sábado, 13 de outubro de 2007

Onde Estás, Poesia?

Rogel Samuel





Todos conhecemos «A canção de amor de J. Alfred Prufrock» de T. S. Eliot. E todos conhecemos seus labirintos, desvios, suas alusões. A dificuldade de leitura, a começar pelos primeiros versos:

Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refúgios
De noites indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de botequins onde a serragem
Às conchas das ostras se entrelaça:
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
É atrair-te a uma angustiante questão.
Oh, não perguntes: "Qual?"
Sigamos a cumprir nossa visita.

Os poetas difíceis impressionam. A poesia, neles, se insinua e se mostra no dito por meio de metáforas, alegorias, analogias, símbolos, índices, metonímias que provoca o impacto estético que é chamado beleza. Impressionam os poetas a poesia. Não a dificuldade aleatória, gratuita. Mas a profundidade dos alucinantes temas, como no «Por de sol» de Holderlin, na tradução de Manuel Bandeira (A arte do poeta diz a arte do sonho. A beleza do mundo dos sonhos, para nós, dá a condição prévia de todas as artes plásticas e também uma parte essencial da poesia):

Onde estás? A alma anoitece-me bêbeda
De tôdas as tuas delícias; um momento
Escutei o sol, amorável adolescente,
Tirar da lira celeste as notas de ouro do seu canto da noite.

Ecoavam ao redor os bosques e as colinas;
Êle no entanto já ia longe, levando a luz
A gentes mais devotas.
Que o honram ainda.

O que o discurso afigura, na poesia, não é o mundo, mas sua essência. Por isso escapa das medidas do lógico, essencializa a própria linguagem. Na poesia, a linguagem procura, tenta falar de si mesma. Com as determinações das manifestações do real (o pensável, não o percebível). Nos versos de Elliot, o anoitecer é um «um paciente anestesiado sobre a mesa». Esta metáfora hospitalar retorna no que pergunta:

E valeria a pena, afinal,
Teria valido a pena,
Após os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio,
Após as novelas, as chávenas de chá, após
O arrastar das saias no assoalho
- Tudo isso, e tanto mais ainda? —
Impossível exprimir exatamente o que penso!
Mas se uma lanterna mágica projetasse
Na tela os nervos em retalhos...

O que impede a poesia de ser totalmente ilegível chama-se «ideologia», que é a visão do mundo que há em tudo que falamos. O mundo "aparece", mesmo quando não falamos exatamente dele, já que só temos, para falar, o seu discurso (dele). Sim, «impossível exprimir exatamente o que penso! », diz, ele, Eliot, como se «uma lanterna mágica projetasse / Na tela os nervos em retalhos... »

A beleza está no que não diz, mas retém. Silencia. E nos versos de Holderlin a alma anoitece, bêbada de prazeres, dos prazeres da poesia. O sol joga malha de ouro sobre tudo e começa a cantar. O som do seu canto ecoa nas colinas. Nos bosques. Há uma pátina de sexualidade nesse cantar, bêbado de prazeres. O adolescente-poeta escuta o ouro do cantar do sol, que leva às luzes. A noite caminha próxima, há delícias no ar desse poetar. Nesse pomar, como a «Quietude», de Ungaretti, que diz, na tradução de Menotti del Picchia:

A uva está madura e campo arado,
o monte se destaca das nuvens.

Nos poentos espelhos do verão
caiu a sombra

Entre os dedos incertos
sua luz é clara
e longínqua

Foge com as andorinhas
o último desespero

A hermenêutica vê os textos como expressões da vida social fixada na escrita, através de fatos psíquicos, de encadeamentos históricos. Sua interpretação consiste, então, em decifrar o sentido oculto no aparente, em desdobrar os diversos graus de interpretação ali implicados. Só há interpretação quando houver ambigüidade, e é na interpretação que a pluralidade dos sentidos se torna manifesta. Por isso, é necessário interpretar o que diz Hans Sachs, nos «Mestres cantores»: A arte da escrita e da poesia diz a verdade do sonho. «Nos poentos espelhos do verão / caiu a sombra ». Ou «Já se desprende a magra flor», de Salvatore Quasimodo, na tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti:

Nada saberei de minha vida
escuro monótono sangue.

Não saberei quem amei, quem amo
agora que aqui contido, reduzido a meus membros,
no gasto vento de março
enumero os males dos dias desvendados.

Já se desprende a magra flor
dos galhos. E eu contemplo
a paciência de seu vôo irrevogável.

Se só podemos interpretar um mundo já previamente compreendido, esta limitação pode ser transposta pela fusão de novos horizontes. A compreensão depende de certa maneira de olhar, em que não há separação, divisão, julgamento. De um ouvir de outra qualidade a investigação depende. Temos primeiramente de investigar aquilo que nos impede de investigar corretamente. Dali aparece a investigação que pode começar a processar-se. E novos horizontes poderão, então, ser percebidos. Na «Imitação da alegria», diz Quasimodo:



Ali onde as árvores fazem
a tarde ainda mais abandonada
indolente
sumiu teu último passo,
como a flor que mal se mostra
sobre a tília e insiste em viver.

Buscas sentido para teus afetos,
encontras o silêncio em tua vida.
Outro destino me revela
o tempo refletido. Pesa-me
como a morte, a beleza que agora
noutras faces brilha.
Perdida está toda coisa inocente
mesma nesta voz, sobrevivente
a imitar a alegria.

O que o poeta diz é «vamos, tu e eu», «sigamos por certas ruas quase ermas,através dos sussurrantes refúgios», « ali onde as árvores fazem / a tarde ainda mais abandonada», «nos poentos espelhos do verão / entre os dedos incertos», vamos « tirar da lira celeste as notas de ouro do seu canto da noite». Enfim, vamos buscar da poesia o poema, e mergulhar no « sentido para teus afetos», pois a beleza pesa como a morte.

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