COMO FOI COMIGO EM KATMANDHU
Rogel Samuel
Eu fui três vezes ao Nepal. Conheci meu Guru em
Katmandhu.
Eu o conheci no dia 2 de Janeiro de 1994, meu
aniversário. Não esqueci a data, eu tinha chegado do Brasil para encontrar o
Lama Lobsang Tenpa, que tinha estado conosco por dois anos e meio. Lobsang
Tenpa morava no mosteiro de Kopan, nas montanhas.
Minha viagem tinha sido um inferno. Era a primeira
vez que eu ia ao Oriente. Trazia três
pesadas malas: a minha, a outra, cheia de
oferecimentos para os Lamas (tinha até quilos de pedras coloridas) e a terceira,
dos livros do lama tibetano Lobsang Tenpa, que era a mais pesada. Saí do Rio e
cheguei em Amsterdan no dia do natal.
Uma confusão no aeroporto de Amsterdan, pois era de
noite, eu queria colocar as malas num porta-malas para não levá-las para o
hotel. Triste idéia, pois o aeroporto é uma cidade, levei uma hora para
descobrir onde era e arranjar as moedas pra poder abrir o armário. Cometi outro
erro: meu sobretudo ficou ali. Quando cheguei do lado de fora a temperatura
estava vários graus abaixo de zero.
No dia seguinte fui taxado com uma grande multa de
excesso de bagagem e viajei para New Delhi. Ali novos problemas: atravessei a “fronteira"
do Aeroporto, pois tinha visto da Índia, e a polícia não me deixou voltar,
já que meu
vôo para Katmandhu era no dia seguinte. Acontece que eu pretendia ficar no
Aeroporto, pois tinha pouco tempo para um hotel e o tráfego ali é terrível.
Vi-me na rua, cercado de mendigos que pediam e de meninos que puxavam minhas
malas e roupas, oferecendo-se para carregá-las (ou talvez sair correndo com
elas, um para cada lado).
Enfim descobri um canto no Aeroporto onde ficar.
Tinha mendigos ali também. Trauma de quem mora no Rio (pois a Índia é muito
mais segura).
Outro problema: como ir ao banheiro, abandonando as
malas? Não havia
carrinho. Enfim descobri duas jovens americanas com
quem deixei as
malas. O Aeroporto de Nova Delhi melhorou muito,
depois.
A chegada em Katmandhu foi outra odisséia. Mas não
conto.
Naquele mesmo dia falei do meu hotel com o Lama
Lobsang Tenpa pelo telefone, tomei um táxi e fui levar seus livros pela pior
estrada do munde. Fiquei ali umas horas, o táxi esperando (era barato), e no
dia seguinte mudei-me para o mosteiro de Kopan.
Ali quase morri de frio. Muito abaixo de zero era a
cabana onde me alojaram, sem calefação. Uma noite acendi todas as velas que
pude, perto de mim. Mas algo me dizia que não era aquilo. Tive sonhos estranhos.
Eu tinha de sair dali.
Um dia o Geshe (Lama) disse para mim: vá, veja os
lugares importantes lá fora. O abade me perguntou: "Você pensa em ficar
aqui?" Enfim, eu era gentilmente expulso do primeiro mosteiro budista onde
pretendia
permanecer em retiro.
Assim, no dia 2 de janeiro, abandonando minhas
complicadas malas (se você for ao
Oriente não leve nada, apenas uma bolsinha ou mochila),
desci a montanha num caminhão cheios de monginhos
que iam a um pic-nic e
faziam grande algazarra. Desci em Boudanath, perto
da grande estupa de Gerukansor. Aluguei um quarto no famoso Lotus Guest House.
Entrei numa loja, disposto a bisbilhotar. Era uma loja de artigos de Dharma, estátuas
de Bhuddhas etc. Ali conheci o dono, que ficou meu amigo e que sempre
reencontro quando volto lá. Ele
me disse: "You must see the King of Sakyas!". ("Você
tem de ver o Rei dos Sakyas!").
Eu não tinha a menor idéia de quem era aquele
"Rei". Já que por ali há vários Reis,
pensei tratar-se de um deles. Subi a rua indicada pelo meu amigo.
No mosteiro Tharlan, mil monges estavam do lado de
fora, ao redor.
Era um espetáculo muito bonito de ver. A Gompa estava fechada, mas às vezes a grande porta se entreabria e os monges se
prosternavam, em reverência. Eu sentia que lá dentro estava alguém da máxima
importância.
Eu comecei a tirar fotos. Sempre gostei. Já ganhei
até um prêmio nacional de fotografia. Já
tive laboratório em casa. Comecei a clicar,
pra todos os lados. Havia uma portinha lateral
aberta. Me deu uma curiosidade de ver lá dentro. Entrei devagar. Parei. Ninguém
me dizia
nada. Atravessei e... eis que me vejo dentro do
grande mosteiro vazio e no seu centro, sentado em meditação, na minha frente, Sua Santidade
Sakya Trizin que se estava preparando para conceder
a primeira iniciação da "Coleção de todas as sadhanas" (Dun Tab Kun
Tub).
Foi um choque. Fiquei estarrecido, imóvel. Olhou
para mim, e me cumprimentou, com a cabeça. Naquele momento eu soube que aquele
era o meu mestre, em pessoa.
Fiquei dois meses ali, com ele, de manhã à noite,
recebendo a Coleção das sadhanas, que estava começando.
Foi assim.
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