida, batida pela claridade de um sol esplendidamente brilhante”. Reflito as informações sócio-ficcionais, mas necessito investigar a descida do personagem Ribamar pela rua de Manaus (ou seja, ao profundo mundo do segundo narrador), auxiliada pela filosofia bachelardiana. Ribamar (depois da ascensão e queda do Seringal Manixi, buscando uma casa onírica que difunda uma luz incomum em seu diferenciado crepúsculo existencial) se sente “feliz”, a caminho de “sua vitória” sócio-político-ficcional, porque o segundo narrador iluminou-lhe o atual itinerário narrativo, uma vez que este segundo se sentia seguro, abrigado nos sonhos de sua própria intimidade, como profundo conhecedor daquelas imediações citadinas. Refletindo esta Casa/Cidade “esplendidamente brilhante”, ainda posso recuperar uma outra assertiva bachelardiana. A Casa/Cidade iluminou-se, quando da entrada de Ribamar, porque, naquele preciso instante (instante metafísico), ela era “uma ilhota de luz no mar das trevas” do narrador pós-moderno (trevas representativas do abandono da terra primordial), e em sua “memória, uma lembrança isolada em anos de esquecimento”[lv]. Em verdade, quem está descendo comodamente e criativamente a Rua Barroso (um dos labirintos em declive, para o fundo, da inesquecível Casa/Cidade) é o dono do relato ficcional. Quem gostaria de reerguer a Cidade, “esquecida, abandonada, mas solene”, é o segundo narrador. Quem está, em um presente histórico resgatado da própria casa onírica, a se sentir feliz, “como se estivesse no início do caminho de sua vitória”, avaliando a beleza da Cidade, é o narrador dos sonhos profundos aninhados nos íntimos segredos de sua “meia-noite psíquica onde germinam virtudes de origem”[lvi]. O sonhador está a vaguear suas lembranças pelas ruas da cidade. É ele quem está a descer, devagar, a Rua Barroso, “passa pela portada da capela de Santa Rita”. É ele quem percebe solitariamente que a rua está deserta e é também o que enxerga todas as casas com as portas e janelas fechadas (fechadas para quem?).

domingo, 27 de dezembro de 2009

VIAGEM AO MARCO EXTREMO DE NÓS MESMOS













VIAGEM AO MARCO EXTREMO DE NÓS MESMOS

O TRAJETO DA VIAGEM OU A VIAGEM AO MARCO EXTREMO DE NÓS MESMOS

NEUZA MACHADO





"Porém embarcado chegaria em Manaus sem tropeços depois de 6 dias de viagem a 8 milhas por hora. E 2 dias mais tarde passava pela Boca do Purus, 5 dias após entrava na Foz do Juruá. Não navegávamos dia e noite? Na Foz do Juruá o Rio Solimões mede 12 km de largura e pássaros de vôo curto (o jacamim, o mutum, o cojubim) não conseguem atravessar, morrendo cansados afogados no fundo de ondas pinceladas de amarelo da travessia. Em 8 dias de navegação pelo Juruá chegávamos no Rio Tarauacá e atracávamos em São Felipe, de 45 casas, vila bonita, e arrumada. 9 dias depois entrávamos no Rio Jordão, de onde não prosseguiu o Barão, que não tinha calado, a gente seguindo desse modo de canoa pelo Igarapé Bom Jardim, subindo pois e encontrando nosso termo e destino, a ponta do nosso nó, o término, o marco extremo de nós mesmos, o mais longínquo e interno lugar do orbe terrestre ─ atingíamos finalmente o Igarapé do Inferno, limite do fim do mundo onde se encontrava, e envolto no peso de sua surpresa e fama, o lendário, o mítico, o infinito Seringal Manixi ─ 40 dias depois de minha partida de Belém, 3 meses e 5 dias desde a minha partida de Patos". (O Amante das Amazonas)

"Mas não disse que vinha à procura de Tio Genaro e meu irmão Antônio, aviados no Manixi. Não. Pois eles tinham sido trabalhadores seringueiros do Rio Jantiatuba, no Seringal Pixuna, a 1.270 milhas da cidade de Manaus, onde anos depois naufragaria o Alfredo. Eles freqüentaram o Rio Eiru, numa volta quase em sacado, e dali partiram em chata, barco e igarité até ao Rio Gregório, onde trabalharam para os franceses, e de lá partiram para o Rio Um, para o Paraná da Arrependida, aviados livres que eram, subindo o Tarauacá até o ponto onde dizem foi morto o filho de Euclides da Cunha, que delegado era, numa sublevação de seringueiros. Depois viajaram. E foram para o Riozinho do Leonel, seguiram para o Tejo, pelo Breu, pelo belo Igarapé Corumbam – o magnífico! –, pelo Hudson, pelo Paraná Pixuna, o Moa, o Juruá-mirim até o Paraná Ouro Preto onde, pelo Paraná das Minas entraram pelo Amônea, chegando ao Paraná dos Numas, perto do Paraná São João e de um furo sem nome que vai dar num lugar desconhecido". (O Amante das Amazonas)

Os aventureiros europeus, como os franceses e alemães, à época, por não se acharem os “donos” da Colônia, penetraram naquele templo de pureza mítica, conhecido como Floresta Amazônica, com a intenção evidente de apropriação do local. O fato era que os colonizadores espanhóis e/ou portugueses, cada um em seu tempo histórico, estavam mais preocupados com a costa brasileira, alvo de vários ataques de navios piratas (ingleses, holandeses, franceses), do que propriamente, por motivos óbvios, com a região amazônica da fronteira latino-americana: julgavam que terras tão inóspitas não iriam merecer a atenção dos aventureiros de outros reinos de Além-Mar. Por este aspecto, retomando as minhas inferências sobre o Manixi ficcional rogeliano, a partir do reconhecimento histórico de uma região sem igual, além de repensar a presença do personagem francês Pierre Bataillon, como chefe importante da região, medito sobre a presença missionária dos padres católicos alemães, na figura do personagem Frei Lothar, objetivando catequizar os indígenas e mestiços, mas sofrendo os males da expatriação, afundando-se no desmazelo corporal e no vício da bebida, e, conseqüentemente, na desilusão espiritual.


MACHADO, Neuza. O Fogo da Labareda da Serpente: Sobre O Amante das Amazonas de Rogel Samuel.

2010













2010


Rogel Samuel



2010 vai ser o Ano do Tigre de Aço, no calendário tibetano. Eu não sei o que isso significa, pois um tigre já é um animal forte e belo, quanto mais de aço.

Será um tanque de guerra? Um navio?

Ou será uma coisa boa, protetora?

Dificilmente acredito na mansidão de um tigre, mas sei que existe.

Quando Guru Rinpochê estava subindo para o Tibet vindo do Nepal, ele encontrou uma grande tempestade com grande nevasca e uma gruta para se abrigar. Ele sabia que aquela gruta pertencia a um tigre, era gruta de um tigre, casa dele.

Mas, mesmo assim, ficou ali, pernoitou ali.

No meio da noite apareceu o tigre.

- Desculpe-me de estar aqui, disse ele para o tigre, mas amanhã vou-me embora de sua gruta.

Porém o tigre veio muito pacífico e aninhou-se a seus pés.

No dia seguinte, o Rinpochê saiu e o tigre foi junto. Seguiu-o até um rio gelado, onde ofereceu seu dorso para que o homem montasse.

Assim, Guru Rinpochê chegou ao Tibet montado num tigre. É assim que ele aparece em algumas tankhas, ou pinturas.

Espero que 2010 seja o ano daquele tigre.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Maria Caxinauá
















Maria Caxinauá

NEUZA MACHADO




Aquele caminhar ficcional de dentro para fora, aquele percorrer pelos infernais e mortíferos caminhos fluviais do Amazonas (um Caronte pós-moderno), que custou ao escritor dez anos de pesquisas históricas e reformulações narrativas, para a elaboração de sua proposta de criação ficcional (sem nenhuma dúvida, uma diferenciada criação ficcional), favoreceu ao narrador principal, aquele que viria em seguida, a possibilidade de singular rendimento ficcional e de fixar as bases verossímeis de seu ato de narrar, para, com este favorecimento ímpar, convencer o leitor do valor de sua Verdade.


No segundo instante metafísico, suspenso entre o antes e o depois[liii], no momento de um segundo renovado impasse narrativo (o primeiro foi depois da morte dos “parentes” e o surgimento de Paxiúba, o conhecimento do arcabouço mítico silvícola e universal, de dentro para fora), surge o comando de Maria Caxinauá, enviando-o para Manaus (o retorno de fora para dentro). O Manixi ficcional já estava em ruínas, acenando para a possibilidade de um final narrativo não condizente com as propostas criativas do segundo narrador. O acionamento da figura mítica de Maria Caxinauá foi de fundamental importância, porque foi, por intermédio dela, que o narrador principal intuiu/intui a finalização de seu romance. Neste segundo e último impasse narrativo, novamente evidencia-se a extraordinária força do arcabouço mítico (repito, agora de fora para dentro). A deusa lunar Maria Caxinauá reenviou o personagem Ribamar até às citadinas dimensões interiorizadas e ensolaradas de Manaus (a guardiã das trevas do Manixi, a plenipotenciária das mortes dos algozes de seu povo, os seus próprios cruéis carcereiros, a poderosa agenciadora da destruição do Manixi - destruição da dimensão infernal da Floresta -, cuja missão mítico-ficcional foi/é representar seu povo, dominado por potências estrangeiras, e destruí-las), foi exatamente ela a induzir o personagem-narrador a buscar “o dinamismo dos corredores e dos labirintos da imaginação dinâmica”[liv] de quem narra.


Por que Maria Caxinauá incentivou Ribamar de Sousa a mudar-se para Manaus? Não há como negar o fato de que ela, a Maria Caxinauá, escolheu o seu máximo vingador. E este rigoroso vingador teria de ser um representante do povo (o primeiro narrador-personagem), o ungido, o assinalado pelo narrador principal para destronar as familiares potências capitalistas estrangeiras que sugaram as reservas produtivas do Estado do Amazonas (e, por extensão, do Brasil, e dos Países do chamado Terceiro Mundo) e, assim, por acréscimo, teria de ser ele, o Ribamar de Sousa, o representante da burguesia manauara da segunda metade do século XX, o escolhido para reerguer a moral de seus desesperançados e escravizados parentes retirantes e dos indígenas martirizados, fossem eles Caxinauás ou não. No titânico e histórico duelo entre classes sociais discordantes, o representante do povo - dos subjugados retirantes nordestinos e dos índios dizimados - haveria de sair vencedor, de acordo com as novas leis da recente pós-modernidade socialista.
O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Eu não escrevo no escuro


Eu não escrevo no escuro


Rogel Samuel


(Pintura de Jo Murphy)



Calor extremo. Mesmo com o ar condicionado, estou sentindo. Há, no ar da cidade, a paz calma do verão. O peso do verão. O céu está cheio de fuligem, para o lado do Norte. Melhora por aqui, onde moro. Tarde calma lembra "Tarde" de Bilac:

Hino á Tarde

Glória jovem do sol no berço de ouro em chamas,
Alva! natal da luz, primavera do dia,
Não te amo! nem a ti, canícula bravia,
Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!

Amo-te, hora hesitante em que se preludia
O adágio vesperal, - tumba que te recamas
De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas,
Moribunda que ris sobre a própria agonia!

Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que, entre
Os primeiros clarões das estrelas, no ventre,
Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada,

Trazes a palpitar, como um fruto do outono,
A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,
Perpetuação da vida e iniciação do nada.

Que mistérios tem essa glória do sol, esse berço de ouro em chama, que Bilac não ama.
Ele era quase um ser noturno, decadentista, hesitante na tumba do dia, no luto, no rir de sua própria agonia, com a noite em seu ventre de sombria orvalhada. Bilac queria o som das estrelas, a quase noite, a tarde triste, a volúpia dos escondidos e a iniciação do seu nada.

Bilac era o grande poeta do mistério, a voz maior das estrelas incompreensíveis.

Sem pai nem mãe


Sem pai nem mãe

NEUZA MACHADO


(Foto Xíxaro: carregador do cais do porto de Manaus)

“Sem pai nem mãe, nem parente algum de que tivesse notícia”. Em um dia qualquer do presente histórico (“como se tudo tivesse bem pensado”, muito consciente de que a grandeza imperial do Manixi “não mais existia”, consciente de que “o Palácio onde ele agora morava”, em seus sonhos de “meia-noite psíquica”, “estava em ruínas”), o neo-personagem Ribamar de Sousa se vê afastado do posto de primeiro narrador, submete-se a um segundo narrador (que contará aos leitores a sua ascensão e glória na Grande Cidade), e, atendendo a um pedido de Maria Caxinauá, resolve mudar-se para Manaus.


Neste ponto do relato, o(s) narrador(es) (s) sofre(m) o que Gaston Bachelard denomina “endosmose do devaneio e das lembranças”[lii], o que configura a necessidade de voltar(em)-se para dentro, protegido(s) por uma membrana ou placa porosa (de acordo com os ensinamentos da Física), em outras palavras, um renovado desenrolar ficcional entre duas matérias líquidas (ambas propensas à profundidade) de espessuras corpóreas diferentes.


No início do romance, o primeiro narrador Ribamar de Sousa apresentou a sua trajetória ficcional de dentro para fora (a técnica do olhar), buscando, por meio de simulacro narrativo (marca das narrativas pós-modernas), retomar a própria história de vida do segundo narrador pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração e a história sócio-mítico-substancial do Estado do Amazonas. O ato de narrar de dentro para fora, resguardado pelo aparato histórico e pelo arcabouço mítico particular e/ou universal, ao mesmo tempo em que revelava um passado de glórias (de luxo e de riquezas), provindos da extração da árvore da Seringa, desenvolveu-se muito bem camuflado, propiciando ao primeiro narrador a exterior explanação de verdades não-autorizadas pela consciência intelectualizada do segundo narrador.
O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Manaus















Manaus


NEUZA MACHADO



No capítulo DOZE: MANAUS, o segundo narrador, enquanto excepcional consciência interativa (mas, felizmente, com uma criativa consciência não-vigiada), devaneando em seu mundo profundo, conduz seu personagem pelas ruas [entranhas, labirintos] de Manaus. Por sua vez, o Ribamar, descendo as Ruas de Manaus, favorecido pelo segundo narrador, proporciona a este mesmo segundo narrador e sua “consciência não-vigiada” (apesar de sua importante e fenomenológica “consciência literária”), um interativo retorno ao seu longínquo passado. Submetido à “criatividade singular” de quem narra, e que conhece cada recanto da Cidade, o Ribamar terá de “descer” algumas das pouquíssimas ruas íngremes, sombreadas por “mangueiras colossais” (“que ali estavam desde há muitos anos”, “que davam sombra verde-claro”, mas “que foram cortadas cinqüenta anos depois”). Ele terá de descer acoplado ao segundo narrador, repito, para reconhecer o íntimo espaço onírico (o diferenciado interior da Casa Onírica) daquele que é realmente o dono do ato de narrar; terá de descer “devaneando, em um mundo de profundidade”, porque, no momento, esse mundo especial estará/está representando o seu recente invólucro de atuação ficcional (agora simplesmente como personagem).

O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

Um diamante cheio de leitores















Um diamante cheio de leitores


Rogel Samuel



O meu "Diamante azul" teve milhares de leitores no site do "ENTRE-TEXTOS" e foi uma jóia rara no meu escrever.

Talvez pelo valor imensurável da pedra (do tamanho de uma grande caixa de fósforo, talvez), talvez pela raridade da cor (o azul do mar, o diamante recolheu e concentrou toda cor do mar, deixando-o incolor), talvez pelo texto da "Caçadora de diamantes", talvez...

O certo é que os diamantes são irresistíveis tentações do olhar e do ler.

Mas acho mesmo que foi o lançamento do romance de Dílson Lages, "O morro da casa grande" que puxou meu diamante para cima.

Houve até um blog que colocou minha pedrinha em destaque (http://luizfilhodeoliveira.blogspot.com/), e publicou um belo poema em resposta.

Como eu gostaria que esse diamante azul fosse eternamente lembrado!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A mala de madeira


A mala de madeira


NEUZA MACHADO

(Obra: Klee)

Ribamar “tirara o chapéu para falar com ela”. Este diálogo entre Ribamar (d’Aguirre) de Sousa e D. Maria de Abreu finaliza o capítulo ONZE: RIBAMAR, distinguido como homenagem à casa primordial e à sua relembrada proprietária. Contudo, significa, também, a apresentação do novo personagem Ribamar de Sousa, agora ostentando um original apelido (sobrenome) socialmente mais condecorado, um diferenciado “d’Aguirre”, onomatopaicamente representativo de um “ânimo belicoso”, propenso a lutas titânicas ao longo do caminho da independência financeira. A “mala de madeira enrolada na mão” de Ribamar de Sousa ainda levaria/levará algum tempo para transformar-se em arca de tesouro. Ribamar teria/terá ainda de trabalhar bastante, tornar-se sócio de Juca das Neves, tornar-se um representante da burguesia manauara, casar-se com a rica Diana d’Artigues, tornar-se político influente, para, a partir de todas essas mudanças de vida, alcançar, nos capítulos finais, a novidade da riqueza.


No capítulo seguinte DOZE: MANAUS, o Ribamar foi ao encontro de seu grandioso futuro destino, mas o “Juca das Neves não estava” em casa, naquele momento, estava no “Armazém das Novidades”, espaço ainda desconhecido ao novo personagem itinerante.


“Ribamar desceu a Rua Barroso”, “desceu a rua 24 de Maio”, mas, “em vez de se sentir só, estava leve e aberto às múltiplas possibilidades daquela cidade. Tudo dentro dele dizia que ele pisava aquele solo para vencer”. Oh, ruturas! Quantas e inúmeras vezes, depois de cansativas subidas íngremes, o narrador viu-se descendo algumas ladeiras do Mundo, em direção ao Centro de si mesmo, “leve e aberto às suas múltiplas possibilidades” e consciente, apesar dos inúmeros obstáculos, de que estava pisando vitoriosamente o solo universal.
O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O diamante azul




















O diamante azul


Rogel Samuel

"O que é puro não contém outros elementos além dele próprio.
Assim o diamante, que é carbono puro."

Assim diz o FRAGMENTO 24 da "Cultivadora de Diamantes", ela própria um diamante puro.


http://cartasdodeserto.blogspot.com/



Como os diamantes são eternos, vêm de uma eternidade, e para uma eternidade se destinam. O diamante, seu destino é o Eterno, o Universo.


O diamante é puro porque não se mistura a outros elemente, ele é puro em si mesmo, nada além de si próprio contém. Está contido em si, e para si e por si mesmo vive.


Carbono puro, o diamante é feito de matéria morta, por isso não morrerá nunca, pois já está morto, já é um morto, já é a própria morte que reaparece viva.

Como carbono o diamante é carvão feito, é "o pilar básico da química orgânica".

Pois "se conhecem cerca de 10 milhões de compostos de carbono" e ele forma parte de todos os seres vivos.

O diamante contém matéria viva, corpos vivos.


Receba um diamante de presente de Natal.

O Cosmorama


O Cosmorama

(Obra de Jean Dubuffet)

NEUZA MACHADO

Inicialmente e rapidamente a terra do Estado de Pernambuco se fez presente no romance O Amante das Amazonas: Ribamar saíra da povoação de Patos, Pernambuco, “na madrugada do Natal de 1897”, levando na “mala de amarrado” apenas duas mudas de roupa, “com um Cosmorama onde se avistavam as paisagens de Manaus, Belém, Paris, Londres, Viena e São Petersburgo”[li]. A palavra “madrugada”, no princípio da narrativa, assinala uma futura vida de realizações e glórias; o “Cosmorama”, representativo de uma Saga do Universo determinou o desejo de dilatação ficcional universal. Mas, houve a necessidade de se escalar a Serra da Borborema (ainda o elemento terra obstaculizante) para atingir a finalidade do relato, ou seja, para futuramente interagir com a profunda materialidade aquática da terra revigorada e elevá-la ao panteón literário. Até chegar a uma experiência ficcional positiva com a matéria eleita, tão “inconsistente e móvel”, muitos foram os obstáculos. Para que, ao final do relato, pudesse apresentar aos leitores as inconformadas decadências histórico-sociais da extração da árvore da borracha e da Cidade assinalada, o narrador obrigou-se a uma interação profunda com as matérias compostas de sua primitiva realidade. Todas “reclamavam ser imaginadas em profundidade”, mas a matéria água exigiu um esforço maior. A “mala de amarrado” do primeiro Ribamar, encharcada de água de chuva e de lágrimas do narrador, transformou-se gradativamente em “mala de madeira”. Ao chegar em Manaus, o Ribamar de Sousa já trazia uma “mala de madeira enrolada na mão”, porque já não era um simples retirante, mas um Brabo Homem/(Personagem) da Floresta em busca de colocação na Cidade de Manaus (o representante ficcional daquele que saiu da Floresta para buscar colocação na Cidade Grande, no Mundo).


A partir dali, o Ribamar teria/terá de desenrolar a sua “mala de madeira” e transformá-la em arca de tesouro. Para esta repentina transformação, para esta diferenciada incursão ficcional nas defesas da Cidade, para a elevação social do personagem coadjuvante, o segundo narrador levou os passos de sua criatura ficcional até à soleira da porta de D. Mariazinha, a única que poderia permitir-lhe a entrada triunfal no reduto do passado.

O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

domingo, 20 de dezembro de 2009

Alceu











Alceu

ROGEL SAMUEL

Alceu Amoroso Lima tinha 68 anos quando o conheci. Ainda era um homem forte. Foi meu professor de "Cultura Brasileira", na FNFi, ou Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil. Era 1961. Nasceu no Rio, dia 11 de dezembro de 1893; e faleceu em Petrópolis, em 14 de agosto de 1983. Quando jovem, nadava do Flamengo à Urca. Forte, alto, sólido. Como sua cultura. Na audiência, onde ele proferia a aula, que sempre parecia "magna", se reuniam alunos, professores, intelectuais. Lembro-me de Clementino Fraga e Walmir Ayala, assistindo. A esquerda, não. Na época desprezava Alceu. Classificava-o de "pensador católico". Ayala vinha sempre, creio que fez o curso todo, tomava notas, gordinho.

Alceu falava andando, de um lado para outro, no tablado. Ameaçava cair, porque ia de cabeça erguida até o limite. Sempre foi. Certa vez tropeçou em sua própria pasta, que deixava no chão, de couro marron, grande e pesada. "Desculpe", pediu. Trazia muitos livros, para citação e leitura. Eu conhecia aquela pasta porque depois da aula (a que eu assistia na primeira fila) eu colava no Mestre, e oferecia-me para carregar aquela pasta, o que ele gostava muito, e ia com ele para a administração da Faculdade, que ficava na Rua 1o de Março, onde ele tinha de assinar o ponto, entregar a lista de chamada (que nunca fez). Ele odiava aquilo, fazia-o perder tempo, e era até mesmo perigoso, pois tinha de atravessar pistas de alta velocidade. Outras vezes, eu o acompanhava até a porta do edifício onde funcionava o "Centro Dom Vital", de que era presidente. Foi seu fundador, e do "Instituto Católico de Estudos Superiores", em 1932, que foi o germe de fundação da Pontifícia Universidade Católica.

Ele gostava muito de mim, digo isso com orgulho, conversávamos bastante durante o trajeto.

Depois que foi meu professor, só o vi uma vez. Arrependo-me de não o ter procurado, por timidez manter-me afastado.

A última vez que o vi foi em 1982 ou 83, na porta da Academia. Ele ia saindo do carro. Estava pesado, velho. Eu parei para vê-lo, ele me cumprimentou com a cabeça. Não sei se me reconheceu.

A importância de Alceu na cultura brasileira é muito grande.

Naquela época, nós tínhamos uma colega de Faculdade, negra, que, para ingressar em Universidade Soviética, precisava de carta de apresentação. Aquela Universidade, em pleno regime comunista soviético, indicou um de três nomes considerados mais respeitáveis para assinar a apresentação: Caio Prado Jr., Celso Furtado e Alceu. Nossa amiga era aluna dele. Foi. Nunca mais voltou. Mas Alceu, no Brasil, era "apenas" católico.

Dizem que ele assistia às missas todos os dias. Que fez voto de castidade. Dizem que acordava muito cedo para ler Croce, depois ia tomar café nas ruas, nas padarias. Era o de que ele gostava: Em Petrópolis todos os dias almoçava fora, e dirigia seu próprio automóvel, até o acidente que provocou.

Eu estive em seu apartamento, no Flamengo, muito rapidamente.

Alceu escrevia artigos a mão. Letra quase ilegível. Ortografia ainda antiga. Sem muita preocupação com a gramática. Os manuscritos eram mandados para São Paulo, onde sua filha, freira, "traduzia", corrigia, datilografava, devolvendo-os a ele. Ele então fazia modificações, e o funcionário do JB vinha buscá-lo em sua casa. Por isso, quando publicado, o assunto já era velho. E ele sempre escrevia sobre os acontecimentos.

Parece que só escreveu um livro ("Afonso Arinos, 1922). Os demais foram constituídos de artigos de jornais, reunidos por temas: "Estudos", "O espírito e o mundo", "Meditações sobre o mundo interior", "Política", "Revolução, reação ou reforma" etc.

Quando publiquei "Crítica da escrita", ele me mandou a seguinte carta:


"Petrópolis, 1-4-81
Meu caro colega Rogel
Muito obrigado pelo livro em caminho. Já o folheei. Comecei pelo fim como recomendou. Como você começou na nossa velha Faculdade, hoje é o velho professor que está no fim orgulhoso do antigo aluno e não arrependido do que lhe tenha dado. Hoje trocamos de lugar, você na cátedra, eu na assistência.
Do velho
Alceu"


A "tradução" da letra foi feita por Antonio Carlos Villaça.

Na época da ditadura militar Alceu foi o implacável, crítico, única voz da oposição (talvez porque as outras estavam mortas, ou presas). Ele enfrentou os militares e, muito antes da teologia da libertação, foi o primeiro a despertar a idéia de que o cristianismo é a religião dos excluídos, dos mendigos, dos banidos, dos pobres, dos marginalizados pelas engrenagens de poder do capitalismo. Seu pensamento estava além de seu tempo.

A porta da cidade












Na foto: Talvez a tia de Albert Samuel, que o criou até a adolescência, em Strasburg. Foto da época da borracha em sua segunda fase.


A porta da cidade

NEUZA MACHADO



Neste terceiro momento do romance O Amante das Amazonas - narrativa pós-moderna/pós-modernista de Segunda Geração -, a casa onírica necessitou do elemento terra acasalado à água e dos devaneios do repouso aliados aos devaneios da vontade (ação) para se manifestar e apresentar aos leitores todos os seus recantos até então insondáveis. Quem seria melhor do que D. Mariazinha de Abreu para permitir a abertura da porta da Cidade ao ex-retirante nordestino Ribamar de Sousa (ao primeiro narrador telúrico), oferecendo-lhe a possibilidade de galgar futuramente os degraus da consideração social (universal)? A porta principal da Cidade estava ali, bem pertinho, “ao lado”. A casa dela, além de ficar situada na Rua Barroso, certamente um endereço importante, “os fundos davam para o Igarapé do Aterro”, um sinal de que, por enquanto, o elemento que irá comandar o relato é a terra (por intermédio do Igarapé do Aterro), mas não uma terra firme, sólida, inquebrantável, mas sim uma terra (elemento firme) acasalada à água (elemento fluido, desordenado, entrópico, pós-moderno). A terra, como produtora de devaneios sócio-políticos, certamente unida à água (matéria eleita), direcionará, futuramente, a visão interativa do criativo sonhador mítico-ficcional das águas amazonenses. Ao longo de sua ficção, ele necessitou de outros elementos além da terra e da água, tais como o fogo e o ar, para demonstrar, a partir das questões propostas e/ou intuídas, a sua incomum apreciação pelo elemento aquático. Naturalmente, ainda verei, em seus dinâmicos aspectos interativos, profundos, fundamentais, as intromissões desses dois elementos alternadores - o fogo e o ar - até ao final do relato.
O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

sábado, 19 de dezembro de 2009

A floresta insondável















A floresta insondável

NEUZA MACHADO




É a Cidade/Floresta insondável, no sentido abrangente, a verdadeira “habitação onírica” do segundo narrador, “a casa de intimidade absoluta, a casa onde [ele] adquiriu o sentido da intimidade”. Por isto, todos os personagens do lugar têm algo a narrar: a bibliotecária Estela de Sousa, a manicure Sabá Vintém (representante de todas as manicures do mundo, aquelas que sabiamente sabem conviver com suas poderosas e luxuosas clientes), o homossexual Fernandinho de Bará (o conhecedor dos pecadilhos sexuais dos “burgueses cheios de culpa que [o] freqüentaram”[l]), e Benito Botelho, “o maior intelectual de Manaus”, o filho da cozinheira Isaura, aquele que, algures, estará, à moda de detetive de novela policial, às voltas com o sumiço de Zequinha Bataillon -, ansioso por descobrir o mistério de seu desaparecimento. Todavia, se houve cooperadores importantes para o desenvolvimento criativo do relato ficcional, certamente, nesta terceira parte do romance, a colaboração da manicure negra Sebastiana Vintém propaga-se como uma das mais relevantes.


Os segredos foram revelados ao segundo narrador, com certeza, por intermédio da poderosa Sabá Vintém, “o porta-voz municipal”. No entanto, em todas as Urbes do Orbe, há muitos influentes porta-vozes municipais. Quem seria então a poderosa Sebastiana Vintém, esta passageira habitante da casa onírica do narrador da pós-modernidade? Generalizando, não seria ela o somatório de todas as mexeriqueiras de qualquer parte do mundo dito social (portanto, uma personagem universal)? Por qualquer motivo, só do conhecimento de quem narra, a manicure tem a sua importância no desenrolar narrativo, pois, além de demonstrar, por contraste, a elevada posição social de D. Mariazinha, a sua presença ficcional permitiu a exteriorização de dois essenciais ambientes da “casa imaginária”: o interior (a principal casa do pretérito) e o exterior (a cidade de Manaus).
O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Schiller: Ode à alegria


















Trad. de Mário Vieira de Carvalho


Alegria! Alegria!
Alegria, bela centelha dos deuses,
filha do Eliseu,
ardentes de ebriedade penetramos
no teu santuário, Ó celestial!
Os teus encantos voltam a unir
o que o rigor da moda desuniu;
todos os homens ficam irmãos,
lá onde a tua doce asa plana.

Quem teve a fortuna de encontrar
num amigo um amigo,
quem conquistou uma nobre esposa,
venha juntar o seu contentamento ao nosso!
Sim!, quem pode chamar sua
a uma alma sobre a Terral
Mas a quem nunca isso foi dado,
que se afaste, chorando, do nosso grupo!

Todos os seres bebem a alegria
dos peitos da Natureza,
bons e maus,
seguem todos o seu rasto de rosas.
Deu-nos ela os beijos e a vinha,
um amigo fiel até morte;
ao verme foi dada a volúpia,
e o Querubim está plantado diante de Deus.

Alegres! Alegres!

Alegres, como os sóis que voam
pela planície esplêndida do céu,
fazei, irmãos, a vossa caminhada,
jubilosos como um herói que corre para a vitória!

Abraçai-vos, milhões de seres!
Este beijo ao mundo inteiro!
acima da abóbada estrelada
necessário é que habite um bom pai.

Prosternai-vos, milhões de seres?
Mundo, pressentes tu o Criador?
Busca para lá da abóbada estrelada
Para além das estrelas deve ele morar.

trad. de Mário Vieira de Carvalho

Enviado por Amelia Pais


os olhos de luar de Maria




Bilac faz do Natal alegria: Mas faz também a opção pelos pobres: Os pobres de Bilac são generosos: E logo temos uma imagem Zen, dos olhos de Maria: Nasceu Jesus não entre os homens, mas entre os animais da estrebaria: E faz logo a opção pelos pobres. Mas os poderosos...

O leitor vê o presépio pelos olhos de luar de Maria, alegria de nascer, a visão dos humildes, a beleza da generosidade, os animais e os homens, o oportunismo dos ricos, o que Bilac nos dá é um poema infantil, simples e puro.






"Jesus nasceu ! Na abóbada infinita
Soam cânticos vivos de alegria;
E toda a vida universal palpita"

"Dentro daquela pobre estrebaria ...
Não houve sedas, nem cetins, nem rendas
No berço humilde em que nasceu Jesus ..."

"Mas os pobres trouxeram oferendas
Para quem tinha de morrer na Cruz."

"Sobre a palha, risonho, e iluminado
Pelo luar dos olhos de Maria,
Vede o Menino-Deus, que está cercado
Dos animais da pobre estrebaria."

"Não nasceu entre pompas reluzentes;
Na humildade e na paz deste lugar,
Assim que abriu os olhos inocentes,
Foi para os pobres seu primeiros olhar."

"No entanto, os reis da terra, pecadores,
Seguindo a estrela que ao presépio os guia.
Vêem cobrir de perfumes e de flores
O chão daquela pobre estrebaria.
Sobrem hinos de amor ao céu profundo;"



Homens, Jesus nasceu ! Natal ! Natal !
Sobre esta palha está quem salva o mundo,
Quem ama os fracos, quem perdoa o Mal !
Natal ! Natal ! Em toda Natureza
Há sorrisos e cantos, neste dia ...
Salve, Deus da Humildade e da Pobreza,
Nascido numa pobre estrebaria !"


A casa do passado











A casa do passado

NEUZA MACHADO



Para mostrar a decadência da Cidade e provar que os “ratos” do capitalismo selvagem a invadiram, a corroeram, levando-a ao isolamento, à falência, tornou-se necessário, ao segundo narrador, apresentar, aos leitores, primeiramente, a sua indiscutível formosura. Não havia/há limites geográficos para a situação desta casa (“morava na Rua Barroso, numa casa cujos fundos davam para o Igarapé do Aterro”), porque a casa, da Rua Barroso, era ampla e bem arrumada (para conservá-la, sua proprietária contava com “uma legião de empregadas”), portanto, é representativa do local da casa primordial e de todas as ruas da cidade ficcional. Os fundos da casa “dava para o Igarapé do Aterro”, um símbolo de projeção social, já que foi nomeado. Certamente, o local do Igarapé do Aterro, à época, não era simplesmente um lugar comum. “Para os valores inconscientes em imagens da volta à terra natal”, no mencionado Igarapé se concentram todos os outros que se entrelaçam pela cidade de Manaus.


A prosa ficcional, repleta de matéria lírica (atenção: “matéria” lírica, não pertence ao Gênero Lírico), reanimou intimidades e recobrou a grande segurança da continuidade narrativa. Desse modo, pelo meu ponto de vista, acrescido das informações filosóficas bachelardianas, a partir da casa da Rua Barroso se dilatou/se dilata todo o sentimento do narrador do século XX por sua cidade imaginária. Para recuperar ficcionalmente a chave e penetrar no recinto sagrado da Cidade original (infelizmente, já em decadência), o ficcionista obrigou-se a pedir licença ao arquétipo maior do lugar, a Grande Mãe. Pois a Mãe, em sentido mítico, reinava na mítico-ficcional Cidade. (“Era a senhora mais fina, mais elegante e mais bonita da época, sim, que é assim mesmo, conforme o digo, este narrador”). Para falar ficcionalmente com o ícone cultuado, o Ribamar de Sousa, tirou o chapéu, em sinal de respeito ao símbolo maior da anterior duração. Para retornar à “casa” do passado, a Cidade/Floresta (a Casa/Cidade estava fechada), o narrador pós-moderno primeiramente buscou a vital proteção de uma imagem maternal. Por um momento, a belíssima aparição do universal arquétipo maior quase apagou a vida dos outros personagens. Foi por um triz.

O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

As vozes narrativas
















As vozes narrativas

NEUZA MACHADO




Oh, ruturas! Dona Mariazinha de Abreu e Souza (a dona da casa ficcional), certamente, é proprietária também de uma casa jamais olvidada nas lembranças e recordações de quem narra (“tinha sempre muito que fazer naquela casa”). D. Mariazinha de Abreu é uma das inúmeras vozes narrativas que, nesta terceira fase do romance, colaboraram com o narrador principal, incluindo evidentemente a já assinalada Sabá Vintém, a manicure, aquela que “sabia de todos os escândalos da cidade, da vida íntima de todas as famílias” do lugar. Na casa digna de ser lembrada, com seus personagens e recantos secretos, como diria Gaston Bachelard, D. Mariazinha ocupava lugar de destaque.


Bachelard sonhou, em Paris, com uma casa da região vinícola de Champagne, sua indelével terra natal. O escritor João Guimarães Rosa, nascido em Cordisburgo e cidadão do mundo, sonhou com o Sertão de Minas Gerais, sua incomum casa onírica. Juan Carlos Onetti criou uma entrópica cidade, Santa Maria, para representar os problemas citadinos de seu país, o Uruguai. O segundo narrador rogeliano sonhou e sonha no Brasil e em suas viagens pelo mundo com os monumentais Palácios da Era da Borracha (recriou-os ficcionalmente por intermédio do Palácio Manixi), onde se condensaram/condensam os mistérios de uma antiga felicidade”. A casa ficcional de D. Mariazinha de Abreu é mais do que a casa primitiva, é representante da Cidade íntima, a casa onírica, a casa dos sonhos (felizes e/ou infelizes), “onde se condensam os mistérios da felicidade” (ou os mistérios dos momentos infaustos). Esta “casa” se revela por intermédio de “inspirações inconscientes profundas”, originárias de antigas vivências ou de externa realidade angustiante, ainda presentes no século XX. “O onirismo arraigado assim localiza de algum modo o sonhador”, e este sonhador não poderá se revelar apenas como um narrador, que, ao longo da narrativa, se posiciona simplesmente como um personagem como outro qualquer (Roland Barthes). Este segundo narrador não será jamais um personagem qualquer. Ele é o porta-voz de uma consciência interativa. No capítulo ONZE: RIBAMAR, o mundo sócio-substancial e o mundo mítico-substancial se desvanecem para cederem o lugar à referida casa onírica do narrador aqui reverenciado. Esta casa diferenciada, edificada nos domínios de um singular imaginário-em-aberto, foi um poderoso alicerce para a posterior realidade ficcional, entrópica, da ficção pós-modernista de Segunda Geração.

O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Cleonice Berardinelli na ABL








Cleonice Berardinelli na ABL


Rogel Samuel




Minha ex-professora Cleonice Berardinelli, de 93 anos, foi eleita nesta quarta-feira para a Academia Brasileira de Letras (ABL), e vai ocupar a cadeira número 8, em substituição ao escritor Antonio Olinto, morto em setembro.

Formada em Letras Neolatinas pela USP, em 1938, e livre docente pela UFRJ, em 1959, Dona Cleonice é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e acadêmica correspondente brasileira da Academia das Ciências de Lisboa.

Quando a revista dO GLOBO perguntou a Cleonice por que ela continua a dar aula, aos 93 anos, ela respondeu:

- Adoro minha profissão. Dou aula porque quero e porque me recebem de braços abertos. Nunca tirei férias, licença-prêmio, licença especial. Ao me aposentar, achei que ia ficar mais folgada, voltar a estudar piano. Mas a faculdade me puxou de volta.

A casa onírica








Foto de Ljalja Kuznetsova




A casa onírica

NEUZA MACHADO


Entretanto, antes de minha reflexiva incursão nos bastidores sócio-políticos da Cidade envolvendo-me, por meio do relato pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração, com a já aproximada - e instigante - elevação sócio-política do neo-Ribamar de Sousa, necessito reconhecer esta efetiva voz narrativa que se apresenta. Quem é “este” novo narrador? Quem é “este” narrador diferenciado (que seria um personagem como outro qualquer, como diria Roland Barthes, se eu não pensasse o contrário), o qual, ao falar de D. Maria de Abreu e Souza, a personagem feminina que, no momento, centraliza o capítulo, o faz com elevada reverência?

“Quando se sonha com a casa natal”, “participa-se desse calor inicial, dessa matéria bem temperada do paraíso material”. O início do capítulo é, com certeza, um testemunho respeitoso às regras pretéritas, e é também um retorno à casa primordial e à casa onírica. O segundo narrador, neste renovado interregno, antes de reencontrar a “casa onírica”, sai em busca da “casa primordial” (“sai em busca do tempo perdido”) e, por um momento, vai ao encontro da casa da infância e adolescência. O narrador deseja “suspender o vôo do tempo”, reencontrar a “personagem” sublimada, “dominante”, mas não poderá ser recebido como a um filho pródigo, simplesmente porque sua face ficcional se disfarça com a aparência subserviente de seu duplo. A representante da figura matriarcal não o reconheceu. (“Quando D. Maria viu aquilo empertigou-se, mas fez-se muito cortês ao responder, pois era assim que tratava aos que lhe ficavam abaixo de sua condição social”). Dona Maria foi muito cortês, e ofereceu-lhe o direcionamento pedido (- “ao lado”), mas não o convidou a reentrar na casa primordial, porque, verdadeiramente, o narrador Ribamar de Sousa foi designado pelo segundo narrador para substitui-lo na recuperação de sua outra casa apreciável, onírica, a Cidade (segunda etapa da narrativa) que, no momento, já sofria os estragos da decadência pós-borracha. Por tal motivo, o personagem Ribamar fez/fará a aproximação do segundo narrador, primeiramente com a Grande Mãe (destaque da “Casa Primordial”) e, posteriormente, com a Casa do Pretérito (a Cidade), a “Casa Onírica”, permitindo-lhe a necessária retomada, para que, página adiante, pudesse interagir com o meio sócio-político do lugar.

O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

O diamante azul


WASHINGTON, 15 dez 2009 - Um raro diamante azul, de 31,06 quilates, chamado de Wittelsbach-Graff, será exposto no museu de história natural de Washington, pela primeira vez em 50 anos, informou a própria instituição.


Wittelsbach-Graff será exposto em museu de Washington pela primeira vez em 50 anos

"O diamante Wittelsbach-Graff é um objeto intrigante e lendário, e, certamente, uma das mais maravilhosas pedras preciosas do mundo", disse Jeffrey Post, curador da coleção de gemas do museu.

"Estamos encantados de exibir este ícone da história (...) ao público pela primeira vez desde a exposição universal de Bruxelas, em 1958", assinalou Post.

A história conhecida do Wittelsbach-Graff remonta a 1664, quando o diamante foi presenteado pelo Rei Felipe IV da Espanha a sua filha, a infanta Margarida Teresa, pouco antes de seu casamento com o imperador Leopoldo I, da Áustria. A pedra ficará exposta de 28 de janeiro a 1º de agosto de 2010.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O segundo narrador

















O segundo narrador

NEUZA MACHADO

Nas últimas linhas do capítulo ONZE: RIBAMAR, quem se apresenta é o segundo narrador (aquele que somente agora se manifesta, para falar sobre o primeiro). Este segundo narrador é o verdadeiro narrador do chamado romance pós-moderno, ou seja, aquele que ficou incógnito nos movimentados bastidores ficcionais de O Amante das Amazonas enquanto o primeiro personagem-narrador Ribamar de Sousa, representante dos oprimidos retirantes, fugitivos da seca nordestina e escravizados por classes sociais e políticas poderosas, contava a sua própria história: da saída de Patos, Estado de Pernambuco, ao emprego no Palácio Manixi, em um Seringal perdido do Amazonas, como secretário particular de D. Ifigênia Vellarde.


O primeiro personagem-narrador, o Ribamar, por enquanto, não poderá seguir como o condutor do relato, pela simples razão de que agora ele se postará como o personagem principal, submetido ao olhar perscrutante do segundo e genuíno narrador pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração.


O que ocorreu nesta terceira fase do romance foi simples e criativo: o Narrador principal precisou de uma nova chave para penetrar às fortificações da Cidade e, logo a seguir, percorrê-la. Ora, este novo invólucro ficcional já não era um espaço autenticamente mítico, portanto, as anteriores chaves já não se encontravam disponíveis. Os “parentes” de Ribamar já estavam mortos e o lendário bugre Paxiúba ficara temporariamente para trás. A diretriz ficcional pós-moderna/pós-modernista de Segunda Geração determinou um segundo narrador (aquele que buscou/buscará esta necessária chave, para finalizar o relato), narrador “este” que esteve sublinearmente influente desde o início do romance. A assertiva rogeliana “conforme o digo, este Narrador” não deixa dúvida quanto à renovada determinação de transformação narrativa. Para o correto entendimento do que desejo a partir daqui refletir, busco outras palavras explicativas, ou seja, para que o Ribamar de Sousa, submetido a uma diferenciada fase de transição, pudesse continuar atuando, agora como personagem-representante da burguesia manauara pós-borracha, outro narrador (“este narrador”) teria de falar por ele, mesmo que aparentemente duplicado nas linhas finais, com a impressão ficcional de junção de ambos, como se fossem apenas um único narrador, propiciando a despedida do primeiro.

O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Os Aruaques










Os Aruaques


NEUZA MACHADO

Os Aruaques, historicamente, foram os primeiros silvícolas que tiveram contato com o branco europeu. Eram índios pacíficos e, ao longo da história da colonização européia, das três Américas, desde a incursão de Colombo, em terras americanas do norte, e da colonização dos espanhóis e portugueses, em terras americanas do Sul e América Central, foram transformados em cativos e muitos foram exterminados, por vias de genocídios e doenças do homem branco invasor. Entretanto, por meio de diáspora gentílica, tornaram-se lendários ao longo do segundo milênio. Assim reflito o personagem Arimoque, “cujas estórias fantásticas ainda circulam até hoje pela região”: por intermédio de corruptela lingüística, os variados nomes indígenas Aruaque, Aryauak, Arimaque poderiam significar também o Arimoque rogeliano, ou seja, o apelido fixado no romance, e, interativamente, se associarem ao patronímico aqui realçado. Eis uma nomeação ficcional de capital importância. Por intermédio dela, busquei o reconhecimento de um dos maiores ramais indígenas do Brasil e adjacências.

O fogo da labareda da serpente

Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel



Noite






Foto: Catedral de Chartres





Noite


Rogel Samuel


Noite, chuva, calor. Muito inquieto. Gostaria de ir para Poços de Caldas, como antes. Poços de clima ameno, jardins. Era uma cidade calma, não é mais. Agora muita gente, tem até assalto. Um horror. O ventilador me deixa resfriado. Mas sem ele tudo fica insuportável.

Imagino os campos floridos dos arredores de Poços.

Sonhei com uma casa que nunca frequentei, mas conheci por fora. Casarão, quase mansão. No sonho pertencia a um parente, já morto. Eu não era convidado para aquela casa. Havia um jantar, ou almoço, e lá me ofereciam um quarto no primeiro andar. Mas eu não aceitava.

Que significa este sonho-conto nesta noite quente?

domingo, 13 de dezembro de 2009

O índio Arimoque















O índio Arimoque


Neuza Machado



O índio Arimoque - possivelmente, um passageiro personagem ficcional - é citado apenas uma vez na extensão geográfico-narrativa do Seringal Manixi, mas sua presença lendária realça-se imensuravelmente, alcançando o plano ilimitado das palavras não-ditas. A sua rápida aparição põe-se em evidência justamente porque, assim como um meteoro brilhantíssimo passando pela terra, a lembrança de seu halo monumental continua a iluminar o espaço narrado. Por que um índio lendário, poderoso, se tornou “prisioneiro” dos fúnebres limites do Seringal? Seria ele também um representante da tribo dos Caxinauás pacificados? Se existiu realmente, sua fama ficou reservada por via oral apenas para privilegiados amazonenses. Nas lendas indígenas, conhecidas textualmente, não há o nome deste índio, assinalado rapidamente no romance O Amante das Amazonas.


O índio Arimoque só aparece neste parágrafo. No entanto, posso afiançar que sua rápida menção possui importância capital no desenrolar narrativo. Diz o narrador: “Suas histórias fantásticas circulam até hoje pela região”. Com a permissão do relato, vou buscá-las por meio de uma aproximação histórica intuitiva, não autorizada cientificamente.


Examinando informações generalizadas sobre os diversos nomes de tribos da região amazônica mencionadas nesta obra ficcional do final do século XX - principalmente das que se assemelhassem à possibilidade de o nome do índio Arimoque ser um patronímico, denunciando assim a sua origem genética - e procurando semelhanças fonéticas entre as grafias encontradas, avistei alhures uma referência aos índios Aruaques (comedores de farinha), também conhecidos por Kali’na ou Caraíbas. Esses Aruaques (ou Aruakes ou Arahuaco em espanhol), mesmo fazendo parte dos grupos indígenas do Brasil, são oriundos de outras localidades tais como Flórida (atualmente, região comandada pelos Estados Unidos da América do Norte), Porto Rico, Cuba, Antilhas, Bahamas, na cadeia secundária da Cordilheira dos Andes, e outros tantos e inúmeros locais da América do Sul. Os Aruaques são lendários, por isto obriguei-me a sinalizar uma aproximação genética deles com o índio Arimoque, da narrativa ficcional aqui assinalada. Possivelmente, o narrador optou por espécie de corruptela semântica para nomeá-lo rapidamente, em um criativo simulacro lingüístico. Não é a ficção pós-modernista a arte de imaginar o real? E, por ventura, a crítica literária não deveria se posicionar de acordo com o objeto estudado?


O fogo da labareda da serpente - Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

O Conto




Imagem: Rivera.










O Conto

Rogel Samuel

Começou a escrever às oito da noite.
Era o prometido.
O primeiro, da seção de contos, do hipertexto de literatura.
Uma fina dor atravessa as têmporas, era como uma lâmina, uma linha, refletia na nuca.
Estava escrevendo nervosamente.
Dedilhava, no escuro do ciberespaço.
As idéias não nítidas.
Há muitas Eras ele tinha aquela estória pronta. Tolice esconder aquilo.
Sentado, o computador na espera, perdia-se no tempo, não se concentrava no fato, escolhia palavras.
Talvez não devesse contar. Mas, na necessidade de atender ao Browser, resolveu arriscar.
Às oito e meia, seus dedos magros tentaram mover o último parafuso da gaveta do armário, fechada.
Ele vinha fazendo aquilo, no espelho do monitor.
Pressionava a unha ferida na fenda, para afrouxar.
Lá dentro estava o Texto, muito antigo, o manuscrito, ele podia começar a reescrever.
O parafuso resistia.
Ele quebrou pequena lasca da unha. Dali se desprendeu, de seu dedo, por debaixo da unha, um líquido, gomoso e grosso. Uma grossa gota daquilo caiu no teclado. Ele limpou o dedo com a boca, passando a língua, ou o que fosse aquela parte do corpo.
Inteiramente só, via-se no reflexo do monitor.
Pelo Racionamento, o edifício da Companhia estava com todas as lâmpadas apagadas.
O pessoal da limpeza já tinha saído.
Um vento negro agitava as vidraças, vindo do fundo escuro do centro morto da cidade deserta.
Ele parou às oito e quarenta da noite, e agora dormia, desmaiado, na cadeira, sem alento.
Quando acordou, a madrugada já tinha avançado.
O saco daquilo de sua refeição estava caído no chão, e aberto, perto de onde corriam duas baratas.
Tinha passado a noite ali, à espera daquilo.
Quando acendeu o monitor, seu conto estava escrito, mas naquela linguagem arcaica, estranha.
O corpo pesado, inerte, era um cadáver.
Seus braços desapareciam na escuridão da mesa.
Desejava um café, poderia fazer um café, deveria haver um café ali, na cafeteira.
Ele, entretanto, mergulhava naquela apatia, a indiferença, o estado de esquecimento, tédio.
De repente a luz do monitor apagou e ele já não se viu refletido ali.
Sua face desapareceu no escuro, sua imagem não era mais visível no vídeo, como uma sombra.
Sacudiu o mouse com a mão.
Foi em "editar", selecionou tudo, e deu um "delete".

No dia seguinte foi encontrado morto. Havia um saco de batatas fritas no chão.

sábado, 12 de dezembro de 2009

O maior intelectual de sua época


O maior intelectual de sua época

NEUZA MACHADO



De Maria Caxinauá, assim como de Paxiúba, há muito para refletir. Entretanto, lembro-me, neste instante dinamizado (à moda bachelardiana) de que há outros personagens importantes, sitiados naquele “limite do fim do mundo”. Dali, todos escaparam para a “ilimitação” da esfera universal, um deles foi o Benito Botelho, filho de Isaura, a cozinheira do Palácio. Pelo altíssimo valor ficcional de Benito, busco a importância da cozinheira Isaura, no entrelaçar narrativo.
Eis a grande importância da cozinheira Isaura: ser a mãe do maior intelectual de Manaus, a Isaura cozinheira, aquela que também residiu nas delimitações do Igarapé do Inferno. Benito nasceu ali, dentro dos limites do Seringal Manixi, enquanto lugar infernal. Mas, no preciso momento narrativo, o Benito, aquele que “foi o maior intelectual amazonense”, estava a residir em Manaus, longe das terras de Pierre Bataillon e de seu Igarapé do Inferno. Mas, quem é o Benito Botelho? Como Pierre Bataillon pode permitir a saída do filho de sua escrava-cozinheira dos limites de suas terras e, com isto, propenso a se tornar “o maior intelectual de Manaus”? Comentarei a sua importante atuação posteriormente. Por ora, outro habitante ficcional do Manixi e seu Igarapé infernal exige a minha atenção. Necessito conhecer um outro digno morador da prisão-reserva de Pierre Bataillon: o índio Arimoque.
(O fogo da labareda da serpente - Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Com fúria e fulgor










Com fúria e fulgor



NEUZA MACHADO

O instante narrativo do narrador pós-moderno, por ora, exige o aparato do brilho mítico. A maacu Ivete, a copeira da bandeja de prata incandescente, como deusa propensa a reinar em todos os elementos, recebeu uma alegre “auréola” temporária, e uma ígnea matéria (temporariamente apaziguada, não letal), para iluminar um trecho de uma narrativa repleta de sofrimentos históricos. Ela irrompeu “com fúria e fulgor”, exigindo para si um contraponto, apenas para realçar aviltadamente a figura lunar de Maria Caxinauá. Todas as palavras do parágrafo, valorizando a índia Ivete e valorizando o ambiente sexualizado, foram “pescadas” cuidadosamente dos míticos rios diurnos, com suas águas ensolaradas, porque, a noturna figura feminina, principal, há muito, já caíra em ostracismo, já habitava a “meia-noite psíquica” do narrador reflexivo, necessitando, por tal motivo, de um sol extraordinário que a iluminasse. A maacu Ivete foi instada, no trecho narrativo, a ser esse sol, foi convidada a “participar da alegria divina da ação diurna que é sempre uma ação brilhante”. O dia estava aprazível, magnífico, e Antônio Ferreira, o comensal solicitado para o régio almoço de Bataillon, merecia, no ato, uma visão/aparição fulgorosa. Foi então que a índia Ivete apareceu. Não é o fogo mítico um sinal de transformação narrativa? O sol não é, portanto, um poderoso símbolo do fogo mitificado? “O igarapé esmalta em velocidade invisível”, porque o Sol, “o Febo no horizonte”, está ali, naquele momento, a iluminar-lhe.





E eis a índia Maria Caxinauá, o contraponto infelicitado da maacu Ivete, se aproximando, como se fosse uma personagem das trevas, para servir o almoço ao convidado Antônio Ferreira.





A Lua, em qualquer de suas aparições semanais, insólita, noturna e representativa de mistério, poderá ser refletida como “a figura da morte”. Não é a Maria Caxinauá a “figura da morte”? Não é a noturna Lua que tem suas fases distintas, às vezes se esconde, às vezes aparece pela metade, outras vezes, revela-se em todo o seu esplendor, quando iluminada inteiramente pelo diurno Sol? Não são suas pupilas, digo, as pupilas de Maria Caxinauá (“dadas por incompreensível aura branca”) referentes lunares? Não é a Lua o signo inconteste dos lunáticos? Maria Caxinauá, por ventura, não poderá ser interpretada como referencial mítico-lunar? Não é a assombrada noite, dignificada pela Lua Cheia principalmente, um reposteiro de ódio, medo e incontrolável pavor? Maria Caxinauá é o símbolo do ódio reprimido das inúmeras tribos tragicamente pacificadas por europeus, naqueles sítios amazonenses, símbolo do “exército de massas proletárias”, originárias de todos os “índios massacrados no Brasil” (os verdadeiros donos deste imenso país). E eis novamente a minha apreciação teórico-reflexiva aderindo-se às “lágrimas”/palavras de um especial narrador: “vinte milhões de índios massacrados no Brasil se corporificavam ali, no gesto cego de Maria Caxinauá”[xlix]. Mas, por enquanto, surgem perguntas: Qual é o papel de Maria Caxinauá nesta narrativa rogeliana? A representação de uma “multidão inumerável de índios [amazonenses] massacrados”? As respostas virão em seu devido tempo.



quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Testemunha de Dorothy Stang sofre atentado


Testemunha de Dorothy Stang sofre atentado

Roniery Bezerra Lopes, uma das principais testemunhas de acusação contra
um dos investigados no caso do assassinato da Irmã Dorothy Stang, sofreu um atentado no dia 26 de novembro, no município de Anapu, no Pará. Apesar de ter levado tiros nas pernas, na cabeça e na boca, a religiosa sobreviveu e está internada em um hospital da região em estado grave. O atentado aconteceu menos de três horas após Roniery ter recebido uma intimação da Justiça para ser testemunha de acusação de Reginaldo Galvão, no caso que investiga a grilagem do Lote 55, local onde Dorothy Stang foi assassinada.

(Fonte: JORNAL DA ADUFRJ).


O poema da morte












O poema da morte

Rogel Samuel


Zemaria Pinto escreveu seu “roteiro para depois da minha morte (ii/iv)”:

não permita que eu vegete
ou degenere no abismo
da insanidade:
apressa o fim
sem temer a dor
que não irei sentir

http://ofingidor2008.blogspot.com/


Seus pequenos poemas são antológicos. Pois o poema quer que o sujeito morra, morra de uma vez, e não fique vegetando na cama de um hospital, e nem fique na insanidade senil, que outra forma de vegetar é. Pior que a morte, a insanidade. Que o fim seja rápido como o raio, sem medo da dor, que o morto não irá sentir, quem vai sentir são os outros, os amigos. Morrer não apavora, por que nada “sabemos” do que seja a morte. Não podemos temer o que não conhecemos. Para alguns, será a paz. Para outros, como a glória. Para os maus, o arrepender-se (?). Para os puros, sua pureza.

Algumas mortes foram exemplares, como a do iogue Vivekananda. Ele reuniu os discípulos, perguntou se algum tinha alguma dúvida. E no fim disse que ia “morrer”.
Fechou os olhos e “retirou-se”. Simplesmente morreu ali mesmo.

Alguns dos grandes místicos do Tibet realmente não “morriam”. Transformavam os seus corpos em luz, nas cores do arco-íris, e evanesciam-se na cara de todo mundo.

Houve grandes e belas mortes entre as pessoas comuns que conheci.
Meu tio Alberto Souza, de Manaus, estava na sala vendo TV com a mulher. No intervalo, Luzia perguntou:
- Alberto, você quer um café?
Quando ela voltou, ele estava morto.

Outra bela morte foi a de meu grande amigo Nathanael Caixeiro, escritor, violinista e tradutor de dezenas de livros (veja no Google). Ele acordou cedo, fez passear o cachorro, afinou o violino, sentado na cama. Sua mulher perguntou se ele queria um café. Quando ela voltou, ele estava morto.

Dias antes me visitou à toa, apareceu sem mais nada. Esteve em minha casa, ouvimos Mozart, conversamos sobre música. Ele era cultíssimo. Depois fomos até a praia vermelha ver o mar.

Era uma despedida e eu não sabia.

sem temer a dor
que não irei sentir