quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

30 anos de “Blade Runner”


Vermelho
www.vermelho.org.br

--------------------------------------------------------------------------------

Quando a ficção científica se transforma em realidade. O filme de Riddley Scott se transformou num ícone de um futuro terrível e, hoje, muito do que ele registrou em forma artística passou a fazer parte do cotidiano de uma sociedade globalizada, empobrecida e ameaçadora.

Por Paco Arnau

Quase 30 anos depois de sua filmagem, em 1981, Blade Runner – produção norte-americana dirigida pelo britânico Ridley Scott estreada em junho do ano seguinte – é um filme que resistiu à passagem de três décadas “sem despentear-se” e tem sido considerado ela melhor crítica do gênero de ficção científica como uma obra prima em toda a extensão do termo, por muito que a Academia de Hollywood não tenha pensado o mesmo ao não lhe conceder nenhum dos Oscars de 1982 (teve apenas duas indicações no ano da estreia).

Sem dúvida, para a imensa maioria dos cinéfilos e aficionados do gênero, muitos dos quais seguramente perderam a conta das vezes que o assistiram, Blade Runner não é apenas um filme a mais de ficção científica, e inclusive vai além do clichê de filme “cult”: é “o filme”. Sem esquecer, claro, 2002 Uma Odisseia no Espaço, a obra prima de Kubrick de 1968 e verdadeiro ponto de inflexão de uma nova época na sétima arte.

O roteiro de Blade Runner é um trabalho coletivo inspirado – embora não baseado em estrito senso – no romance publicado em 1968 (o mesmo ano da estreia de 2001 Uma Odisseia no Espaço) – Sonham os androides com ovelhas elétricas? (Do androids dream of electric sheep?, no título original) do escritor norte-americano Philip Dick que, infelizmente, não chegou a assistir ao filme pois faleceu apenas três meses antes da estreia nos EUA.

A trilha sonora é de Vangelis, o conhecido e magistral compositor grego de música eletrônica. Os cenários e a ambientação estão baseados nos trabalhos da excelente geração de autores de histórias em quadrinhos dos anos 70 e 80, entre os quais se destaca Jean Giraud, desenhista francês reconhecido internacionalmente como Moebius e um dos principais autores da revista cult Métal hurlant (Heavy Metal em sua versão em outros países, como Espanha, Alemanha, Grã Bretanha, Brasil ou EUA).

É um filme de contrastes. A estética, as roupas e a ambientação de Blade Runner criaram tendência e ainda hoje parece “moderna”... ou pós-moderna. Uma mistura explosiva de vintage, afterpunk e futurismo... Brilhante arquitetura de vanguarda do século 21 sobre uma camada “sedimentar” de avantajados edifícios de cortiços de princípios do século 20. Elegantes trajes e penteados que homenageiam a moda da década de 1940 junto a quinquilharias póspunkies. Sofisticados veículos aero terrestres desviando-se de massas de pessoas que só podem deslocar-se a pé em uma macroconurbação onde não há transporte público... Tudo isso manchado de uma obscuridade nevoenta provocada pela contaminação de poços de petróleo que esgotam as últimas reservas californianas em pleno solo urbano desta cidade fundada pelos espanhóis como Nossa Senhora de Los Ángeles em 1781. Os detalhes nos adereços e na decoração beiram à perfeição.

Sem necessidade de recorrer ao abuso de efeitos especiais (enfeites baratos usados para esconder a debilidade do argumento na maioria dos fracos filmes que estreiam na atualidade) apenas com profissionalismo e boa qualidade cinematográfica, Blade Runner consegue deslumbrar e surpreender cena após cena.

A direção desta grande produção da Warner esteve a cargo, como já dissemos, do britânico Ridley Scott (Inglaterra, 1937), um verdadeiro virtuose da telona que não precisa de apresentação e que também foi autor de filmes imperecíveis com Alien (1979, outra obra prima de referência obrigatória no pouco prolífico gênero da ficção científica), Thelma & Louise (1991) ou Gladiador (2000), entre outras.

Sob suas ordens atuou em Blade Runner um conjunto de atores encabeçado pelo protagonista Harrison Ford no papel de Rick Deckard (trabalho responsável pela consagração definitiva de Ford como estrela internacional) e o “holandês errante” Rutger Hauer, que fez o papel do líder dos androides replicantes Roy Batty; junto ao lado de outros de carreiras mais ou menos irregulares: uma jovem e belíssima (beirando os cânones da perfeição) Sean Young no papel da glamourosa Rachael, a também jovem e linda Daryl Hannah no papel da replicante Pris, e Edward James Olmos, representando o misterioso, sinistro e intrigante detetive Gaff do LAPD.

O contexto social e “histórico” é verossímil porque hoje ele já não parece ficção científica. Não nos estenderemos sobre o argumento de Blade Runner. A ação se desenrola na obscura, caótica, empobrecida e contaminada grande metrópole californiana de Los Angeles no final de 2019 ou princípios de 2020, centro de poder de grandes multinacionais privadas que se converteram, substituindo o Estado, em donas e senhoras da vida (humanas ou humanoides), fazendas e tudo de tudo o que acontece... No início da década de 1980, quando o filme foi rodado, era um futuro distópico, ou utopia perversa (na época a correlação de forças econômicas e sociais globais era certamente diferente da de hoje). Hoje, é mais verossímil, menos distópico e em boa medida descritivo do mundo atual.

As ineficientes e hostis, embora muito lucrativas e onipotentes grandes multinacionais privadas já superam com folga a metade do PIB planetário e também o de muitas nações e também – em consequência – detém o poder real em grande parte deles. As chamadas democracias ocidentais e seus empobrecidos países satélites, sejam vassalos ou submetidos à ocupação e à guerra, como podemos constatar dia a dia.

Deixando de lado os avanços nos campos científicos e tecnológicos que se refletem o 2019 de Blade Runner, e é altamente improvável que os vejamos chegar na próxima décadas, esse mundo empobrecido cujos desígnios dirigem oligopólios privados dominados por um punhado de criminosos a partir de suas torres de cristal opaco (que este filme descreveu tão bem como ficção científica na época em que foi rodado) se parece muito ao mundo atual, nesta etapa de retrocessos sociais globais que teve início no final dos anos 80 e início dos 90 como acontecimentos históricos europeus de consequências nefastas para o planeta e para nossas gerações.

Certamente é por isso que Blade Runner não envelheceu com a passagem de praticamente três décadas desde sua estreia. Sem esquecer, claro, sua excelência desde o ponto de vista artístico, algo que não deixa de surpreender por mais que revisitemos esta obra prima... É por isso que, para terminar, deixamos uma pergunta no ar: por que já não se fazem filmes como este?

Serviço:
No original deste texto podem ser encontrados fotogramas de censas, fotografias de produção e outros recursos gráficos inéditos relacionados com Blade Runner

Fonte: ciudad-futura.net

Nenhum comentário: