quinta-feira, 27 de junho de 2013

O manuscrito excluído

O manuscrito excluído
 
ROGEL SAMUEL
 
Céleste Albaret conta que Gide não apenas recusou o manuscrito de “No caminho de Swann” de Proust. Gide nem mesmo abriu o pacote. Para ele, Proust era apenas um “dândi socialite”.
Gide desculpou-se depois e afirmou o contrário, que leu etc. Mas Céleste conta que o nó do barbante que amarrava o pacote voltou como foi, e ninguém sabia dar aquele nó como o secretário de Proust da época. O nó estava lá, e no mesmo lugar.
Gide trabalhava para a NRF – Nouvelle Revue Française – de onde saiu a Editora Gallimard (Gaston Gallimar era na época um jovem rico). Quando o Príncipe Antoine, amigo de Proust, foi ver André Gide, na Editora da NRF, Gide desceu de sua sala para recebê-lo e disse:
- Nossa editora publica obras sérias. Está fora de cogitação poder editar uma coisa como essa, que é a literatura de um dândi da alta sociedade.
E devolveu o manuscrito de “No caminho de Swann” a Antoine Bibesco.
E na mesma época a Editora Fasquelle também recusou a mesma obra, com uma carta.
Gide fez mea culpa, e até citou num erro de francês do escritor (“as vértebras da fronte” da tia Léonie).
Mas Proust repetia sempre:
- Céleste, jamais abriram meu pacote na NRF, posso-lhe assegurar.
Céleste foi a governanta do escritor nos últimos 8 anos de vida, e sua confidente. Ela conheceu Gide e disse que ele parecia “falso” (“um falso monge”). Disse que a Senhora Gide era “uma camponesa” (pensou que era sua empregada).
Gide já conhecia Proust dos salões elegantes de Paris. Sempre achou que ele era um “dândi socialite”.
Proust vingou-se cruelmente, pois seu primeiro livro depois de publicado logo fez um imenso sucesso. O editor foi o jovem Bernard Grasset. Proust pagou a edição.
Com o sucesso do livro, todos na NRF ficaram furiosos com Gide e logo tentaram recuperar a obra. Mas Proust ria-se, vingado. Recusava-se até a receber os emissários da NRF, que vinham com súplicas verdadeiras.
Mas Proust acabou publicando o segundo livro na NRF. Mas esses editores quase se arrastaram a seus pés.
Um dia, Proust mandou Céleste chamar André Gide para anuncia sua decisão. Gide veio imediatamente. Quando Gide chegou, a governanta o anunciou para Proust:
- O falso monge está aqui.
E retirou-se.
Proust recebeu-o deitado em sua cama, pois vivia doente e de lá quase nunca saía. Céleste se retirou, silenciosa como sempre.
Um pouco depois, Proust a chamou, através da campainha que usava. Gide ainda estava no quarto, a capa caída ao longo do corpo, a cabeça inclinada para o lado, e dizia:
- Sim Senhor Proust... sim, eu lhe confesso. Foi o maior erro que cometi na minha vida.
Falavam do manuscrito.
E mais. Quando saíram os outros livros de Proust, a vendagem tirou a NRF do vermelho.
Mas ele nunca mais recebeu Gide, ainda que este diga o contrário.
 
Um dia, tempos depois, Proust recebeu uma carta de Gide, recomendando um jovem, e pedindo que fizesse alguma coisa por ele.
Proust, que era muito rico, leu o resumo para ela e jogou a carta no lixo. “Eu não me ocupo disso”, disse ele.
E depois de um silêncio, falou para ela:
- Veja você, minha querida Céleste, em minha opinião, um dia se perceberá que André Gide é um homem que terá feito o maior mal, um grande mal, moralmente, à nossa juventude.
Céleste sabia da homossexualidade dos dois escritores, mas nunca se referiu diretamente ao assunto no seu livro. E defendeu o seu ex-patrão até o fim.
- Eu não sou um “Imoralista”, afirmou Proust.

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