domingo, 22 de fevereiro de 2009

No mar que nada tem a dizer






No mar que nada tem a dizer



Rogel Samuel




Jefferson Bessa escreveu um poema que diz:


Deixe-me no mar que nada tem a dizer



Deixe-me no mar que nada tem a dizer
Deixe enrolar-me
nas ondas que florescem
Cá na beira onde meu corpo
se dobra

Por lá não posso estar
Mas aqui na ponta do mar
desponta o que bate em mim
Em mim que não sou
Mas que sou com o mar o que brota
em cada baque
seu
neste litoral

Seu mar é seu próprio corpo, nomeado. Nomear é a presença! A impessoalidade é um fenômeno humanamente trágico, embora “normal”, visto no plano poético. Seu litoral é o limite de seu não-ser. Mas o impessoal, que se vê como mar, que tem a consciência de ser mar, ou que tem a sabedoria do vazio, é o poético. Esse vazio, ser mar, nada-ser ou não-ser-nada, quer ser algo: quer ser si mesmo, o resultado de seu esforço por ser-algo é o acontecimento de seu despontar "em mim que não sou".

O que o poema diz é: deixe-me ser como sou! deixe-me ser o que sou!

O nada, ao emancipar-se, ao passar a ser, esbarra na inutilidade de seus esforços
do despontar aquilo que brota a cada instante em si, em cada onda.

Todo esforço, que parte de algo que tende a explicar-se, é ser mais, portanto
na natureza do esforço mesmo de ser deixado em paz, a partir do nada, reside uma pretensão de emancipar-se, portanto de ficar em paz.

A realidade do poema: o sujeito é o objeto: deixe-me significar o que dei-me de mim a mim-mesmo o direito de ser.

O mar nada tem a esconder, a me dizer, pois sou eu-mesmo que me visto de oceano.

2 comentários:

Jefferson Bessa disse...

Amigo Rogel,

Lindo comentário que envolve por completo o poema. Obrigado pelo gesto generoso e gentil. "O mar nada tem a esconder, a me dizer, pois sou eu-mesmo que me visto de oceano." Lindo!

Abraço
Jefferson.

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

O seu poema inverteu a perspectiva do mar, onde o sujeito é o objeto, objetiva-se ali, na água.
Muito bom poema. Rogel Samuel