Hermann Hesse é homenageado nos 50 anos de sua morte
Mostra de pinturas na Suíça e romances do escritor ícone da contracultura foram relançados
Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S. Paulo
As homenagens ao 50.º aniversário da morte do escritor
alemão Hermann Hesse começaram na quinta-feira, 9, dia de sua passagem
para a eternidade. Os bancos de sua pequena cidade natal Calw, em
Baden-Württemberg, Sul da Alemanha, amanheceram ocupados pela frase
"Liebe ist stärker als Gewalt" ("o amor é mais forte que a violência"). É
por esse credo pacifista que o nome de Hesse, premiado com o Nobel de
Literatura de 1946, gostaria de ser lembrado numa época como a nossa,
marcada pela barbárie, ele que dedicou sua vida à busca da sabedoria -
e, por que não dizer, da iluminação, a exemplo do seu cultuado herói em Sidarta,
bíblia laica da contracultura e guia dos jovens mochileiros que
partiram para a Índia nos anos 1960, movidos pelo desejo de uma vida
menos ordinária. Visionário, Hesse fez essa mesma jornada em 1911,
escrevendo em Sidarta (1922) sobre a mística experiência de um
jovem brâmane. Ele não imaginava, contudo, que sua obra seria
apropriada, em diferentes épocas, por hippies ou oportunistas que
tentaram imitar seu estilo (atrás de repetir o êxito do autor, que
vendeu 140 milhões de exemplares).
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Gettyimages
Visionário, ele pregou o autoconhecimento
O trauma seria reforçado com a morte do pai, em 1916, a descoberta da séria doença de seu filho Martin e da esquizofrenia de sua mulher. Hesse abandonou o Exército e resolveu fazer terapia. Datam dessa época suas primeiras aquarelas e também um de seus livros mais populares, Demian (escrito no breve período de três semanas, entre 1917 e 1919). Ele e mais três grandes títulos de Hesse - Sidarta (1922), O Lobo da Estepe (1927) e O Jogo das Contas de Vidro (1943), seu último romance - estão sendo relançados pelas Edições BestBolso. São edições econômicas dos livros publicados anteriormente pela Record, proprietária do selo, mas não iguais. Sidarta, por exemplo, apesar de ser a mesma tradução de Herbert Caro (1906-1991), não traz o prefácio que Luiz Carlos Maciel, um dos mentores da contracultura no Brasil, escreveu para a edição revisada de anos atrás.
Maciel foi seduzido na juventude por Hesse, como tantos escritores e intelectuais. " A empatia suscitada tanto pelo adolescente conturbado Demian quanto pelo homem maduro e obstinado de O Lobo da Estepe era irresistível", escreve Maciel, justificando o fascínio por Hesse: "Nosso próprio instinto rebelde se reconhecia nele" . Com o escritor Ferréz, morador de Capão Redondo, aconteceu o mesmo. O autor de Deus Foi Almoçar (Planeta) diz que começou a ler por ter encontrado um exemplar de Demian num barraco do Jardim Jangadeiro, deixado pela antiga moradora. "Foi com Hesse que aprendi o valor da vida, a olhar com atenção os rios, a apreciar boa música, coisas que na periferia parecem tão distantes pela dureza do concreto."
Hesse, de fato, desperta um sentimento de rebeldia contra os valores da sociedade burguesa. Nesse sentido, é enorme o débito do escritor com a tradição romântica alemã - especialmente Goethe e Hölderlin -, mas seria injusto não reconhecer a modernidade de sua literatura, a despeito de Hesse rejeitar o experimentalismo como força motora. Contudo, sua sintaxe simples e sua sensibilidade estética, alinhada com Novalis, não deve ser confundida com a fórmula new age de escritores medíocres que trataram dos mesmos temas - a busca espiritual no Oriente, a crise de valores do homem ocidental, o drama ético dos jovens diante do hedonismo de uma sociedade consumista. Hesse diferencia-se não só por ser o pioneiro a tratar desses temas como pela crença sincera na espiritualidade como alternativa do desespero - e ele mesmo pensou em suicídio antes de pregar o autoconhecimento e se retirar para uma vida tranquila no campo.
Hesse intuía que, diante da mecanização do mundo moderno, a sobrevivência de valores do romantismo alemão era não só necessária como essencial. Max Demian é um rebelde que incita o atormentado Emil Sinclair, em Demian, a se voltar contra as convenções sociais e os pais piedosos, fazendo-o descobrir sua potência destruidora e, ao mesmo tempo, instalando-o no olho do furacão espiritual, ao revelar que existem no mundo pessoas marcadas por uma natureza caimita. Já nesse livro, que muitos consideram o pilar de sua obra, está clara a natureza metafórica dos papéis intercambiáveis entre o bem e o mal, o masculino e o feminino.
Os personagens de Hesse andam aos pares: em Narciso e Goldmund, dois noviços de um mosteiro medieval vão se reencontrar na velhice após anos de separação. Um ficou confinado a vida toda. Outro, foi experimentar a vida mundana. Em Sidarta, o jovem e talentoso brâmane é um simulacro do Gotama verdadeiro, que, a exemplo de Buda, conclui que o importante é mesmo a vivência. A mesma aspiração pela luz da sabedoria move os dois. É a experiência existencial, e não a doutrina, o caminho para a iluminação.
Em O Lobo da Estepe, o misticismo cede lugar à psicanálise. A luta agora é contra a natureza predatória da fera que dorme no interior de cada homem. Antibélico, Hesse faz do protagonista Harry Haller seu alter ego (como o escritor, que tinha 50 anos quando escreveu o livro, Haller tem a mesma idade e tenta resistir à tentação do abismo, o suicídio). Dele, Thomas Mann disse que era um livro tão genial quanto o Ulisses, de Joyce, mas o melhor ainda estava por vir: O Jogo das Contas de Vidro, biografia fictícia de um magister ludi, o mestre de um jogo que leva o leitor a concluir que o saber acadêmico, erudito, é vazio sem o autoconhecimento.
DEMIAN
Autor: Hermann Hesse
Tradução: Ivo Barroso
Editora: BestBolso
(160 págs., R$ 14,90)
SIDARTA
Autor: Hermann Hesse
Tradutor: Herbert Caro
Editora: BestBolso
(144 págs., R$ 14,90)
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