domingo, 7 de dezembro de 2014

NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE


NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE
SOBRE O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL

Repenso, por conseqüência do anteriormente refletido, e por induções lendário-esotéricas e/ou analítico-fenomenológicas, aquela reservada conotação ficcional da citação anterior: “Pássaros de bico largo e penas coloridas”. Não é o bico um referente sexual masculino, se for pensado pelo ponto de vista da psicocrítica literária? Não seriam, portanto, as indomáveis (aéreas, invisíveis) amazonas guerreiras a representação poético-ficcional dos índios amazonenses, conceituados, literariamente, como “pássaros de bico largo” (órgão sexual) e “penas coloridas” (vestimentas e adornos)?
Reavaliando, primeiramente, o nome amazonas, descobre-se que este origina-se do grego ?-????? (a-mazôn), cujo significado expressa a idéia de mulheres sem seios, míticas mulheres gregas, impávidas, masculinizadas, ignorantes quanto às politizadas leis da antiga Grécia. Reconsiderando, logo a seguir, o mito das audaciosas mulheres guerreiras da América do Sul (as quais, desde o início da colonização do Brasil, em seus três segmentos - portuguesa, espanhola e novamente portuguesa - foram detectadas, em diversos momentos temporais e em várias localidades da Amazônia brasileira, por viajantes-aventureiros, exploradores da fauna, da flora e dos metais preciosos da região), assinala-se a influência mítico-renascentista, via Portugal e Espanha, em relação à propagação do mito grego das mulheres guerreiras do norte do Brasil (influência agregada naturalmente ao arcabouço lendário das walkírias germânicas, também mulheres masculinizadas e aguerridas) em nossas plagas coloniais tupiniquins. Entretanto, por meio de outras informações, chega-se à reflexão de que as referidas mulheres eram possivelmente homens de longos cabelos e faces imberbes.
O mito das amazonas guerreiras da América do Sul ativou o imaginário europeu, desde o início dos domínios coloniais, a partir do século XVI (domínios europeus estes diversificados: Espanha, Portugal, França, Inglaterra, Alemanha e Holanda), os quais movimentaram as viagens exploratórias desses diversos reinos da Europa Ocidental. Evidentemente, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, no início do século XIX, ansiosa por transformar o sub-reino em local de importância e em um patamar de grandeza, a lenda se tornou pertinente (não apenas esta, como também outras, incluindo a lenda do Eldorado, região desconhecida de infinitas riquezas, região jamais visualizada, pelo menos pelo ponto de vista da narrativa amplificada pelo imaginário coletivo da tradição oral), instigando os aventureiros europeus, de outros reinos vizinhos a Portugal, a saírem em busca da solução de tais mistérios. É quase certo que as expedições exploratórias, como as que revelaram-nos os nomes de Castelnau (1847) e Travestin (1854), não estavam aqui em busca da descoberta das lendárias mulheres, guerreiras, fossem elas homens ou mulheres, ou muito menos, a proposta era estudar a fauna e flora da região. Sob a missão de estudar a cultura material da Colônia, escondia-se o desejo de apropriação das localidades distanciadas do domínio português. Foi o que aconteceu com a região da Amazônia Ocidental, próxima ao Peru e Bolívia. Poucos aventureiros portugueses ali se instalaram nos anos finais do século XIX e iniciais do século XX. O descuido dos portugueses deveu-se à impossibilidade de locomoção e dificuldade de comunicação com a Casa Real (e, posteriormente, com a Casa Imperial) localizada no Rio de Janeiro. Os estudiosos da fauna e flora e aventureiros europeus, que para ali se dirigiram, os mais audazes, não eram exatamente portugueses. Historicamente, há a informação de que a Casa Imperial se preocupou com a parte isolada da região amazonense, inclusive fundando o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838. Entretanto, a preocupação portuguesa limitou-se a se fixar na parte oriental do Amazonas, próxima ao Pará, onde as condições de navegação e comunicação com o Império eram mais facilitadas. Nesse ínterim, os mitos amazonenses, como o mito das amazonas guerreiras e do Eldorado, conhecidos desde a descoberta do Brasil, via domínio espanhol, foram se solidificando gradativamente. Enquanto alguns poucos portugueses procuraram se aventurar por ali, no decorrer da história da Colônia, os exploradores de outras partes da Europa foram se aclimatando àquela realidade indócil e, ao mesmo tempo, espalhando notícias sem confirmações sobre intrigantes relatos míticos. O que, na verdade, esses estrangeiros - franceses, alemães e de outros reinos europeus - pretendiam era descobrir as ricas jazidas de ouro e pedras preciosas, assinaladas pelo mito do Eldorado e, naturalmente, tomá-las para seus governantes reinóis. Esses viajantes-estudiosos estavam aqui em missão nitidamente especulativa.


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