sábado, 5 de abril de 2008

DILSON LAGES ENTREVISTA AFONSO LIGORIO


Dílson Lages - O que significou para o senhor o ingresso na Academia Piauiense de Letras? Afonso Ligório -Todo escritor tem o desejo de se filiar na Academia de Letras do seu Estado, ou da região onde mora. A Academia Piauiense de Letras sempre foi um sonho, desde menino. Mas eu tardei um pouco a entrar na Academia, porque me transferi para o Recife; depois, para Brasília. Nesse intermédio, fiquei, portanto, distante do momento literário do Piauí. Mas não tão distante a ponto de me separar. A distância era apenas física. Eu, constantemente, estava colaborando com os jornais da terra e vindo a Teresina para assistir a reuniões, a posses ou mesmo para participar de encontros da Academia Piauiense de Letras. Recentemente, fui convidado pelo jornalista e escritor Paulo Nunes para concorrer a uma das vagas, a aberta com o falecimento do ilustre escritor Lima Cordão. Então, participei e meus colegas da Academia acharam, por bem, votar em mim. Fui eleito. Para mim, foi grande o orgulho. Completou-se o quadro que tanto ambicionava quando menino, quando jovem e, agora, na velhice.
Dílson Lages - Em Outros Tempos, que é um livro de memória, o senhor focaliza um pouco da história do patriarcado rural piauiense, suas origens, um pouco da história de Teresina da década de 40. Pude perceber que o livro não traz fatos de interesse somente familiares ou pessoais: o senhor procurou dar a esses fatos uma dimensão mais coletiva. Correto? Afonso Ligório - Realmente, eu olhava sempre, olho sempre, os problemas de minha terra de modo global, nunca de modo particular. E a maneira que você observou em Outros Tempos realmente traduz esse sentimento de olhar a terra. É um sentimento que eu tenho, porque a terra é grande, é populosa, tem muitas atrações não somente para uma pessoa, mas para todas e, por isso, sempre quando me refiro a Teresina, ou a Luzilândia, onde eu nasci, refiro-me a qualquer pedaço do Piauí; faço sempre de modo amplo, não apenas examinando meu ângulo pessoal.
Dílson Lages - O senhor faz um retrato de Teresina da década de 40, em Outros Tempos. Como era Teresina de sua infância e adolescência? Afonso Ligório - Na Praça Pedro II, estava a área de diversão: o teatro 4 de setembro, o Cine Rex e havia além do mais, as chamadas retretas, onde o povo se distraia; o povo passeava diariamente, como uma espécie de lazer próprio da terra. Era uma cidade alegre, uma cidade agradável, onde se podia andar sem receio de agressões. O povo muito pacato, tudo de modo muito peculiar, muito próprio da terra. Eu adorava a minha terra na época em que era menino; também, na época em que era adolescente. Hoje, adoro muito mais ainda, em conseqüência de tudo que minha terra me deu. Dílson Lages -Em Outros tempos, nós encontramos várias crônicas sobre o rádio, o cinema, e a publicidade na década de 40, em Teresina. Como era o radio, o cinema e a publicidade em Teresina nessa época, segundo a crônica Outros tempos? Afonso Ligório -Na realidade, na década de 40, não existia rádio, mas um serviço de alto-falante, que na realidade se limitava à chamada amplificadora. Rádio amplificadora de alto- falante, que tinha um estúdio, na rua Barroso, com dois alto-falantes instalados, um na praça Rio Branco, num pé de outi, e outro, na praça Pedro II, junto ao teatro. Esses serviços de alto-falante eram na realidade o grande serviço de informação da cidade, porque Teresina vivia um período, sem jornais, sem veículos de informações, a exceção do Diário Oficial. Essa amplificadora tinha com principal animador um cidadão chamado Laguarte. Laguarte era um bom locutor e, além do mais, um animador nato. Ele dava à sua pequena estação de alto-falantes uma dimensão de uma grande estação. Para nós, os ouvintes que ficávamos nas praças públicas, aquilo distraia muito e nos atualizávamos, com informações relacionadas ao viver da cidade. A emissora, quer dizer, a Amplificadora Teresinense, depois, teve uma concorrente que foi um alto-falante da casa Rianil, que, também, em horário diferente tocava música e transmitia algumas notícias quando necessário. A rádio amplificadora tinha, também, para sobreviver, seus anúncios. Eles não eram gingles, pois ainda não existiam. Eram todos ao vivo. Eu me lembro de um anúncio, por exemplo, da rádio amplificadora teresinense que me impressionou e eu, como professor de comunicação do CEUB, levei à discussão dos meus alunos. Um anúncio que achei fantástico pela maneira com que ele abordava o problema para vender o produto. Ele dizia: ”Carro parado é prejuízo andando”. O que ele queria dizer era que carro parado é prejuízo em andamento. Então, “concerte seu carro antes”. Ele queria dizer isto. E a gente ficava admirado, às vezes, com essas criações sobre publicidade. É muito provável que o 1º anuncio, o 1º gingle, que apareceu tenha sido o das geladeiras Brigids, que foi um anuncio de muito sucesso na cidade. Mas havia também em Teresina aquelas pessoas que eram chamadas anuncio vivo. Existia um cidadão chamado Rodolfo Cavalcante. Este Rodolfo Cavalcante veio da Bahia, se instalou em Teresina e gostou da cidade. Ele era uma espécie de camelô, mas, além de camelô, também um versejador. Um homem que fazia versos e, de suas versos, também começou a fazer anúncios para as casas, aproveitando os temas, aproveitando determinados períodos propícios para campanhas.Ele, às vezes, para impressionar usava umas pernas-de-pau e nestas e anunciava casas para quem ele estava fazendo propaganda. Era realmente uma figura curiosa, uma figura bastante querida na cidade pela maneira com que anunciava. Portanto, como se vê, o inicio do anúncio em Teresina foi. através do anúncio vivo, com o Rodolfo Cavalcante, e, também, através da Radio Amplificadora Teresinense. Era um anúncio simples, mas já avançado para a época. Hoje, analisando aquelas pessoas sem um exemplo, sem uma experiência anterior, sem uma escola relacionada à propaganda ou à publicidade, posso afirmar que já faziam algo que realmente chamava a atenção. Dou parabéns aquela gente que não existe mais.
Dílson Lages - E o cinema escritor, como era o cinema na década de 40? Afonso Ligório -O cinema, na década de 40, já era falado. Em Teresina, o cinema veio aparecer nos anos 30 e nos anos 40. Já todos os cinemas da cidade tinham som. Existiam em Teresina o Cinema Olímpia, que ficava na praça rio Branco, e o Royal, pouco adiante, próximo ao Liceu. Depois, apareceu um terceiro cinema, que foi instalado no Teatro 4 de Setembro. Mas, depois, foi construído um prédio especialmente para ele na praça Pedro II, o Cine Rex. Na realidade, o Cinema Rex foi a grande novidade. O cinema Rayol era um cinema mais popular. Era cinema preferido da garotada, porque, neste cinema, se exibiam bastante seriados. Era o inicio de uma demonstração de violência que na realidade não existia no Piauí. Uma violência mais curiosa, uma violência que alguém aqui jamais imaginaria praticar, assim com os artistas apareciam como defensores da sociedade, homens que a sociedade confiava, em geral esses artistas principais eram endeusados pelo povo.O Cinema Olympia era um cinema para a classe média, um cinema em que a sociedade de modo geral participava, ia as três sessões que ele fazia funcionar diariamente. Depois, apareceu um quarto cinema em Teresina, chamado São Luis. O Cinema São Luis era ali defronte ao Clube dos Diários. Esse cinema foi inovador, porque colocou ar-condicionado na sala de projeção, dando conforto à platéia. Era um cinema muito bem cuidado, muito amplo. Por isso, dava muita satisfação assistir a um filme naquela sala. Na realidade, a história do cinema em Teresina é uma historia que vem acompanhando como nas demais cidades a evolução do cinema no mundo todo. Teresina nunca ficou atrás em nenhuma criação inovadora
Dílson Lages – O senhor escreveu Tempos de Leônidas Melo. O que pretendeu com esse ensaio? Afonso Ligório -Na realidade, eu pretendi resgatar a memória de Leônidas Melo, porque durante curto período, período inclusive logo posterior ao governo dele, houve uma preocupação um pouco precipitada sobre o governo dele. Apareciam apenas os defeitos; não aparecia aquilo que ele realmente tinha feito. Na verdade, Leônidas Melo era um homem integro, sério, um homem que tinha defeitos como os demais, Ele era um cidadão que nasceu em Barras e veio para Teresina fazer o ginásio. Aliás, passou 17 dias de viagem de Barras para Teresina a cavalo. Em Teresina, concluiu o curso secundário e foi estudar medicina. Tornou-se um grande medico. Depois, numa emergência política, foi sondado para ocupar uma secretaria de estado. Foi secretario e deu grande resultado. Foi diretor do Liceu e, também, com grande resultado. Como governador, a administração dele é coroada pela apresentação de algumas obras que se tornaram perenes e necessárias, por exemplo, o Hospital Getulio Vargas. Quando Leônidas melo construiu o Hospital Getúlio Vargas, basta dizer que Teresina não tinha nenhum pronto socorro . Teresina, na realidade, em matéria de assistência médica, era uma cidade muito pobre. Ele construiu o majestoso hospital que foi equipado com tudo, tanto que chamou a atenção de todo o Brasil para essa iniciativa e Teresina muito deve a ele. O saudoso Clidenor Freitas disse que o Hospital Getúlio Vargas deveria se chamar hospital Leônidas Melo, porque na realidade quem pensou, quem fez aquela grande casa foi Leônidas MeloUm dia, Leônidas, visitando obras do hospital em construção - e já quase concluído - encontrou uma quantidade enorme de material de construção que tinha sobrado. Ele, então, perguntou ao engenheiro: Com esse material pode-se construir um prédio? Vejam só, sobras de um hospital. Diante da resposta do engenheiro, Leônidas disse: “Pois bem. O senhor faça uma planta de um arquivo público e pode começar a obra”. O arquivo público é o atual arquivo, o prédio que foi construído. Ele construiu esse prédio com as sobras do material do Hospital Getúlio Vargas. Quer dizer, hoje, é difícil acontecer uma coisa dessas. Essa atitude de Leônidas Melo da uma dimensão da sua preocupação e, além do mais, da realidade que ele enfrentava num estado pobre como era o Piauí, em que não se podia fazer despesas desnecessárias O prédio está ali junto a Rui Barbosa. É um prédio de dois andares de aspectos sóbrio e que teve uma grande serventia como biblioteca pública inicialmente e, depois, arquivo público. Por ai se vê que Leônidas Melo era um administrador e homem que tinha na mente a realidade do seu estado. Mas não foi somente isto que ele fez - sua administração é palmilhada de adiantadas providencias, por exemplo, a instalação de telefones automáticos. Teresina foi uma das primeiras cidades do Nordeste a ter telefone automático. Portanto, quando eu fiz o meu livro Tempos de Leônidas Melo, procurei homenagear Leônidas Melo. A primeira vez que eu o vi, na realidade, eu era ginasiano e entendi que devia pedir ao interventor, na época, uma ajuda para um jornal que eu queria fazer - o jornal se chamou O Autêntico.. Eu tinha 14 anos. Fui aonde ele estava e pedi ao interventor uma ajuda. Ele me respondeu: “Mas você é um menino”. Insisti: “Eu sei, mas quero levar avante”. Ele não teve dúvidas, abriu a gaveta, puxou um cartão timbrado e mandou um bilhete para o diretor da Imprensa oficial, O sr Arthur Passos. Mandou um bilhete para ele, dizendo que atendesse ao portador no que fosse possível. Fiquei não apenas satisfeito, mas espantado com aquele gesto, porque quando se falava em Leônidas Melo aqui em Teresina, falava-se sempre em um ditador. Na realidade, eu não tinha visto esse ditador, tinha visto um homem compreensivo que me ajudou numa hora em que um estudante precisava de uma ajuda cultural e nós, então, fizemos um jornal na Imprensa Oficial.

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