Tudo passa, diz Vieira, no Natal
ROGEL SAMUEL
Era o Primeiro Domingo do Advento, em 1655, e o
Padre Antonio Vieira, do púlpito, pregava.
O revolucionário Padre não postulava valores
verdades eternas, mas passageiras.
O
advento, ou "chegada", é o primeiro tempo do ano
litúrgico, o que antecede o Natal.
Tempo
de perdão, de preparação e alegria, e expectativa, quando se espera o nascimento
de Cristo.
Corresponde
às quatro semanas que antecedem ao Natal.
Um vento que vinha do mar.
Pássaros da madrugada.
Na orla da praia os pés afundavam na areia.
Ao longe, ouviam-se estalidos de trovoadas
obscuras, como canhões.
Vieira voltou-se para a estrada.
O mundo se tinha apagado, como se morto.
Na noite escura, um silêncio ausente, sinistro.
E ele continuava, passos pela estrada do falar.
No céu, apareceu o cometa, que apontava.
Os viajantes crentes foram chegam ao mesmo tempo.
Dos
campos da vizinhança, foram chegando.
De
repente, aparecia-lhes Vieira.
Mas o
Padre, do alto do púlpito, pregava:
“Tudo passa, e nada passa.”
“Tudo passa para a vida, e nada para a conta.”
“A verdade e desengano de que tudo passa (que é o
nosso primeiro ponto) posto que seja por uma parte tão evidente, e que parece
não há mister prova, é por outra tão dificultoso, que nenhuma evidência basta
para o persuadir”.
“Lede os filósofos, continuou, lede os profetas,
lede os apóstolos, lede os santos padres, e vereis como todos empregaram a
pena, e não uma senão muitas vezes, e com todas as forças da eloqüência, na
declaração deste desengano, posto por si mesmo tão claro.”
“Sabiamente falou quem disse que a perfeição não
consiste nos verbos, senão nos advérbios: não em que as nossas obras sejam
honestas e boas, senão em que sejam bem feitas.”
“E para que esta condicional tão importante se
estendesse também às coisas naturais e indiferentes, inventou o apóstolo S.
Paulo um notável advérbio.”
“E qual foi?
“Sois casado? (diz o apóstolo) pois empregai todo o
vosso cuidado em Deus, como se o não fôreis.”
“Tendes ocasiões de tristezas? pois chorai, como se
não choráreis. Não são de tristeza, senão de gosto? pois alegrai-vos, como se
não vos alegráreis.”
“Comprastes o que havíeis mister, ou desejáveis?
pois possuí-o, como se não possuíreis. Finalmente usais de alguma outra coisa
deste mundo? pois usai dela, como se não usáreis. De sorte que quanto há, ou
pode haver neste mundo, por mais que nos toque no amor, na utilidade, no gosto,
a tudo quer S. Paulo que acrescentemos um, como se não, tanquam non.”
“Como se não houvera tal coisa, como se não fora
nossa, como se não nos pertencera.”
“E por quê?
“Vede a razão: Præterit enim figura hujus mundi.
Porque nenhuma coisa deste mundo pára, ou permanece; todas passam.”
“E como todas passam e são como se não foram, assim
é bem que nós usemos delas, como se não usáramos: Tanquam non utantur.”
“Por isso a essas mesmas coisas não lhes chamou o
oráculo do terceiro céu coisas, senão aparências, e ao mundo não lhe chamou
mundo, senão figura do mundo: Præterit enim figura hujus mundi.”
“Considerai-me o mundo desde seus princípios, e vê-lo-eís
sempre, como nova figura no teatro, aparecendo e desaparecendo juntamente,
porque sempre está passando”.
Vieira foi
um ativista que muito viajou no séc. XVII, percorreu a Europa, o Norte e
Nordeste do Brasil, preso por corsários, sofreu naufrágios, exílios e prisões.
Um
gigante.
Mas tudo,
infelizmente, passa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário