terça-feira, 29 de abril de 2008

A POESIA CONCENTRADA POR DILSON LAGES


A POESIA CONCENTRADA POR DILSON LAGES


Rogel Samuel

O que chama de poesia zen é a que apresenta o que já é presente, isto é, o que está na nossa frente, diante dos nossos olhos, onde ali é colocado como um “está aí”: “eis-me”, e em poucos versos, poucas palavras:


A mulher de vermelho

molha as flores da passarela


É a poesia mínima, reduzida ao mínimo, no minimalismo característico do pós-moderno, o nosso tempo. Lembro-me de que a poesia partiu dos grandes poemas heróicos, dos grandes textos homéricos, para os romances medievais, os cantos clássicos, as estrofes românticas, os pequenos poemas pós-modernos. Houve exceções. Isso é a generalidade: a fina teia dos poetas na época da Internet. Que será da poesia? Que gênero poético? Para onde vai a literatura? Ninguém sabe. Mas os poemas agora se reduzem ao cerne, duas três rimas, umas poucas imagens e a imensidão do espaço do papel em branco – a poesia do Dilson tende assim ao haicai:


A flor nasce nos olhos da lua

Diante do espelho que sou.

(Isto: o poeta no espelho. O poeta que vê:)

...a rua é ruínas

E vejo o sol...

(Que sabe recolher “os resíduos do dia” nas suas anotações de estrofes, que são como notas apressadas de um repórter perseguido pelos “rostos dos fantasmas”, pelo “trânsito do vento” – a realidade transformada em nada, a natureza vinda do sertão:

Ouço o mugido do gado

preservando o encanto da noite

e galopamos na tangente do açude

onde o céu se oferece para contemplação.


A madrugada corre ensandecida.

Minhas mãos alcançam as alturas

e degusto o oásis do sertão

onde cavalgamos sonhos.

(E da cidade. Na)

ESPERANÇA EM FORMA DE NUVEM


A cidade decresce

a multidão de prédios-diamantes

na manhã que se inicia

e no céu cinza das avenidas

as aves unidas dançam

ao som silencioso do vento

a canção veloz do vôo.


Já não há lirismo, nesse trâmite. “Já não navego o ego”, escreveu. Mas “o silêncio parou de tocar”, e


Acordo a madrugada

e repouso em mim a noite

que dormiu demais

para despertar a manhã

e vestir-me de céu.


Esta poesia faz das coisas uma concretude e não uma imagem, pois a realidade é tanta que “a água na vidraça / despedaça...” e o mundo se descerra em “faces e disfarces”. Neste caso o silêncio é um consolo, pois serve para “arrancar o coração das paredes”. No:


O MUNDO VISTO POR DENTRO


A ausência zera o rosto

coberto pela toalha da alma

e a máscara da face

abre o cárcere

para o mundo se mostrar

como é.

É muito interessante sentir que se pode ler no “Sabor dos sentidos” a meditação de “Os olhos do silêncio”, que pisa no freio das palavras e dissolve o fragmento do pensar.


Ali o silêncio é interno, o silêncio sempre fala mais alto, “pó do vento”, o que “apaga a escuridão”, o silêncio como arte decorativa: “o manto de anjo na sala de estar”

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