sábado, 6 de junho de 2009

O amante das amazonas, 20




Rogel Samuel: O amante das amazonas, 20


SETE: DESAPARECE.


O leitor não dará crédito ao que vou narrar, pois eu vi prodígios que ainda agora me surpreendem. Que, sem regressar a concluir seus estudos de Paris - estava ele com 18 anos de idade, em 1918 - José Bataillon foi-se deixando ficar no Igarapé do Inferno e passou a viver no exótico, pela singularidade, da vida afastada dos costumes e expectativa gerais, os seringueiros arredados várias léguas do Palácio, confinados os Caxinauás e o que restava deles nos confins da Amazônia: Desçamos agora a este mundo ignoto.

Habitavam ali, naquela ocasião, além da índia Maria Caxinauá, do bugre caboclo Paxiúba, o menino Mundico, e sua mãe, a cozinheira do Palácio, Isaura Botelho - mãe de Benito Botelho, que morava em Manaus, levado, como disse, por Frei Lothar e entregue depois aos cuidados de Padre Pereira, do Internato Vassourinha. Lá estava também eu, o ainda jovem Ribamar de Souza, que viera de Patos em busca de seu irmão Antônio e de seu tio Genaro - ambos agora mortos. Também o índio Arimoque, cujas estórias fantásticas ainda circulam até hoje pela região. João Beleza, o coxo, e alguns homens da guarda ficavam no barracão, a certa distância. A maacu Ivete já estava casada com Antônio Ferreira e morava em Manaus, - Ferreira se separado da sua Glorinha Lambisgóia, filha do Comendador Gabriel Gonçalves da Cunha, e era citado freqüentemente na crônica social do Amazonas Comercial, com certa ironia. O proprietário do jornal, Abraão Gadelha, inimigo político do Comendador, tinha estado à beira da falência, mas fora salvo pela interferência de D. Constança das Neves, esposa de Juca das Neves, que desembolsara a fortuna em obras sociais.


MAS não percamos tempo.
Quando a urutu pica, dói muito e incha a carne, que vai ficando escura e roxa, até o aparecimento da hemorragia e da morte. Já a picada da cascavel ataca o sistema nervoso central, a dor desaparece, a vista se perturba, vai ficando cega lentamente, começa a perder os movimentos do corpo, a princípio os dedos. Aí vêm dores na nuca, cada vez mais fortes, a paralisia vai subindo, a gente via ferver o progresso da morte, das extremidades para o centro, o corpo ficando rijo, duro, a morte vem pela rigidez viscosa, por asfixia, quando o diafragma enrijece. A morte vence o corpo, e a coral, obra de ourivesaria, é linda, vermelho-amarelo, cores vivas, e presas curtas, mas raramente pica. Mas não seja enganosa esta beleza, pois picando, mata. Mas pior de todas é a surucucu, grande, agressiva, forte e que, ao contrário das outras, vem e ataca. Tem muito veneno e permanece na tocaia das margens escuras de rios e lagos.

Mas silenciosos, sozinhos, sigamos nós, leitor.
Pois do que pude conseguir de jornais da época e de cartas de familiares, o desaparecimento de Zequinha Batelão nas margens do Igarapé do Inferno se deu em janeiro de 1912. Não fosse essa uma obra de ficção e poderia citar, em notas de pé de página, as fontes de onde obtive tal informação. Mas o sumiço do filho de Pierre Bataillon, um homem que vivia debaixo de ouro no Alto Juruá, permanece encoberto de tal mistério, sempre um acontecimento mitificado na imaginação do povo amazonense e acreano, e todas as hipóteses, levantadas então, não se puderam justificar, nem explicar, pelo menos para mim, motivo por que depois recorri àquelas fontes alternativas que tive a felicidade de encontrar, ainda vivas, depoimento dos principais personagens envolvidos que, lastimavelmente, tenho de omitir, mas que o leitor arguto pode logo descobrir se conhecer minha família. Entretanto sei, e de antemão o digo, que esta é apenas urna obra de ficção, e portanto mentirosa, dentre as várias que há na literatura amazonense, e espere o leitor e a leitora o surpreender-se com o que, apesar disso, o fio do destino vai descobrir. Todos os fatos, aqui expostos, foram realidades notáveis e aconteceram realmente para a minha imaginação, e se não tal exatamente como descrevo, até bem mais extraordinariamente talvez se não fosse eu quem estivesse escrevendo, nas peças das partes da composição deste complexo relato.

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