sábado, 29 de agosto de 2009
Vontade de cantar
"Aprenda a olhar. A chave da felicidade está no olhar e no ouvir. Ouça o silêncio da paisagem do vale e das montanhas sem o pensamento, sem a rede do pensar. Quando não há “eu” nasce a felicidade, a luminosidade"(Lundrup Tashi).
Que é olhar? Como é olhar? Olhar é sair de si no objeto olhado. Ver a beleza o objeto, da luz, da cor, da montanha, do sol, da noite.
É difícil saber olhar, olhar sem pensamento, só olhar, sem julgar analisar pensar verbalizar.
Se vejo um ser belo e penso: "Que bela mulher!" já estou pensando, já não estou vendo.
A arte nos ensina a olhar. A pintura, a fotografia, a poesia.
Drummond escreveu:
“Bela
esta manhã sem carência de mito
e mel sorvido sem blasfêmia.
Bela
esta manhã ou outra possível
esta vida ou outra invenção
sem, na sombra, fantasmas.
Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.
Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.” —
Carlos Drummond de Andrade, “Novos poemas”, 1948.
A beleza não precisa de mito, invenção, fantasmas. A beleza não é “vista”, mas engolida. “Valvas, curvos pensamentos”, são as mulheres da praia, da praia de luz azul, completa. Ver é vontade de cantar, mas absoluta, “que me calo, repleto”.
“Ouça o silêncio da paisagem do vale e das montanhas sem o pensamento, sem a rede do pensar. Quando não há “eu” nasce a felicidade, a luminosidade".
(Imagem, "retrado do filho", Picasso, encontrado no Fingidor de Zemaria Pinto)
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