segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE


NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE
SOBRE O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL

“Mas a vida é um caminho que de repente se bifurca” e este mesmo “rio” poderá ser revisto, fenomenologicamente, pelo ângulo da subjetividade “de um psiquismo acentuado”, como foi visto na obra de Edgar Alan Poe, por Gaston Bachelard, correndo “pesadamente, dolorosamente, misteriosamente”, também ele (o mesmo rio), “como um sangue maldito”, como um “sangue que transporta a morte”. E é importante assinalar, de antemão, que todos os rios amazonenses, nesta obra em especial, se revelarão como passagens para diversas mortes, inclusive, como referenciais dolorosos de mortes simbólicas, como, no final, a do narrador à moda antiga, tradicional, exemplar, contador de histórias apreciáveis e memoráveis (o primeiro narrador).
Mas, por enquanto, visto por este prisma interiorizado, este “rio” íntimo, particular, que banha os corpos sexualizados das duas indiazinhas Numas, poderá ser visto como “uma poética do drama e da dor”, à moda bachelardiana. A palavra “sangue”, colocada ali, no romance, sob aparência aleatória, também não é um “sangue feliz”. “É preciso, pois, inventar; é preciso apelar para o inconsciente”, urge dar forma ficcional confiável a essa dor que, no momento, está a atingir o narrador pós-modernista. A “água” e a cena do amor entre as indiazinhas Numas terão de ser “inventadas”, porque os Numas/Numes “não ficavam visíveis, às claras, de frente, nítidos” e só poderiam ser “difusamente entrevistos e só pressentidos na obliqüidade do olhar”.
E é exatamente esta “obliqüidade do olhar” que me permite, como leitora privilegiada, interagir com as camadas míticas, inseridas neste romance diferenciado. Penso que não está a faltar-me o sinal de valorização da palavra “sangue”, subentendida a partir do relacionamento amoroso das indiazinhas. Ali, o que se evidencia e que se valoriza é o mítico “sangue” da primitiva humanidade, um “sangue” originário, ímpar, sexualizado e andrógino, “movendo-se sempre” [nas artérias aquáticas], “movendo-se sempre nas igualmente imaginárias áreas do Rio Pique Yaco, do Rio Toro, e do além mais” , oriundos, todos esses rios, do Olimpo imensurável das Montanhas Andinas.




Nenhum comentário: