NY 
Rogel Samuel 
Não. Nunca fui a New York. Nem quero falar de terrorismo, aqui. Só o 
Aeroporto conheço. A última vez que passei foi no ano passado. Vinha de 
Portland. Sobrevoamos NY. À minha direita, a bela paisagem, estátua da 
liberdade e torres do World Trade Center. Sobrevoávamos. É bom não 
confundir terrorismo, com islamismo, como se tem feito. Mas não quero 
falar disso. No "day after", TV ligada. Ontem vendo a TV. Naquela noite, 
junto que meu amigo CL, que deve estar lendo em São João del Rey, o fim 
do governo militar, num bar do Catete. Comemorávamos. Não cantávamos, 
mas bebíamos e comíamos, que beber e comer é comemorar, prazeres humanos 
antes da morte. Cheguei em casa, feliz e bêbado de felicidade, ligo TV e 
rádio ao mesmo tempo, atrás de notícias. Tancredo no hospital. Passei a 
noite vendo aquele repórter da globo que depois virou governador. O dia 
nasceu, transcorreu. Tenho paixão pela reportagem. Fui repórter bem 
jovem, em Manaus, aos dezessete anos. Jornalista de coração. Tenho na 
carteira registro, ainda. Não sei para que serve, hoje. Jornal se fazia 
de madrugada. Podia ter feito carreira, trabalhei na TV Rio, no Posto 
Seis. A vida é um caminho ao inesperado. Ao desconhecido. Que buscamos? 
"Que é viver? Permanecer, ou passar?" Não quero falar de New York, 
cidade que não conheço, prédios que nunca vi. Fazia frio de madrugada. 
Espero que, neste sábado, não esteja passando o filme: "O império 
contra-ataca". Prefiro voltar à leitura de Alencar, que leio a 
conta-gotas. Melhor voltar a falar de Manaus, de Bach, Beethoven. Chega 
de tragédia! Meu medo não é do terror, mas da reação americana, sempre 
exagerada. Está todo mundo falando em ódio, em vingança. "O ódio não 
cura o ódio", diz um provérbio budista. "Cura-se o ódio com amor". 
Buscam-se culpados fora. Às vezes estão dentro de nós. No nosso coração. 
Mas é melhor hoje relaxar, que a crônica, bem ou mal, está escrita. Ufa! 
Arafat doando sangue significa "nós temos dado o nosso sangue na guerra 
para defender a existência do Estado Palestino". O sangue dos 
inocentes não justifica o sangue dos inocentes. Se os Estados Unidos 
forem à guerra, terão caído na armadilha preparada pelos terroristas. É 
isso exatamente o que eles querem: a guerra. Esses aviões-bombas 
atingiram a todos nós, de quaisquer nacionalidades, que sonhamos com a 
paz. Diante de toda essa desgraça tenho voltado a um longo poema, 
escrito em 1963, que nunca publiquei, porque nunca julguei acabado, mas 
alguns versos transcrevo: 
sensação de que tudo estava excluído para 
quando entrou experimentou logo 
a solidão daquele espaço vazio 
atravessando a área descobriu no outro 
o lado o disfarce a saída que apontava 
uma estrada que partia sempre 
ninguém passa por aquela estrada 
só os inúteis demônios 
descortinava o vale as grandes montanhas além 
morcegos de vento passavam por ali idos 
musguentos estrídulos chiados estilhaços 
quebravam o ar seus gritos suas 
negras asas cobrem o sol a lua estrelas 
ouço o trinar grave e reto 
de certas aves ocultas travo rouco baixo e grave 
um monstro, seu arquejar forte seu resfolegar 
abre um túnel de torpor e medo as abas da morte 
se abrem par em par e rolando aquela parte 
se postou para frente, oh estrada! quando vinha 
soturno a triste impressão que navegava 
a luz da morte seus faróis naquela parte 
obscura e perdida onde ocorria tudo 
chamado vento sangue não sei o quê. 
 
 
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