As portas da FNFi
A primeira pessoa que encontrei na porta da Faculdade foi
Anísio Teixeira.
Mas eu não sabia. O primo de meu pai, Gervásio, me levou até
bem perto do prédio e lá fui eu, com 18 anos de idade.
– Aqui é a Faculdade Nacional de Filosofia? – perguntei para
aquele senhor mal-vestido, de óculos velhos de aros “de tartaruga”. Pensei que
era o porteiro. Era Anísio Teixeira, conforme depois soube, meu professor de
Filosofia da Educação.
Ele me orientou, da porta, e eu fui inscrever-me no Vestibular,
recém-chegado de Manaus.
Não passei, naquele primeiro vestibular.
No dia da prova de francês, estava com febre de 40 graus e D.
Marcella Mortara me reprovou, ou melhor, inutilizou minha prova com um risco
diagonal e escreveu como nota: “Ilegível”, e aplicou um zero.
Sempre tive uma péssima letra. Até hoje. Eu devia ter estudado
caligrafia, como se faziam os antigos.
Por isso, estudei ali no Curso Vestibular da própria Faculdade,
gratuito, por um ano. E foi bom.
O curso era do Diretório Acadêmico (um ano depois eu era
professor ali), e os professores eram os alunos... mas uns gênios.
Fui aluno do Antônio Pio (onde andará), de latim. Lia latim e
grego como eu hoje leio jornal. Anos depois foi aposentado precocemente vitimado
por misteriosa doença. Fui aluno de Antonio Augusto, depois assistente do Celso
Cunha. Ali só havia gênios.
Eu morava em quartos alugados e comia no Calabouço, restaurante
da UME, União Minicipal dos Estudantes, que ficava nas imediações do Aeroporto
Santos Dumont.
O Aterro estava sendo feito.
Tive a sorte de passar em primeiro lugar (foi o que me disse
depois Aluísio Trinta) para o Vestibular de Letras Clássicas. Pura sorte.
Havia 20 vagas, só passamos creio que 12. Provas escritas e
orais.
Celso Cunha, na prova, mandou que justificássemos o verso de
Camões: “Mas porém a que cuidados”. Ele queria se explicasse o “mas porém”.
E por aí foi.
O meu quarto, no Maracanã, dava para um beco e uma casa
abandonada.
Dali eu só tinha a visão daquele muro velho e, à esquerda, uma
árvore antiga daquela rua Eurico Rabelo.
Como eu precisava de mesa, comprei um “bureau” usado, antigo,
de madeira preta, que pertencera a um ministério. Era gigantesco.
O Maracanã ficava em frente, e nos grandes jogos cada gol soava
como uma onda que se elevasse saída de um vulcão furioso.
Era possível entrar no Maracanã vazio, ir até o gramado, olhar
do centro para a periferia, para aquelas galerias monstruosas e vazias,
descritas por Clarice Lispector num belo conto.
Passei a explorar o Rio, de ponta a ponta.
Nos dias livres tomava um ônibus e visitava Caxias, Meriti, São
Gonçalo etc.
Chegava no fim da linha, pegava o ônibus de volta.
Foi aí que desenvolvi o espírito de viajante. Mais tarde
percorri o Nordeste, o Sul, e depois o mundo, Katmandhu, Sydney, Paris...
O espírito de aventura. Que perdi, depois de velho.
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