terça-feira, 7 de abril de 2015

A beleza pesa como a morte













A beleza pesa como a morte

Rogel Samuel

Todos conhecemos «A CANÇÃO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK» de T. S. Eliot. E conhecemos seus labirintos, seus desvios, suas alusões. Sua dificuldades de leitura, a começar pelos primeiros versos:

Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refúgios
De noites indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de botequins onde a serragem
Às conchas das ostras se entrelaça:
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
É atrair-te a uma angustiante questão.
Oh, não perguntes: “Qual?”
Sigamos a cumprir nossa visita.

Os poetas mais difíceis são os que mais me impressionam. Não a dificuldade aleatória, gratuita. Mas a profundidade dos semas mais alucinantes, como no «Por de sol» de Holderlin, na tradução de Manuel Bandeira:


Onde estás? A alma anoitece-me bêbeda
De tôdas as tuas delícias; um momento
Escutei o sol, amorável adolescente,
Tirar da lira celeste as notas de ouro do seu canto da noite.


Ecoavam ao redor os bosques e as colinas;
Êle no entanto já ia longe, levando a luz
A gentes mais devotas.
Que o honram ainda.

Nos versos de Elliot, o anoitecer é um «um paciente anestesiado sobre a mesa». Esta metáfora hospitalar retorna no que pergunta:

E valeria a pena, afinal,
Teria valido a pena,
Após os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio,
Após as novelas, as chávenas de chá, após
O arrastar das saias no assoalho
- Tudo isso, e tanto mais ainda? -
Impossível exprimir exatamente o que penso!
Mas se uma lanterna mágica projetasse
Na tela os nervos em retalhos...

Sim, «impossível exprimir exatamente o que penso! », diz, ele, Eliot, como se «uma lanterna mágica projetasse / Na tela os nervos em retalhos...»
A beleza está no que não diz, mas retém. Silencia.
Nos versos de Holderlin a alma anoitece bêbada de prazeres, dos prazeres da poesia. O sol joga uma malha de ouro sobre tudo e começa a cantar. O som do canto ecoa nas colinas. Nos bosques. Há uma pátina de sexualidade nesse cantar, bêbado de prazeres. O adolescente-poeta escuta o ouro do cantar do sol, que leva as luzes. A noite caminha próxima, há delícias no ar desse poetar. Nesse pomar, como a «Quietude», de Ungaretti, que diz, na tradução de Menotti del Picchia:

A uva está madura e campo arado,
o monte se destaca das nuvens.

Nos poentos espelhos do verão
caiu a sombra

Entre os dedos incertos
sua luz é clara
e longínqua

Foge com as andorinhas
o último desespero

Ou «Já se desprende a magra flor», de Salvatore Quasimodo, na tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti:

Nada saberei de minha vida
escuro monótono sangue.

Não saberei quem amei, quem amo
agora que aqui contido, reduzido a meus membros,
no gasto vento de março
enumero os males dos dias desvendados.

Já se desprende a magra flor
dos galhos. E eu contemplo
a paciência de seu vôo irrevogável.

Ou, na «Imitação da alegria», diz Quasimodo:

Ali onde as árvores fazem
a tarde ainda mais abandonada
indolente
sumiu teu último passo,
como a flor que mal se mostra
sobre a tília e insiste em viver.

Buscas sentido para teus afetos,
encontras o silêncio em tua vida.
Outro destino me revela
o tempo refletido. Pesa-me
como a morte, a beleza que agora
noutras faces brilha.
Perdida está toda coisa inocente
mesma nesta voz, sobrevivente
a imitar a alegria.

O que o poeta diz é «vamos, tu e eu», «sigamos por certas ruas quase ermas, através dos sussurrantes refúgios», « Ali onde as árvores fazem / a tarde ainda mais abandonada», «nos poentos espelhos do verão / Entre os dedos incertos», vamos « tirar da lira celeste as notas de ouro do seu canto da noite». Enfim, vamos buscar da poesia o poema e mergulhar no «sentido para teus afetos», pois a beleza pesa como a morte.

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