quarta-feira, 9 de abril de 2008

O VERÃO
O vento. Chega o verão. Com sua preguiça. Com seu mormaço. Seu cansaço. Também chega o erotismo. As chuvas. Com o sol. O sol na alma. O verão ventos velozes. Verão de mar. E amar. O verão amazônico. Diz o grande Bacellar:
No livre azul o sossegado vento lívido sonha linhas de escultura que moldará nas nuvens no momento de apascentá-las pela tarde pura.
Verão de livre azul. De nuvens e de tardes. Verão inania verba de Bilac:


Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
..................................................................
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?

Hoje passei pelo verão. Pelo mar, distante. Um fio de preguiça perfumada me fez ficar, perder-me. Naquele limite da linha do horizonte me firmei. Que sonhos trará este verão, com os seus mornos dedos azuis? Passa uma brisa...
Num arrepio de pressentimento o ruflo de asa risca na brancura, o sol arranca brilhos do cimento do muro novo, a folha cai. Madura. Todo verão proclama: a tarde limpa, esmaltada de claro; pela grimpa do morro verde a cabra lenta vai...

A luz resvala na amplidão sonora.
Por que senti roçar-me a face agora
um beijo, um frêmito, um suspiro, um ai?
(Bacellar disse).

Sim, o verão. Sua luz. Sua amplidão.
De muros claros. Seu cimento caiado, de Cabral. Reflete o branco o sol, o lento sol. E à noite suas inquietas estrelas. As ilhas de Fernando Pessoa, quando...

Evoca estrelas sobre a noite estar
Em afastados céus o pórtico ido...
E em palmares de Antilhas entrevistas
Através de, com mãos eis apartados
Os sonhos, cortinados de ametistas,

Sim, o Verão. Na transparente solidão do ar, em ruído e em bando, o triunfo dos pássaros. E, no horizonte, cortinados de ametistas praias espalmadas palmares. Vistas entrevistas. Distantes diamantes no espaço, no imperfeito sabor. O ver verão. Nas asas sobre a praia, "Para onde vai a minha vida, e quem a leva?" (tece Pessoa:)
Não tenho sentido, Alma ou intenção... Estou no meu olvido... Dorme, coração...).
Mas é mais verão no Rio. Só aqui o verão ganha significado: vida, pulsa, sua, lateja. Anuncia carnaval. O Rio mostra que está vivo. Como nunca. Esquecemos a idade. Tudo passa na Avenida, flores alvas das saias das baianas. O Carnaval, sonhado. Brilham fantasias. Internas. Em grandes blocos desfilam meus mortos, meus sonhos mortos. Meus personagens. Por isso:

nesse carnaval entôo em surdina
breve texto esta canção
desenvolvendo a paisagem cristalina
tinta azul, papel na mão
espuma do ar mantida em vestes finas
toldo de amor que aparelha e envolve
e te molesta a alegria matutina
passando o pente no tema a minha senha
e ergues a tricotar a estrela fescenina
brincando de tua passarela
e sonhada é férrea a tua serpentina
borboleta de papel de seda
que me despeço de tua face de menina
teu aço besuntado de abelha

Só o Vento... O verão.

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