sexta-feira, 21 de agosto de 2009
Tufic: Pacote poético
Tufic: Pacote poético
Rogel Samuel
(Foto do blog http://palavradofingidor.blogspot.com/)
(Rio, 30 de setembro de 1999)Recebo um pacote pelo correio, um pacote amarelo que apalpo e que sinto, há objetos dentro, possivelmente livros: sim, são cinco novos livros de Jorge Tufic que eu lhe pedi pelo telefone e eu fico me lembrando que, há quarenta e três anos atrás, ele publicava o seu já clássico Varanda de pássaros.
Como pode Jorge Tufic manter 43 anos ininterruptos de poesia apesar da crise por que passa a produção cultural brasileira e a amazonense em particular? Porque depois daquele grupo do Clube da madrugada muito pouco produziu a poesia de Manaus.
Eu adolescente e Tufic já era dono de uma poderosa poesia que se afirmava principalmente nos seus sonetos extraordinariamente inovadores. Na década de 80 nós nos correspondíamos, depois ele se foi para Fortaleza e o perdi de vista. Soube que foi homenageado no Rio de Janeiro, onde moro, mas não o vi porque estava viajando.
A última vez que o encontrei foi no ano passado, em Manaus, no Galo carijó, onde gosto de almoçar sempre que estou em Manaus (também deparei ali com o Thiago de Melo, donde se conclui ser aquele bar um ponto da poesia presente).
Agora, além de seus cinco livros, vieram várias pequenas publicações, entre as quais o belíssimo Agendário de sombras, uma coleção de sonetos dos quais cito, ao acaco:
Necessito do rio e da paisagem
que me vira partir quando menino.
da visão surpreendida ou desse quanto
pode haver em redor do meu destino.
eram coisas e seres do meu tempo,
partes de mim que a vida, em seu balanço,
foi deixando passar, nuvem sujeita
aos ventos, matéria sujeita ao ranço,
rubros sóis de verão, coleita breve
de azeitonas e ocasos, também contam.
Soldado entregue ao chumbo dos brinquedos,
ao som, talvez, das águas deste inverno,
quero sentir na pele evanescente
como eu seria agora, antigamente.
Ao poetas menores como eu, Tufic humilha, com a força da sua Linguagem: mas como pessoa ele tem a gentileza dos mais nobres corações e nos brindou com imerecidas dedicatórias. Dentre sua produção recente, no ano passado ele publicou Sinos de papel, um delicioso livro de haikais que bastaria para o consagrar:
Paineira caiada
Por uma lua de espuma
Tão cheia de nada.
Jorge Alaúzo Tufic nasceu no dia 13 de agosto de 1930 e publicou seu primeiro livro aos 25 anos. A Amazônia dele se orgulha.
(Rio, 30 de setembro de 1999)
Famoso livro é o seu "Retrato de Mãe", de onde tirei alguns poemas que se tornaram famosos
na web depois de publicados no meu antigo "Site do escritor", o primeiro a por na Internet
os escritores amazonenses. Todos os anos, no dia das mães, alguns sites como o BLOCOS ONLINE
publicavam esses poemas de homenagem às mães:
1
Venham fios de luz, aromas vivos
misturar-se às palavras, à centelha
do louvor mais profundo deste filho
que se depura e sofre com tua ausência.
Venha o trigo do Líbano, a maçã
de que tanto falavas; venha a brisa
tecer, mediterrânea, esta saudade
que vem de ti quando por ti me alegro.
Que venha a primavera, saturando
vales, planícies, colorindo os montes,
noites de luar caiando os muros altos.
Venha a pedra da igreja onde ficaste
quando em febre te ardias. Venham lírios
rebrotados de ti, dos teus martírios.
2
Teus cabelos castanhos, tuas tranças
fazem lembrar as madres de Cartago.
Doce mãe, sombra tépida, murmúrio
de sonâmbulas fontes; poucos sabem
teu nome, enquanto, fatigada embora,
dás-nos o pão, o leite, a flor e o fruto.
Poucos sabem te amar enquanto viva
e, quando morta, poucos também sabem
da fraqueza que em forças transformavas.
Ai, retrato de mãe, quanto mistério
se converte na tímida lembrança
destes álbuns que lágrimas sulcaram.
Na verdade, Ramón, só de lembrá-la
um soluço arrebenta-nos a fala.
3
Lentilha, azeite doce, o acebolado
chia na frigideira de alumínio;
a casa está repLeta de convites
a janta frugal e acolhedora.
Nos arredores brinca o vento; a cerca
divisória, talvez, nada separa.
Vizinhando quintais vozes fraternas
cantam, mandam recados de ternura.
Assim te vejo, mãe, rosto suado
na lida da cozinha ou pondo a mesa.
Terrinas de coalhada, o pão redondo
a recender de ti, mais que do trigo.
Calendário sem datas, chão de outrora
como tudo passou se tudo é agora?
4
Em tudo, minha mãe, te vejo e sinto.
Neste verniz antigo, neste cheiro
Suavíssimo que vinha do teu corpo
do pólen de tuas mãos, do ortelãzinho.
Em tudo, minha mãe, teu vulto amado
se desenha mais firme, e, lentamente,
vem dizer-me aos ouvidos qualquer coisa
destes anos que pesam sobre mim.
Em tudo, minha mãe, vejo este lenço
que à passagem da dor recolhe o traço
do sorriso que foste a vida inteira.
E, mesmo quando morta, entre açucenas,
ainda ressai de ti, poder divino,
a canção que adormece o teu menino.
7
Estavas, posta no esquife, igual a todas
as defuntas convulsas, lapidadas.
Tão branca e tão distante companheira
destes ventos na pausa da agonia.
Quisera ter morrido quando foste,
nave de ti somente, abrindo rotas
na invisória partida, nesse coro
latente em nossas almas. Parecias
dormir, então, liberta como um trono.
Ó lágrimas de Orfeu, tempo escoado,
corpo de insones ânforas, mãezinha,
que sei de ti nos guantes da saudade?
Que sabemos de ti, quando te vais,
se o teu vazio é feito de punhais?
Leia alguns dos "sinos de papel" de Jorge Tufic:
oculto no dom
de não ser ninguém
o grilo é som...
pétalas de mim
cultivo num jarro velho
que já foi jardim
em tantra medito
o saber é uma pedra
a mulher, o seu grito
ah, delicadeza
a mosca, senhora tosca
baila sobre a mesa
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2 comentários:
Não conhecia Jorge Tufic.
Fiquei maravilhado com o que li. Principalmente, com os poemas do "Retrato de Mãe", que são, simplesmente, harmoniosos.
Muito obrigado.
Vicente Ferreira da Silva
obrigado pela leitura do nosso Tufic, Amigo, agradeço a leitura e a visita.
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