sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Discurso do Presidente Juscelino Kubitschek ao inaugurar o Palácio da Alvorada, em 30 de junho de 1958.






04 de Junho de 2009


“Entre os conselhos que me deu o venerando e antigo Arcebispo de Diamantina, Dom Serafim Gomes Jardim, no começo da jornada política que me conduziu à chefia do Governo, figurava o de cultivar a virtude da paciência. Vendo-me preparado para enfrentar tempestades, lutas e maldades em viagem tão perigosa, pediu-me o Santo Homem que me munisse de prudência e paciência, elementos indispensáveis e preciosos nessa longa caminhada. Posso, examinando-me detidamente, concluir que não dispensei o conselho amigo e que, se pude realizar alguma coisa de positivo do meu ambicioso programa, sem dúvida o devo a ter medido as minhas forças antes de cada passo, e ter exercido, até ao grau da mortificação, a paciência.

Brasília é um dos frutos da paciência que Deus me deu. Tenho-a mantido ao ouvir críticas e comentários os mais injustos e, mais do que injustos, repassados de incompreensão, esta acirrada inimiga da paciência. A injustiça tem sua origem quase sempre na paixão cega. A incompreensão, entretanto, porque uma forma de injustiça total, é o que mais fortemente acicata a paciência. É a incompreensão o mais escarpado de todos os óbices que devemos galgar, ainda que com as maiores dificuldades, para avançar e prosseguir na rota em que nos empenhamos.

A iniciativa de Brasília tem sido posta em dúvida por alguns setores da opinião pública. Sobre a operação da mudança de nossa Capital se fizeram ouvir, até agora, palavras vãs, erros de apreciação e, principalmente demonstrações que revelam desconhecimento da magnitude do efeito. Mas é preciso frisar que a idéia de Brasília já se enraizou no espírito dos homens de boa vontade, dos que não tem outro interesse e outro alvo senão o de querer arrancar da improdutividade uma imensa extensão territorial brasileira. Minha paciência em não discutir o que sei fruto da falta de visão, em suportar observações improcedentes, não me arrefeceu o ânimo e a resolução de levar avante a empresa que talvez pareça arrojada, mas que é medida inadiável e urgente para a transformação deste país.

Não podemos continuar indefinidamente a ser um território manchado de desertos, com uma população na sua maior parte colada ao litoral, com as mais ricas zonas do nosso território abandonadas e que servem apenas para referências literárias.

O nosso destino de ser grande nação é tão imperioso e forte, que é temeridade contrariá-lo, sufocá-lo. Nascemos com proporções continentais; nossa visão humana não pode ser menos ampla que a nossa realidade geográfica. Não teríamos proposto que se iniciasse um combate tenaz ao subdesenvolvimento em todo este hemisfério, sem que em nosso próprio território tivéssemos dado o exemplo dessa decisão. Esse combate, essa bandeira que acenamos aos países irmãos do Continente, a fim de que se revigore a unidade da América e não se perca o elevado ideal do pan-americanismo, está a exigir de todos os brasileiros decisão e firmeza.

Aproveito esta hora, de importância decisiva para o nosso destino de grande nação, em que lutamos e empreendemos urgentes esforços para assegurar ao Brasil a posição a que tem direito, e diante da responsabilidade que assumimos no campo internacional, desejosos de promover a harmonia e o fortalecimento de todo o Continente, aproveito esta hora para fazer um apelo a todos os brasileiros. O meu apelo é no sentido da paz e da união, não em torno de meu governo e da minha pessoa, que somos passageiros, mas em torno do Brasil, que desejamos eterno, do ideal que nos inspira, para que a nossa voz se faça ouvir forte e clara, acima dos ressentimentos e das dissenções momentâneas.

Mas a luta pelo desenvolvimento deve começar em nosso próprio país. E Brasília é um dos pontos básicos dessa luta de integrar o Brasil no seu território, de fortalecer a nação. Brasília não resulta apenas da obrigação de obedecer a um preceito constitucional: é um marco, é a bandeira de luta contra o subdesenvolvimento. E é mais que isso: é a conquista do que tem sido nosso apenas no mapa.

Não quero perder-me em palavras, nem com elas elevar torres de sonhos. A verdade e a justiça reclamam que o povo brasileiro seja informado e se dê conta de que estamos empreendendo a suspirada marcha para o Oeste, tão decantada e tão prometida, por anos e anos, à nossa gente.

Longe dos olhos citadinos, por entre dificuldades e tropeços de toda a sorte, vamos caminhando na conquista do Brasil. Enquanto nos distraímos e reclamamos nas cidades cheias de luz; enquanto nos empenhamos em debates políticos e outros, há um exército de vinte mil trabalhadores praticando feitos memoráveis no coração de nosso país, entre os quais a construção da estrada que em breve ligará diretamente a nova Capital da República à Região amazônica. É a Brasília-Belém, de dois mil e duzentos quilômetros, dos quais, já estão prontos 1.050. Trata-se, sem hipérbole, do desbravamento da grande selva. Quinhentos e cinqüenta quilômetros se abrem no meio de uma floresta densa, em que as árvores se perdem em alturas que custamos a crer, atingindo algumas até 70 metros. É um pedaço do Brasil que jamais, até hoje, nenhum homem da civilização trilhara. Reino de bichos selvagens, onde apenas alguns índios logram suportar o ambiente hostil.

Vinte mil seres, nossos irmãos, estabelecem a ligação entre a cidade que acaba de nascer e essa Amazônia que deixará de ser a misteriosa terra que Euclides da Cunha descreveu como mal despertando de um sono cósmico. Para se ter uma noção mais completa ainda de que tudo está por fazer nesse mundo de Deus, basta lembrar, aqui, que só agora um rio da importância do Tocantins vai ser atravessado por uma ponte de mil e duzentos metros.

Mas não é apenas essa obra ciclópica que está sendo tocada com rapidez inusitada. O plano de comunicações envolvendo Brasília e toda a região vai sendo executado com a perfeição e urgência possíveis. A rodovia Anápolis-Brasília acha-se concluída, com 130 quilometros asfaltados, estabelecendo assim a ligação indispensável da nova cidade com a Estrada de Ferro de Goiás. Já vai sendo também levada adiante a ligação São Paulo-Brasília. Até aqui só se faziam estradas de primeira qualidade para unir cidades importantes a sítios amenos, de prazer e veraneio. O Brasil oculto, pelo abandono e pelo esquecimento, não merecia grandes atenções. Em 1960 espero em Deus, com o esforço de nossos engenheiros e trabalhadores, que não só esta estrada, mas as outras projetadas também, como Rio-Belo Horizonte-Brasília, sejam entregues ao tráfego.

Vai fazer um ano e meio que desci aqui num campo de pouso provisório. Nada havia ainda. A mão do homem não erguera construção, nem cultivara terra. Era o campo bruto, a solidão, os horizontes rasgados do oeste. Aos pioneiros que deviam iniciar a ofensiva conquistadora cedeu o Exército barracas de campanha. Mas na primeira noite não foi possível a ninguém dormir. Uma onça rondava os pousos dos novos bandeirantes. Já vamos longe desse primeiro encontro que pertence ao dia de ontem, ainda quente, mas que em breve será uma hora na história de nossa civilização. Parece distante, pelo progresso que conquistamos, aquela primeira missa que aqui rezou Sua Eminência o Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, num altar armado no tempo, e cujas sábias e inspiradas palavras guardamos carinhosamente nas páginas iniciais da crônica de Brasília, que o futuro escreverá. O primeiro templo, dedicado à Senhora de Fátima, eleva-se na sua singeleza. O primeiro hotel, correto e moderno, se abre para atender aos que incessantemente procuram Brasília. O palácio do governo está concluído.

Experimento, meus senhores, uma sensação que se assemelha à da tranqüilidade. Vejo que o sonho adquire bases firmes de realidade; que tudo começa a concretizar-se.

Sei que não são pequenos os investimentos, mas sei também que são os mais mutáveis e certos que este país já fez até aqui em favor da unidade nacional e que libertarão o Brasil de muitas limitações. O país, forte e rico de amanhã, pagará facilmente o empréstimo que o país necessitado de hoje lhe faz. Chegou o momento de realizar-se a operação em benefício da saúde do Brasil.

As pequenas soluções não passam de paliativos que permitem apenas enfrentar as dificuldades de todo o dia. A mudança a que estamos procedendo, e que já procedemos, corresponde, pelos seus efeitos, a uma mudança do Brasil. É singular que se inquira de inoportuna e rentabilíssima operação que nos dará posse de nós mesmos, que nos trará possibilidades reais e a curto prazo, se medirmos os dias ao ritmo próprio das nações.

Alega-se que a geração atual está sendo sacrificada por uma idéia que só trará beneficio às gerações futuras. E se assim fosse? Haverá alguma coisa que mais eleve e justifique a vida humana do que essa oferenda de nós mesmos aos que nos sucederão no tempo? Condenar Brasília, porque não é para os nossos dias, e porque é um problema adiável, é atentar contra a verdade três vezes. O primeiro atentado vai contra a cidade mesma que já começa a erguer-se. Veremos, dentro em breve, em pleno funcionamento, a nova Capital dos Estados Unidos do Brasil. Ei-la jovem, mas presente. Outro atentado é alegar que poderíamos adiar a mudança, o que equivale, em termos exatos, a adiar a recuperação do Oeste brasileiro.

Digo e repito, e em dias futuros estas palavras serão mais bem compreendidas do que hoje – Brasília era inadiável. Mas apenas para argumentar – mesmo que não pudessem os homens de hoje ver viva a nova cidade, condená-la por esta razão – eis o terceiro atentado – seria condenar que se lançasse à terra a semente de uma árvore que fosse frutificar quando a mão do semeador se tivesse transformado em cinza. Ainda que esta árvore, que já surge aos nossos olhos com ramos promissores, levasse um século para crescer, não nos teríamos precipitado em plantá-la. Compreendo que alguns duvidem deste empreendimento. É que a razão de se estar mudando a capital para o centro do país é uma razão de fé, de confiança no Brasil. Quem tem confiança no Brasil crê em Brasília.

Tenho fé neste país. A fé que o Brasil me inspira é que me faz enfrentar lutas e cansaços e multiplicar a minha resistência. Não desconheço que as dificuldades que nos cercam são ponderáveis. Quem as conhece melhor do que eu? Mas como tenho fé, e estou apoiado em homens de fé, aí está a nova capital. Aí está Brasília que é, não o fim ou o objetivo de nossas lutas, mas o marco inicial desta dura e difícil jornada em demanda do grande Brasil.”

Discurso do Presidente Juscelino Kubitschek ao inaugurar o Palácio da Alvorada, em 30 de junho de 1958.


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