segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Ainda o poema



Ainda o poema

Rogel Samuel

Devido ao interesse e pedido de uma leitora e amiga volto ao poema-enigma de Márcia Sanchez Luz, pois muito mais haveria que descobrir no seu mistério, e estas minhas crônicas diárias são por natureza muito curtas e eu sou um crítico de muito pouco alcance. Pois: o que significa que a ferida que nasce não seja no sujeito, mas na lua escondida, na fria e escondida lua negra e invisível? Na lua delirante rebenta uma ferida escondida, cuja dor a lua desintegra e pacifica e a transforma naquela belíssima “chuva de gaivotas”. Nesta primeira estrofe a dor é objetiva, apesar de dizer “amo demais”, é objetivada, toma existência no objeto lua fora do sujeito, mas se concebe no seu interior, portanto se faz quase épico do que lírico, é emoção objetivada. E é por isso que se sente logo de saída uma atmosfera camoniana. A segunda estrofe não, faz ver o sujeito que sofre. Sofre com a flor que viu nascer – do amor -, mas sofrer aqui com o sentido de admitir, permitir, tolerar, consentir, experimentar, não apenas padecer. Mesmo que “grota” significa depressão sombria e úmida, o sujeito nela não se esconde, mas se abre e não combate, não se fecha ao que atrai, ama e gera descompasso. Lua negra é lua uterina que, fecundada, explode numa chuva de gaivotas.

Amo demais que até ferida brota
na cálida, escondida lua negra
dos meus delírios (dor que desintegra
calma desnuda em chuva de gaivota).

Os olhos choram mares, geram grotas,
fabricam densa nuvem que se integra
ao corpo equivocado pela entrega
sofrida num adeus desfeito em gotas.

Amo demais, eu sei, mas o que faço
se de outro jeito não conheço o amor?
A minha sina é nunca combater

o que me atrai e gera descompasso.
Se por um lado existe o dissabor,
tenho da vida a flor que vi nascer.

12 comentários:

Jefferson Bessa disse...

Bom dia, Rogel!
Como sempre venho aqui, hoje vi uma continuação de sua crítica ao poema anterior. Gostei do texto! No entanto, no soneto vejo que a lua negra é a dos delírios, a lua dos românticos; assim na alma é guardada essa luz noturna - que não é a da lua - e faz do homem o lado negro da vida, da dor, do dissabor.

Abraço.
Jefferson.

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

PERFEITISSIMO, AMIGO, A LUA NEGRA É DELIRANTE E ROMANTICA, OBRIGADO PELA VISITA. A LUZ DA ALMA É REALMENTE A LUZ NEGRA DA OBSCURIDADE DO LADO NEGRO DA LUA E DA VIDA. LEMBRO-ME ATÉ DA MÚSICA, DO DISCO DE PINK FLOYD, THE DARK SIDE OF THE MOON, DE 1973, QUE FALA DA LUTA DA VIDA CONTRA A MORTE, A LOUCURA, A VIOLENCIA, A GUERRA. A LUA NEGRA É O LADO ESCURO DA LUA E DA VIDA, COMO VC DISSE. ROGEL

Anônimo disse...

Gosto demais da poesia em forma de soneto. Difícil de se fazer, tem regras rígidas que prendem o fazer poético em versos contados e métrica impecável. Não permite um deslize. E nisso a Marcia é perfeita!
E se na 'forma' do soneto ela é craque, no conteúdo deste ela foi brilhante.
Roger teceu em dois posts comentários concernentes, precisos.
Eu acrescentaria, na singeleza desta imagem:
(dor que desintegra
calma desnuda em chuva de gaivota)
a dubiedade da 'calma desnuda' em colisão com a 'chuva de gaivotas'.
O paradoxo e a ambivalência do poeta está explodindo de fertilidade num contraponto da calma com o céu se desmanchando em chuva, não uma qualquer, mas sim de gaivota.
É um soneto para se pensar no escuro da dor, enquanto a poetisa chora seu mar. Água do céu, água dos olhos... Lindo e forte.
Parabéns ao Roger pela leitura 'comentarizada', e parabéns a Marcia pela beleza de soneto.

Unknown disse...

Caro Rogel convidado pela Márcia meu anjo protetor a comentar seu poema.O fiz com a simplicidade habitual. Ai ela recebeu de você com sua crônica um comentário de uma mestre. E hoje na continuação do mesmo o sr. nos mostra toda sua sapiência. Simplesmente digo que absorvo dos dois ensinamentos como educando na arte. Um forte abraço aos dois agradecendo por estar aqui nesse espaço sagrado.

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

Obrigado, Elza Fraga e Antonio Paulo, pelas boas colaborações.
A boa poesia, a boa arte nos une.
Rogel Samuel

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

Obrigado, Elza Fraga e Antonio Paulo, pelas boas colaborações.
A boa poesia, a boa arte nos une.
Rogel Samuel

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

Obrigado, Elza Fraga e Antonio Paulo, pelas boas colaborações.
A boa poesia, a boa arte nos une.
Rogel Samuel

Airo Zamoner disse...

Só mesmo a Márcia, poeta de verdade, a quem admiro de longa data, para propiciar uma análise do Samuel de encher os olhos! Parabéns ao Samuel pelo debruçar-se sobre a Lua Negra e dar o merecido destaque a voce Márcia a quem acompanho com sofreguidão e afeto imensurável.

Francisco Coimbra disse...

Parabéns ao leitor que comenta e à poetisa que merece ser comentada! De leituras se faz uma obra, no leitor, nos leitores. Este poema tem parte confessional na personagem que em si confecciona: «amo demais»… e a si se consola escrevendo «tenho da vida a flor que vi nascer». O que acontece, o que aconteceu? Disso se tece e tecem todas as leituras, parabéns a quem leu e a quem escreveu. Abraços.

Márcia Sanchez Luz disse...

Leila Míccolis disse:

Amiga, criar uma flor lunar já é raríssimo; ter, além disso, um comentário do grande escritor Rogel Samuel sobre ela é o máximo do desabrochar e da plenitude. Parabéns. Mil beijos, Leila

Hideraldo Montenegro disse...

Bom dia, querida poeta. Um prazer compartilhar com você de vários espaços e ainda ter o privilégio de receber os seus convites.

É sempre um prazer e um grande satisfação para o poeta ter um poema (e/ou seu corpo poético) avaliado por alguém tanto competente para tal. É um reconhecimento justo do seu valor.
Espero que tudo isto sirva ainda mais para inspirar grandes poemas.

A profundida da poesia é qualquer coisa de apaixonante. Um vôo d'alma.

Não digo parabéns, digo obrigado por existir!

Um grande abraço e obrigado por nos oferecer suas obras.

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

Mais uma vez agradeço pelo que leram do poema e pela visita a este blog. Rogel Samuel