segunda-feira, 1 de junho de 2009

Os pássaros de cristal




Todo dia vejo pela janela uma explosão de pássaros. Na realidade são poucos pássaros. Poucos pássaros numa estreita janela sabem se multiplicar. Eles recortam o céu com seus gritos verdes. Se espalham pelo universo. Ganham as alturas, tingem as nuvens silenciosas de sonoridades polifônicas. Mudam a direção dos ventos. Revoam, voam, luminosos, sobre as imensas flores das luzes do sol.

Todo os pássaros. Todas as imaginárias felicidades formam um grande arco de flores que escorrem nesses sss, nesses chiados seja chuva desses. Toda esperança estar em esperar os sóis, os pássaros imaginados, fugidios, enganosos, idealizados, camuflados, tímidos... mas ricos em explosões portentosas de pássaros pelo ar, em festivais de pássaros de luminoso cristal feitos de magníficos sóis...

Qualquer que seja a chuva desses campos
devemos esperar pelos estios;
e ao chegar os serões e os fiéis enganos
amar os sonhos que restarem frios.

Porém se não surgir o que sonhamos
e os ninhos imortais forem vazios,
há de haver pelo menos por ali
os pássaros que nós idealizamos.

Feliz de quem com cânticos se esconde
e julga tê-los em seus próprios bicos,
e ao bico alheio em cânticos responde.

E vendo em torno as mais terríveis cenas,
possa mirar-se as asas depenadas
e contentar-se com as secretas penas.

Jorge de Lima. Invenção de Orfeu - Canto I - XXVI

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