sábado, 2 de agosto de 2008
VARIAÇÃO SOBRE O POEMA
VARIAÇÃO SOBRE O POEMA
Rogel Samuel
O poema XI do Tao Te Ching de Lao Tse recebeu várias traduções em português, geralmente vindas de outras traduções de alguma língua européia. A de Emmanuel Carneiro Leão diz:
Trinta raios rodeiam um eixo
mas é onde o raio não raia
que roda a roda.
Vaza-se a vasa e se faz o vaso.
Mas é o vazio
que perfaz a vasilha.
Casam-se as paredes e se encaixam portas
mas é onde não há nada
que se está em casa.
Falam-se palavras
e se apalavram falas,
mas é no silêncio
que mora a linguagem.
É o Ser que faz a utilidade.
Mas é o Nada que dá sentido.
(A de Edmundo Montagne, traduzida em português: )
Trinta raios se juntam no cubo;
mas é o não existente entre eles o que
realiza a efetividade da roda.
De terra se fazem as vasilhas;
porém o não existente do meio realiza a
efetividade da vasilha.
Cortando portas e janelas se faz a casa;
porém esse não existente entre seus muros
realiza a efetividade da casa.
- Assim, pois, em geral
Do material depende a Utilidade;
E do Imaterial depende a Efetividade.
(A versão de Norberto de Paula Lima é assim:)
Trinta raios convergem, no círculo de uma roda
E pelo espaço que há entre eles
Origina-se a utilidade da roda
A argila é trabalhada na forma de vasos
E no vazio origina-se a utilidade deles
Abrem-se portas e janelas nas paredes da casa
E pelos vazios é que podemos utilizá-la
Assim, da não-existência vem a utilidade, e
da existência, a posse.
( A tradução de Wu Jyh Cherng, direta do original:)
Trinta raios convergem ao vazio do centro da roda
Através dessa não-existência
Existe a utilidade do veículo
A argila é trabalhada na forma de vasos
Através da não-existência
Existe a utilidade do objeto
Portas e janelas são abertas na construção da casa
Através da não-existência
Existe a utilidade da casa
Assim, da existência vem o valor
E da não-existência, a utilidade
(Mas não acredito que “utilidade” seja o sentido do Tao. O Tao não tem utilidade) .
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Um comentário:
Do nadinha que sei, Tao e utilidade parecem mesmo estranhos um ao outro e juntos, mais ainda. Mas será possível melhorar? Como eliminar o verbo ser - a "máquina infernal da predicação", na definição batuta de Décio Pignatari - das nossas cabeças?
E parabéns pela idéia de comparar as traduções. Ao que parece, esse poema terá mais sentido (utilidade?) ainda nesse 2009, que acaba de começar. Que os jornais estejam todos enganados, meu desejo a todos nós.
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