quinta-feira, 7 de agosto de 2008
Andando para dentro do mar
ROGEL SAMUEL
Cheio de indagações irrespondíveis na cabeça ponho-me a ler o poema de Alfonsina Storni, na tradução de Oswaldo Orico:
Tu me queres alva,
me queres de espuma,
me queres de nácar,
que seja açucena
mais casta que todas.
De perfume suave;
corola fechada.
Nem raio de lua
filtrado me toque.
Nem a margarida
seja minha irmã.
Tu me queres nívea,
Tu me queres branca,
tu me queres casta.
Tu, que as taças todas
já tiveste à mão.
Os lábios corados
de frutos e mel.
Tu, que no banquete
coberto de pâmpanos,
as carnes gastaste
festejando a Baco.
Tu, que nos jardins
escuros do engano,
lascivo e vermelho
correste no abismo.
Ó tu, que o esqueleto,
não sei por que graça
ou por que milagre
conservas intacto,
só me queres branca,
(que Deus te perdoe!)
só me queres casta,
(que Deus te perdoe!)
só me queres alva.
Foge para o bosque,
vai para a montanha,
purifica a boca,
vive na humildade.
Segura com as mãos
a terra orvalhada.
Alimenta o corpo
de raiz amarga.
Bebe a água das rochas,
dorme sobre a geada,
renova os tecidos
com salitre e água.
Conversa com os pássaros,
lava-te na aurora.
E já quando as carnes
ao corpo te voltem,
e quando hajas posto
nas carnes a alma
que, pelas alcovas
ficou enredada.
Então, homem puro,
pretende-me nívea,
pretende-me branca,
pretende-me casta.
Hoje quase não se ouve falar de Oswaldo Orico (1900 — 1981), escritor paraense, diplomata, poeta, contista, romancista, biógrafo, da Academia Brasileira de Letras, autor de mais de 20 livros, pai de Vanja Orico. Era bom escritor,
muito lido em sua época. Sua tradução deu numa obra prima da lírica portuguesa, como uma leve canção.
Alfonsina Storni nasceu na Europa mas foi com os pais para a Argentina em 1896, onde foi costureira, operária, atriz e professora. Dizem que sabendo que estava com um câncer no seio em 1938 suicidou-se. Antes de se suicidar, escreveu o soneto “Voy a Dormir” e falam que se matou andando
para dentro do mar, como na canção "Alfonsina y el mar", de Mercedes Sosa. Seu corpo foi encontrado no mar no dia 25 de outubro de 1938. Alfonsina tinha 46 anos.
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