MEDITAÇÃO
NO PARQUE
Rogel Samuel
Meditação no parque. Vento frio, apesar
do verão. Frio, em Poços de Caldas. Reflexão no Parque. Passou.
A criança passa, passa por mim, na pequena bicicleta. Olha para mim. Sorri.
Nenhum plano, para o futuro. O futuro, esse não existe. Possivelmente não, nada
será igual ao que planejamos. Mesmo. Passou, mas
valeu. Se tive lá o meu cálice de lágrimas, também sorvi, e com avidez, a minha
taça de prazeres e realizações. De um certo ponto de vista, esse foi um dos
melhores tempos de toda a minha vida.
Não, não se deve pensar em melhorar o que é, o que está, e está bem em
sua própria natureza de ser. A vida, esta coisa se oferece, como ampla paisagem,
- nós tomamos o rumo. A vida é restauração, é tempo, tempo que se esgota, que
se encurta, momento a momento, cada vez menor. Menos tempo, menos vida, a cada
respiração mais próximos do fim, a temporalidade se põe no horizonte, como o
sol, ainda muito brilhante, mas cadente. Que fizemos nós, do tempo que
dispomos? Dizia o mestre Suzuky: «O Zen ordena que neguemos tudo o que se
atravesse em nosso caminho, e mesmo essa tentativa de negar deve ser negada».
Toda experiência de vida é única, se recusa a ser explicada. A vida, - um
presente que recebemos devido à nossa coragem, ao nosso amor, ao nosso
interesse pelas outras pessoas. Que fizemos nós, na vida? Da vida? A
que tipo de vida nós nos propusemos? Somo todos esquecidos, vivemos sonâmbulos ou irrequietos. Nós nos
esquecemos dela, da vida, seja o que for, do viver com amplidão de sentido. Nos
esquecemos. Em 2003 escrevi essas crônicas. Com regularidade. Tive quem mas
lessem. Tive alguns bons leitores. De qualidade. Veja você. Há uns poemas de
Saichi, o carpinteiro poeta, que dizem:
Onde
estas tu, Saichi? No céu?
Aqui é o céu.
Esse eu, com um olho
dado por ti,
O olho que te vê.
Soam agradavelmente aos ouvidos os
ruídos do parque. Algumas vozes. Longínquas. Gritinhos estrídulos, crianças,
pássaros. As velhas andam, vagarosas. Pesadas de passado. Se se libertassem do
passado, dançariam, livres, leves, soltas no ar como nuvens. Como pássaros. O
passado tem seu peso morto, acumulado, lastro do navio casco cheio de lodo
ferro. Entre as flores passam jovens namorados, ainda jovens, ainda puros. Ele
acreditam no amor, acreditam na vida. Seus corpos belos frescos, eles irradiam
felicidade. Rosas. Eu hoje acredito no amor. Acredito na vida. As rosas abertas
ao verão, às chuvas de verão. Sinto-me irmão daquelas velhas, confuso, lúcido,
como os namorados, as crianças. Escreveu Fernando Pessoa (ou melhor Ricardo
Reis, seu outro):
Prazer, Mas devagar,
Lídia, que a sorte àqueles não é
grata
Que lhe das mãos arrancam.
Furtivos retiremos do horto
mundo
Os depredandos pomos.
Não despertemos, onde dorme, a
Erínis
Que cada gozo trava.
Como um regato, mudos
passageiros,
Gozemos escondidos.
A sorte inveja, Lídia.
Emudeçamos.
Sim,
Pessoa, ou Ricardo Reis, tão sábio. As Erínias eram as Fúrias, seres terríveis
que representavam o restabelecimento da Ordem, destruída por um crime. Eram
vinganças vivas, e viviam no Erebo. Seres anteriores ao próprio Zeus.
Geralmente havia três deusas, três Fúrias, tinham víboras em lugar de cabelos,
cara de cão, corpo de vampiro, os olhos sanguíneos. «Erinis» significa
«odiosa». O chamá-las de «Fúrias», como os Romanos, significava que eram «a
loucura da vingança». Pessoa considera o prazer como um «crime», ou melhor, ele
criminaliza o prazer do amor, o resvala na sua sexualidade. «Não despertemos, onde
dorme, a Erínis / Que cada gozo trava», significa
«gozemos escondidos». Como um regato entre árvores, como passageiros mudos,
como adolescentes em «pecado», gozemos no escondido, no escuro, ou nas sombras
do parque desta meditação do parque, com o cuidado e o medo do despertar
policial das Erinis.
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