terça-feira, 7 de julho de 2009

O Rio de Janeiro no inverno



O Rio de Janeiro no inverno

Rogel Samuel


O frio. É muito estranho esse clima. As pessoas ficam tristes. Ar claro. Luz maravilhosa. No budismo do Tibet há um Buda que se chama Buda da Luz Infinita. A idéia de cegueira é aterrorizante. Ainda que a luz seja sempre algo interno. A vida deve ser luz. Luz e som. Cores. Sonoridades luminosas. Bilac escreveu um soneto terrível. Beethoven Surdo.

Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo.
E o seu mundo interior cantava e ressurgia.

Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crânio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.

Era o nada, a eversão do caos no cataclismo,
A síncope do som no páramo profundo,
O silêncio, a algidez, o vácuo, o horror no abismo.

E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e pobre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!

Mas Bilac não o viu surdo, pois o interior de seu crânio "cantava e ressurgia". Havia uma orquestração interna. O que morria no vácuo era o mundo exterior, amaldiçoado. O Universo morto.

Já se disse de Beethoven que ele compôs a música das esferas. Foi no concerto 4 ou 5 para piano e orquestra, creio. A música das esferas luminosas do céu. Dante. Dante viu nas esferas o amor. O amor que move as estrelas.

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