O SALÃO DEFUNTO
ROGEL SAMUEL
Em um dado momento, Proust diz de um “salão defunto”, um salão que não existe mais, mas moralmente resiste, conserva-se na imaginação, seu espírito sobrevive.
Os móveis podem ainda estar em outro lugar, mas só o antigo espaço sobrevive, como uma imagem virtual, uma fotografia espiritual, mas viva.
E eu senti logo que eu tenho vários, senão salões, mas salas antigas na minha memória.
A mais antiga é a da rua 24 de Maio, em Manaus, onde havia uns móveis escuros, a mesa de jantar, com fruteira, e as poltronas de pano listado. Uma vitrola, um móvel antigo chamado vitrola, ou eletrola, com rádio e toca discos, da marca RCA.
Isso existiu e eu me lembro bem das portas e da disposição dos quartos.
Eu tinha 5 ou 6 anos.
A segunda sala de que não consigo esquecer é aquela de um apartamentozinho conjugado onde morei em Copacabana, e nesse caso tenho no espírito a entrada: era a época mais cruel da ditadura militar e eu tinha ali fotos de Guevara, Fidel e Marx,
o que era perigoso.
Do resto da casa não me lembro bem, só da entrada, do seu espírito de época dos anos 60.
Lembro-me vagamente de todos os lugares onde vivi, mas esses dois me são os mais presentes.
Um dia, naquele apartamento de Copacabana, levei Antonio Carlos Villaça, o escritor. Ele se referiu depois negativamente ao lugar num dos seus livros de memória (sem citar o meu nome), dizendo que o espaço era muito “enfeitado”.
Meu vizinho era um médico, irmão do escritor Herbert Palhano, que conheci, a cujo curso de especialização em Manaus eu assisti.
Palhano era professor de língua portuguesa no Colégio Pedro II e autor de alguns excelentes livros de gramática e redação.
Ao lado daquele apartamento ficava o famoso “Beco da fome”, aonde eu ia quase todos os dias beber e comer. Principalmente beber.
Naquele tempo eu dava aulas particulares de língua portuguesa ali mesmo dentro de casa, e havia duas meninas irmãs que eram minhas alunas, me pagavam muito bem, e todos os anos me procuravam. Eram filhas de um homem muito rico, diretor de
um banco que existe até hoje. O pai só veio à minha casa no primeiro dia, conhecer o professor. Depois elas vinham sozinhas.
Eu tinha uma bela coleção de LPs de música clássica, jazz e rock.
Na realidade era um apartamento pequeno, dividido ao meio pela minha estante de livros. Um espaço só. A janela tinha uma espécie de vitral pintado pelo pintor Vidocq Casas, meu amigo. Tons verdes e amarelos, uma abstração. Quando o luz incidia,
raios de luzes coloridas invadiam o espaço e a cama.
Vidocq também pintou um quadro para mim, grande, que ainda deve existir na antiga casa que era de minha mãe.
Ao lado, a rua apontava para a praia, para o mar, que ficava logo ali.
O mar, recomeçando sempre.
Os móveis podem ainda estar em outro lugar, mas só o antigo espaço sobrevive, como uma imagem virtual, uma fotografia espiritual, mas viva.
E eu senti logo que eu tenho vários, senão salões, mas salas antigas na minha memória.
A mais antiga é a da rua 24 de Maio, em Manaus, onde havia uns móveis escuros, a mesa de jantar, com fruteira, e as poltronas de pano listado. Uma vitrola, um móvel antigo chamado vitrola, ou eletrola, com rádio e toca discos, da marca RCA.
Isso existiu e eu me lembro bem das portas e da disposição dos quartos.
Eu tinha 5 ou 6 anos.
A segunda sala de que não consigo esquecer é aquela de um apartamentozinho conjugado onde morei em Copacabana, e nesse caso tenho no espírito a entrada: era a época mais cruel da ditadura militar e eu tinha ali fotos de Guevara, Fidel e Marx,
o que era perigoso.
Do resto da casa não me lembro bem, só da entrada, do seu espírito de época dos anos 60.
Lembro-me vagamente de todos os lugares onde vivi, mas esses dois me são os mais presentes.
Um dia, naquele apartamento de Copacabana, levei Antonio Carlos Villaça, o escritor. Ele se referiu depois negativamente ao lugar num dos seus livros de memória (sem citar o meu nome), dizendo que o espaço era muito “enfeitado”.
Meu vizinho era um médico, irmão do escritor Herbert Palhano, que conheci, a cujo curso de especialização em Manaus eu assisti.
Palhano era professor de língua portuguesa no Colégio Pedro II e autor de alguns excelentes livros de gramática e redação.
Ao lado daquele apartamento ficava o famoso “Beco da fome”, aonde eu ia quase todos os dias beber e comer. Principalmente beber.
Naquele tempo eu dava aulas particulares de língua portuguesa ali mesmo dentro de casa, e havia duas meninas irmãs que eram minhas alunas, me pagavam muito bem, e todos os anos me procuravam. Eram filhas de um homem muito rico, diretor de
um banco que existe até hoje. O pai só veio à minha casa no primeiro dia, conhecer o professor. Depois elas vinham sozinhas.
Eu tinha uma bela coleção de LPs de música clássica, jazz e rock.
Na realidade era um apartamento pequeno, dividido ao meio pela minha estante de livros. Um espaço só. A janela tinha uma espécie de vitral pintado pelo pintor Vidocq Casas, meu amigo. Tons verdes e amarelos, uma abstração. Quando o luz incidia,
raios de luzes coloridas invadiam o espaço e a cama.
Vidocq também pintou um quadro para mim, grande, que ainda deve existir na antiga casa que era de minha mãe.
Ao lado, a rua apontava para a praia, para o mar, que ficava logo ali.
O mar, recomeçando sempre.
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