TEATRO AMAZONAS, 15.
A RENÚNCIA DO DR. FILETO PIRES FERREIRA
“Ao Presidente e mais Membros do Congresso Amazonense.
“Paris, 27 de junho de 1898.
“Saúdo-vos, apresentando-vos os mais sinceros e cordiais protestos de meu acatamento e respeito para convosco. Cumprindo o preceito constitucional venho trazer-vos hoje a renúncia do cargo que exerço nesse Estado, do qual sois dignos representantes, por não me ser possível por motivos de ordem superior continuar a exercê-lo. Vós melhor do que ninguém sabeis que aceitei delegação do povo amazonense depois de reiterados pedidos de todos os nossos amigos; delegação, repito, que por mim jamais foi ambicionada e que hoje não o é. Discípulo de Benjamim Constant, inspirado nos seus ensinamentos é convicção minha que a tolerância e a transigência deviam ser sempre as qualidades de um homem publico. Fiz tudo o que as minhas forças comportaram e não me acusa a consciência de me haver afastado da linha que propus-me seguir. Tomando esta resolução sugerida pelos ditames de meus sentimentos, determinada pelo império das circunstancias deixo bem patente aos meus concidadãos que dos cargos que na política ocupei apenas me prendiam a vontade e o desejo de por intermédio deles ser útil ao meu país. Crente de que o digno povo amazonense saberá fazer-me justiça, envio-lhe as expressões dos mais ardentes votos que faço pela prosperidade e engrandecimento que lhe asseguram as suas riquezas e o patriotismo acrisolado dos seus filhos. Saúde e fraternidade. Fileto Pires Ferreira.”
- Que carta é esta? – perguntou Scholz assustado e pondo o jornal sobre o tampo da rica mesa de mármore da varanda de sua casa, mesinha de mármore brecha vermelho sobre um tripé de ferro floreado, feminino, num gesto da oferenda de simbolismo francês, com um ramo de musácea, exótica estrelícia, de pétalas retas em forma de pássaros comprimidas em cristas laranjas de inspiração art-nouveau, meditações do nó, e do sarugaku acrobático, aéreo, ao lado de uma pequena escultura de Pierre Jean David, por que o alemão dera uma pequena fortuna.
- É falsa, disse Lima Silva. A maior fraude da História do Brasil!
- Que é isto! – exclamou o alemão, estupefato.
- Sim, amigo. Dr. Fileto não pediu renúncia.
- Mas a carta, a assinatura, o reconhecimento da firma?
- Tudo falso. Reconheceram a assinatura falsificada.
- A carta é muito bem escrita, nos moldes republicanos, disse Scholz.
- A assinatura foi falsificada pelo vice-governador Ramalho, que não faz mistério sobre isso, disse Lima Silva.
- Paira um humor sórdido na imprensa escandalosa, acrescentou Lima.
- Mas estão dilapidando a honra de um homem da altura de Dr. Fileto Pires, disse Scholz. Eu o conheço e sei da elegância de sua cultura.
- Fileto é um político honesto, um grande homem, disse Lima Silva. Seu governo foi comparativamente melhor do que o de Eduardo Ribeiro. Fileto governa há 19 meses, mas foi eleito para o quadriênio de 23 de julho a 23 de julho de 1900.
- Mas Fileto era o sucessor natural de Eduardo Ribeiro, disse Scholz.
- Mas superior a ele, mais culto, mais preparado.
- Sim?
- Fileto movimentava-se num ambiente de intrigas palacianas, de competições, disputas por cargos, privilégios. Mas era um romântico, só poderia destruir-se.
- Parecia um homem equilibrado, disse Scholz.
- E é. Pediu uma licença médica, viajou para Paris com a licença médica e um crédito especial de 500 libras mensais, além dos subsídios de Governador e a representação ordinária. Fileto não desconfiou que era uma armadilha. Em discurso elogiou Campos Sales, inimigo da elite amazonense. Aí Ramalho viu que era sua oportunidade. Disse que quem vai tratar da saúde não participa de banquetes. Deram-lhe uma rasteira. Fileto acordou no Grand Hotel com a notícia escandalosa de sua própria renúncia!
O processo de difamação só tinha começado. Os poetas da sarjeta debocharam:
Fileto Pires Ferreira
Foi à França por seu gosto,
Veio de lá na carreira,
Gritando que foi deposto.
- O autor da deposição foi Eduardo Ribeiro, presidente do congresso desde 15 de julho, disse Lima Silva.
Capitão Fileto Pires
O homem de opinião,
Saiu daqui com dinheiro,
Voltou sem nenhum tostão,
Entrou de rodaque e botas,
Acabou de pés no chão.
Anos depois aconteceu o mesmo, em 1910, com o coronel Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt. Mas no caso de Fileto foi pedida mas não houve intervenção federal, o congresso nacional rejeitou, por 65 votos contra e 52 a favor, alegando a soberania estadual. Além disso, Fileto estava sendo injustamente acusado de prevaricação, peculato e suborno, de acordo com a lei de 5 de outubro de 1892. Havia boatos indecentes vindo na imprensa corrupta, procurando colocar a colônia estrangeira contra ele, e além disso se dizia que em Manaus reinava o terror.
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